Javier Milei, presidente da Argentina (Juan Mabromata/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 22 de fevereiro de 2025 às 08h51.
O jornaleiro Adolfo Gutiérrez olha para as manchetes dos principais jornais argentinos exibidos em sua banca do bairro de Palermo, em Buenos Aires, e desabafa:
— O povo nem sabe o que é uma criptomoeda, o povo está preocupado com o bolso, a inflação, e a insegurança.
Perguntado sobre o maior escândalo já sofrido pelo governo do presidente argentino, Javier Milei, desencadeado há pouco mais de uma semana por um post escrito pelo chefe de Estado em sua conta na rede social X no qual promovia a criptomoeda $LIBRA — que disparou em valor logo em seguida para despencar em poucas horas, causando prejuízo a milhares de pessoas — o jornaleiro portenho minimizou o impacto do escândalo. Enquanto a mídia e o mundo político local praticamente só falam no chamado “criptogate”, nas ruas da capital argentina as preocupações são outras.
— Não tem nada de novo, em todos os governos existe corrupção. As pessoas esperam que Milei, pelo menos, melhore alguma coisa— diz Gutiérrez, que passa o dia conversando com moradores do bairro e afirma que “o assunto da criptomoeda está muito longe de nossa realidade”.
Analistas locais como Santiago Giorgietta, diretor da empresa de consultoria Proyección, estão em campo medindo o impacto do escândalo. Os primeiros resultados obtidos por uma pesquisa realizada poucos dias após o famoso tuíte de Milei — apagado pouco depois da queda abrupta da criptomoeda por recomendação de seus principais assessores — indicam que no grupo de eleitores fiéis ao presidente, estimados em 30% do total, cerca de 65% continuam confiando nele, enquanto 35% afirmam que passaram a confiar menos.
O presidente argentino foi eleito com 56% dos votos, no segundo turno das eleições de 2023. Mas nas primárias de agosto daquele ano, e no primeiro turno, obteve em torno de 30%. Milei chegou ao poder com votos de outros candidatos, principalmente da atual ministra da Segurança, Patricia Bullrich. O maior risco que o presidente enfrenta atualmente é perder apoio nesse grupo, o dos chamados “votos emprestados”, que foram cruciais para sua eleição.
— A popularidade de Milei continua próxima dos 45%, caiu muito pouco — afirma o analista.
Mesmo os 35% do grupo de eleitores fiéis do presidente que perderam um pouco da confiança em seu governo poderiam votar em seu partido, A Liberdade Avança, nas eleições legislativas de outubro, aponta Giorgietta.
— Eles confiam menos em Milei, mas não encontram alternativa. A representação política está em crise na Argentina, como aconteceu em muitos outros momentos de nossa História — explica o diretor da Proyección.
Se tem algo que Milei perdeu na última semana, mas não de forma expressiva, foi a confiança de alguns argentinos em seu programa econômico. O escândalo da criptomoeda despertou em algumas pessoas dúvidas sobre os conhecimentos econômicos de Milei, que alegou que não tinha informação suficiente sobre a $LIBRA ao apagar o tuíte em que a promovia, e depois disse que quem investiu sabia os riscos que corria. Para Giorgietta, ele vive “uma crise de reputação, ainda controlada”. A economia é, sem dúvida, seu principal ativo.
Numa caverna (casas de câmbio ilegais, que operam no mercado paralelo) no centro, o movimento no fim da semana era escasso. Pouquíssimas pessoas comprando e vendendo dólares no chamado “mercado blue”. O operador Gonzalo Sosa comentou que a crise política “ainda não afetou nosso trabalho, o dólar está estável, com leves oscilações”.
— As pessoas não parecem muito preocupadas, mas algumas comentam que estão acompanhando e sentindo um pouco mais de medo do que tinham antes — afirma Sosa, sentando em sua cadeira sem ter muito o que fazer.
Outras pesquisas divulgadas pela imprensa local apontaram uma queda maior de popularidade do presidente. De acordo com trabalho da Synopsis, perguntados pelo tuíte do presidente sobre a $LIBRA, 76% dos entrevistados expressaram sentimentos negativos sobre Milei. Outro estudo da Zubán Córdoba apontou que 60% dos entrevistados disseram ter certeza que a operação promovida pelo presidente “se tratou de um golpe”, e 54,5% afirmaram que a secretária-geral da Presidência, Karina Milei, irmã do chefe de Estado, deve ser investigada.
Karina viajou na quarta-feira com o presidente para os EUA e tem participado de todas as reuniões importantes da visita a Washington. Ambos se encontraram na quinta com o magnata Elon Musk, que ganhou de presente de Milei uma serra elétrica, símbolo de sua política de ajuste fiscal. Sobre a criptomoeda, nem uma palavra.
Na sexta-feira, o presidente e sua irmã foram recebidos pelas mais altas autoridades do Fundo Monetário Internacional (FMI) e iriam, também ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Também integram a delegação oficial o ministro da Economia, Luis Caputo, e o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni.
Enquanto Milei tenta mudar a agenda política do país divulgando imagens de uma visita que busca mostrar um presidente forte e com apoio internacional, na Argentina seus opositores não conseguem capitalizar o escândalo da $LIBRA. Na quinta-feira, fracassou a tentativa de criar uma comissão parlamentar investigadora no Senado e, no mesmo dia, a bancada governista — formada por senadores libertários e aliados — aprovou um projeto enviado pela Casa Rosada que eliminou as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) do calendário eleitoral argentino. A Justiça o investiga, mas fontes do governo indicam que o presidente está tranquilo com relação a esse flanco.
— As pesquisas que falam em queda de popularidade expressiva não são confiáveis. O que estamos vendo é muita confusão, as pessoas não entendem bem o caso, e as principais preocupações continuam sendo questões como a inflação e a insegurança — diz o analista Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.
Para ele, “que Milei também é da casta política muitos já sabiam e dizem isso nos grupos focais. Mas essas mesmaspessoas esperam que ele resolva seus problemas”.
— Teria tido mais impacto um aumento da gasolina, as pessoas estariam indignadas. O escândalo da $LIBRA pode ter algum impacto, mas não de efeito permanente — diz o analista. — Não existe clima na opinião pública nem espaço na política para uma ofensiva forte contra Milei.