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Pesquisa detecta mudanças no Atlântico Sul

Maior volume de água mais salgada e quente recebida do Índico pode alterar a composição do Atlântico Sul e, eventualmente, ter impactos no Atlântico Norte

Oceano Atlântico: fenômeno ocorre porque as águas do Atlântico Sul que fluem em direção ao Norte transportam e liberam calor para a atmosfera nas latitudes mais altas (Getty Images)

Oceano Atlântico: fenômeno ocorre porque as águas do Atlântico Sul que fluem em direção ao Norte transportam e liberam calor para a atmosfera nas latitudes mais altas (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 6 de dezembro de 2013 às 10h42.

São Paulo – A porção sul do Oceano Atlântico está recebendo um maior volume de água do Oceano Índico, que tem águas relativamente mais quentes e com maior concentração de sal do que as oriundas das regiões subantárticas.

O processo, verificado recentemente por pesquisadores, pode provocar mudanças na composição da água do Atlântico Sul – que vai depois para o Atlântico Norte – e afetar a temperatura da atmosfera nas regiões subárticas.

O fenômeno ocorre porque as águas do Atlântico Sul que fluem em direção ao Norte transportam e liberam calor para a atmosfera nas latitudes mais altas. Ao se tornarem mais salinas e, consequentemente, mais pesadas, tenderão a afundar mais rapidamente, antes de chegar às altas latitudes do Atlântico Norte – o que pode reduzir a temperatura da superfície do oceano e da atmosfera das regiões subárticas.

As constatações, feitas anteriormente por modelagens numéricas, foram reiteradas agora por um estudo observacional realizado por um grupo internacional de pesquisadores, com a participação de brasileiros, que acaba de ser publicado na edição online do Journal of Geophysical Research Oceans (JGR).

A pesquisa é a primeira baseada em dados coletados no Alpha Crucis – navio oceanográfico adquirido pela FAPESP, em 2012, para o Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP) – e faz parte do projeto internacional de análise da circulação de calor no Atlântico Sul South Atlantic Meridional Overtuning Circulation (Samoc).

O esforço internacional de pesquisa envolve pesquisadores e instituições dos Estados Unidos, França, Brasil, África do Sul, Argentina, Rússia e Alemanha. A participação de pesquisadores brasileiros é financiada pela FAPESP, por meio de um Projeto Temático, realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, e de um acordo estabelecido com a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe) e com a Agence Nationale de la Recherche (ANR), da França.


“O objetivo do Samoc é monitorar fluxos meridionais e propriedades termodinâmicas de massa de água em uma seção vertical ao longo da latitude 34.5 graus sul, que começa na região do Chuí, na América do Sul, e se estende até a África do Sul, e que chamamos de Samba [sigla de Samoc Basin-wide Array]”, disse Edmo Campos, professor do IO da USP e coordenador do projeto pelo lado do Brasil, à Agência FAPESP.

Fronteira dos oceanos

De acordo com Campos, essa linha geográfica representa uma região de fronteira por meio da qual a mistura de águas oriundas dos oceanos Índico e Pacífico adentram a região subtropical do Atlântico Sul; a partir daí, uma porção significativa segue rumo ao Atlântico Norte, como parte da Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (MOC).

Ao monitorar e detectar sinais de variação nessa região é possível prever mudanças na temperatura do Atlântico Norte nas próximas décadas, apontou Campos.

“O Atlântico Sul realiza transporte de calor para o Atlântico Norte a uma taxa da ordem de 1,3 petawatt, o que representa uma quantidade de energia equivalente à produzida por mais de 200 mil usinas de Itaipu funcionando a todo o vapor”, exemplificou Campos. “Qualquer pequena alteração nesse processo de transporte de calor pode desencadear sérias consequências ao clima do planeta.”

Segundo o pesquisador, em razão dessa importância do Atlântico Sul e por ser essa uma das regiões oceânicas com a menor quantidade de observações marítimas, foi iniciada, nos últimos anos, uma série de esforços internacionais para monitorá-la.


Um deles é o Samoc. Os pesquisadores brasileiros, argentinos e norte-americanos assumiram a responsabilidade de realizar monitoramentos na parte oeste da linha Samba. Já os pesquisadores da África do Sul e da França estudam a região leste, e os dos Estados Unidos, em colaboração com outros países – incluindo o Brasil –, planejam a implantação do sistema de monitoramento na parte central da linha.

“Nosso objetivo é que o Brasil assuma a liderança e passe a cobrir toda a extensão dessa latitude [do Chuí à África do Sul] em cooperação com outros países, de modo a garantir o monitoramento da linha Samba e obter informações para inferir variações no sistema de transporte de calor entre os oceanos que, eventualmente, podem ter impactos no clima tanto em escala regional como global”, contou Campos.

Os primeiros experimentos da participação brasileira no projeto foram feitos no fim de 2009, durante um cruzeiro realizado pelo navio hidroceanográfico Cruzeiro do Sul, adquirido pela Marinha do Brasil em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Em dezembro de 2012, os pesquisadores brasileiros realizaram a segunda série de experimentos durante o primeiro cruzeiro internacional realizado pelo Alpha Crucis.

Primeiro cruzeiro do Alpha Crucis

Nesse primeiro cruzeiro, a embarcação saiu do porto de Santos em direção a um ponto na latitude 34.5 graus sul (situado a cerca de 1,4 mil quilômetros da costa brasileira). Desse ponto e ao longo dessa latitude, o navio voltou ao litoral do Brasil, na divisa com o Uruguai.


Durante esse trajeto, percorrido em 17 dias, os pesquisadores a bordo fizeram a coleta de diversos tipos de dados oceanográficos, como medição da corrente, temperatura, concentração de oxigênio e salinidade da água, por meio de uma série de instrumentos disponíveis na embarcação.

Além disso, instalaram no fundo do oceano, ao longo da extremidade oeste da linha Samba, medidores de condutividade, temperatura, oxigênio e flúor, e ecossondas com sensor de pressão e velocidade das correntes marinhas.

Chamadas CPIES (sigla de Current, Pressure Inverted Echo-Sounders), essa ecossondas emitem um sinal sonoro em direção à superfície do oceano. Conforme o tempo gasto para o sinal chegar à superfície e retornar ao fundo, na forma de um eco, é possível inferir a densidade e temperatura das correntes marinhas e, assim, estimar a velocidade com que estão transportando calor através da seção vertical determinada por dois desses sensores, explicou Campos.

“Os instrumentos instalados durante o primeiro cruzeiro internacional do Alpha Crucis realizam medições continuamente; os dados ficam armazenados e podem ser coletados via satélite, por meio de ‘mensageiros’ que são liberados periodicamente e, ao chegar à superfície, transmitem os dados para os satélites. Podem também ser coletados por transdutores acústicos em navios oceanográficos que, ao passarem perto dos equipamentos extraem os dados catalogados para que façamos as análises”, detalhou Campos.

“Com o primeiro cruzeiro do Alpha Crucis conseguimos coletar uma quantidade de informações bem maior do que tínhamos e realizar a análise das variabilidades no processo de transferência de calor do Atlântico Sul para o Atlântico Norte, demonstrada no artigo publicado no JGR”, afirmou.


De acordo com o pesquisador, as análises – que também incluem dados históricos e resultados de modelos numéricos – indicaram alterações no Atlântico Sul. Tais mudanças, segundo ele, estão de acordo com hipóteses levantadas anteriormente de que o volume de água que o oceano recebe do Índico está aumentando e alterando a concentração de sal de sua massa de água – uma vez que as águas do Índico possuem maior quantidade de sal (salinidade) e temperatura mais elevada do que as encontradas na latitude a 34.5 graus sul do Atlântico.

Esse aumento da concentração de sal no Atlântico Sul pode alterar o fluxo de suas águas para o Atlântico Norte e o processo de troca de calor com a atmosfera, alertou Campos.

“Mudanças mínimas na temperatura ou na concentração de água alteram o processo de troca de calor da superfície do oceano com a atmosfera, e a resposta no clima pode ser até mesmo catastrófica”, afirmou.

“O clima depende de como o oceano troca calor com a atmosfera e como redistribui essa temperatura para o resto do planeta”, ressaltou Campos.

O pesquisador ressalvou que, em razão dos dados coletados abrangerem um período de apenas 20 meses, ainda não é possível obter sinais de mudanças climáticas com base apenas nas observações realizadas, uma vez que para isso as informações precisariam ser obtidas por períodos muito mais longos – de décadas, por exemplo.


O estudo, no entanto, representa uma das primeiras contribuições para entender como o transporte de calor ocorre no Atlântico Sul e varia em escalas de meses e anos, ponderou.

“Nosso objetivo é obter esses dados por períodos muito maiores do que alguns anos por meio de outros cruzeiros planejados com o Alpha Crucis”, disse Campos.

“De qualquer forma, o estudo já é um resultado prático, baseado em dados coletados por cruzeiros realizados pelo Alpha Crucis, que contribuiu de forma significativa para as observações no Atlântico Sul”, avaliou.

O artigo Temporal variability of the Meridional Overturning Circulation at 34.5°S: Results from two pilot boundary arrays in the South Atlantic (doi: 10.1002/2013JC009228), de Campos e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Geophysical Research Oceans em onlinelibrary.wiley.com/journal/10.1002/(ISSN)2169-9291.

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