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Pioneiros da computação dizem que Trump pode excluir futuros Musks dos EUA

Os mais premiados cientistas da computação dos Estados Unidos apoiam Biden na eleição americana porque política de Trump dificulta imigração de talentos

John Hennessy, presidente executivo da empresa mãe do Google, a Alphabet. (Zach Gibson/The New York Times)

John Hennessy, presidente executivo da empresa mãe do Google, a Alphabet. (Zach Gibson/The New York Times)

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Gilson Garrett Jr

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 12h11.

Última atualização em 29 de setembro de 2020 às 18h06.

Duas dúzias de cientistas da computação premiados, em uma repreensão às políticas de imigração do presidente Donald Trump, declararam seu apoio a Joe Biden nas eleições presidenciais de novembro.

Os cientistas – incluindo John Hennessy, presidente executivo da empresa mãe do Google, a Alphabet – são todos vencedores do Prêmio Turing, frequentemente chamado de Prêmio Nobel da computação.

Em uma entrevista em grupo, quatro deles disseram que as regras restritivas de imigração do governo Trump eram uma ameaça à pesquisa nos Estados Unidos e poderiam causar danos em longo prazo à indústria de tecnologia, que há décadas é um dos motores econômicos do país.

"As pessoas mais brilhantes do mundo querem vir para cá e fazer pós-graduação, mas agora estão sendo desencorajadas, e muitas estão indo para outros lugares", afirmou um dos cientistas que organizaram o endosso, David Patterson, destacado engenheiro do Google e ex-professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Com a aproximação da eleição, os vencedores do Turing são os mais recentes membros da comunidade científica a se posicionar. A revista de pesquisa "Scientific American" também endossou Biden, citando, entre outras críticas, a resposta de Trump à pandemia do coronavírus e seu ceticismo em relação às mudanças climáticas. Foi a primeira vez em seus 175 anos que a publicação apoiou um candidato presidencial.

O apoio dos vencedores do Turing – uma novidade também para eles – foi dado com base na relação cada vez mais antagônica do governo Trump com a indústria tecnológica. Várias agências federais estão investigando as práticas comerciais das maiores empresas de tecnologia, e o Departamento de Justiça pode apresentar um processo antitruste contra o Google já neste mês.

Várias grandes empresas de tecnologia, incluindo o Google e o Facebook, frequentemente se manifestam sobre questões de imigração. Uma semana depois da posse de Trump, o cofundador do Google, Sergey Brin, se juntou aos protestos no Aeroporto Internacional de San Francisco contra a proibição de entrada de pessoas de vários países predominantemente muçulmanos. Dias depois, Brin e o executivo-chefe do Google, Sundar Pichai, falaram em um protesto semelhante dos funcionários da empresa em sua sede no Vale do Silício.

A declaração coletiva de 24 dos 35 vencedores vivos do Turing, incluindo cientistas seniores do Google, do Facebook e da Microsoft, garante um peso considerável às preocupações da indústria com as políticas de imigração de Trump. Entre eles, estão pesquisadores que inventaram tecnologias que se tornaram os pilares da internet global.

Vinton Cerf, por exemplo, ajudou a inventar a tecnologia de rede de computadores que é fundamental para a forma como as máquinas interagem. Agora vice-presidente do Google, também recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade do Presidente George W. Bush em 2005.

Yann LeCun, o principal cientista de inteligência artificial do Facebook, ajudou a desenvolver técnicas que alimentam tudo, desde os sistemas de visão em carros autônomos até assistentes digitais como a Siri. Ronald Rivest, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Martin Hellman, professor emérito da Universidade Stanford, ajudaram a inventar o método de criptografia usado no e-commerce.

Patterson e Hennessy, que também é ex-presidente da Universidade Stanford, compartilharam o Prêmio Turing de 2017 por causa de ideias que sustentam 99 por cento de todos os novos chips de computador.

Todos os 35 vencedores americanos do Turing foram convidados para participar da declaração de apoio. Alguns não responderam devido a problemas de saúde, e outros preferiram não participar, pelo menos em parte porque não queriam envolver seus empregadores – sejam empresas ou universidades – em uma situação política, disse Patterson.

Hennessy não quis ser entrevistado. Patterson, afirmando falar como cidadão privado, comentou: "Precisamos sair da nossa zona de conforto e fazer uma declaração."

O Google e o Facebook preferiram não comentar. Um porta-voz da Microsoft divulgou que esse "não era um endosso oficial da empresa".

A campanha de Biden declarou estar "honrada" por ter o apoio dos cientistas da computação. A campanha de Trump não retornou um pedido de comentário.

As políticas de imigração de Trump têm preocupado os pesquisadores de tecnologia desde sua eleição em 2016. Grande parte dos talentos científicos e tecnológicos do país vem do exterior, e políticas mais restritivas podem dificultar os esforços do país para desenvolver tecnologia em áreas cada vez mais importantes, incluindo inteligência artificial e computação quântica.

O número de trabalhadores qualificados nascidos no exterior que se mudaram dos Estados Unidos para o Canadá em 2019 foi mais do que o dobro do total de 2017, de acordo com um estudo do Centro para Segurança e Tecnologia Emergente da Universidade de Georgetown. O número de estudantes estrangeiros continua a crescer, segundo um estudo, mas o crescimento está desacelerando.

Agora, com a crise na relação EUA-China, o governo Trump está limitando vistos para estudantes chineses de pós-graduação e planeja novas restrições a esses vistos.

"Há uma tendência crescente de assumir que a melhor coisa que podemos fazer é impedir que a China interaja com o ecossistema tecnológico dos EUA. Mas isso ignora o fato de que os EUA saem ganhando quando os tecnólogos chineses vêm para cá e estudam, trabalham e ficam aqui", disse Matt Sheehan, analista do MacroPolo, um think tank que promove laços entre os Estados Unidos e a China.

Brian DeMarco, que dirige um novo centro de computação quântica na Universidade do Illinois, financiado pela Fundação Nacional de Ciências, afirmou que não havia como equipar seu imenso laboratório sem atrair um grande número de estrangeiros.

"Estamos chegando a um ponto em que simplesmente não temos capacidade de reunir todos os nossos esforços de P&D. Há muita demanda nos laboratórios nacionais, muita demanda no setor privado e muita demanda na academia", observou DeMarco, referindo-se a pesquisa e desenvolvimento.

Os vencedores do Turing temem que a repressão de Trump se expanda se ele for reeleito, impedindo o tipo de crescimento tecnológico e econômico desfrutado pelos Estados Unidos ao longo do último meio século. Suas próprias fileiras contam com vários imigrantes, incluindo Raj Reddy, que ganhou o Prêmio Turing em 1994 por seu trabalho com tecnologia de inteligência artificial.

Patterson acrescentou que os principais executivos de quatro grandes empresas de tecnologia dos EUA – Google, Microsoft, Nvidia e Tesla – imigraram para os Estados Unidos. "Estamos excluindo futuros Elon Musks do país?", perguntou ele.

Alguns especialistas em política alertam que, embora os pesquisadores imigrantes sejam uma parte importante do progresso tecnológico dos EUA, os Estados Unidos ainda têm de equilibrar a atração de engenheiros talentosos com preocupações razoáveis sobre espionagem estrangeira dentro de universidades, empresas e laboratórios governamentais.

"A espionagem de países aliados e parceiros e daqueles que são concorrentes, como a China, sempre será feita", disse Pavneet Singh, membro da Brookings Institution, que acompanhou de perto os esforços da China para se tornar líder mundial em tecnologia.

Patterson e outros vencedores do Prêmio Turing reconheceram essa preocupação, porém comentaram que o equilíbrio entre imigração e segurança não tinha relação com o recebimento de novos pesquisadores para o país. "Queremos um presidente que ouça os especialistas", resumiu Patterson.

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