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Peru perfura Andes para irrigar deserto após sonho secular

Solução radical de engenharia para a escassez de água poderá em breve criar uma bonança agrícola

Giovanni Palacios: "Tudo isso vai ser verde", diz engenheiro responsável pela obra. (REUTERS/Enrique Castro-Mendivil/Files)

Giovanni Palacios: "Tudo isso vai ser verde", diz engenheiro responsável pela obra. (REUTERS/Enrique Castro-Mendivil/Files)

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Da Redação

Publicado em 4 de abril de 2013 às 21h59.

Olmos - O Vale dos Olmos, no Peru, pode ser um deserto agora, com chuvas raras e rios com vida por apenas alguns meses durante o ano, mas uma solução radical de engenharia para a escassez de água poderá em breve criar uma bonança agrícola no local.

A água doce, que agora corre a leste da Cordilheira dos Andes até a bacia amazônica e, eventualmente, o oceano Atlântico, irá, ao contrário, se mover para oeste através das montanhas para irrigar este pedaço de deserto na costa do Peru. Então, a água será drenada para o oceano Pacífico.

O projeto hercúleo para inverter o fluxo de água e realizar um sonho de um século é, em muitos aspectos, o mais importante de saneamento da história do Peru. E poderia servir como um modelo para projetos necessários para enfrentar o agravamento da escassez de água.

"Tudo isso vai ser verde", disse o engenheiro Giovanni Palacios, olhando para quilômetros de arbustos marrons em um canteiro de obras que ele supervisiona para a empresa brasileira Odebrecht.

Palacios é o diretor do Projeto de Irrigação Olmos, um ambicioso e não comprovado projeto até que seja iniciado em 2014. O custo do empreendimento é de 500 milhões de dólares.

O projeto inclui a perfuração de um túnel de 20 quilômetros através dos Andes para captar os fluxos de água abundantes no outro lado. Essa obra exige uma broca de 305 metros de comprimento, com objetivo de corrigir o problema de água mais emblemático do Peru.

A precipitação média na costa peruana é de 150 milímetros por ano e o projeto está vindo à medida em que as geleiras tropicais do Peru, uma fonte de água doce para milhões de pessoas, derretem diante das crescentes temperaturas globais.

"Isso tudo será cana de açúcar, abacate, maracujá, e pessoas em toda parte estarão trabalhando, plantando, colhendo", disse Palacios sobre um monte de areia, parte dos 2,5 milhões de metros cúbicos de terra que foram movidos até agora para abrir caminho para a água.


O projeto Olmos, que críticos dizem que beneficia principalmente grandes empresas agrícolas, em vez de pequenos agricultores, é o mais ambicioso de sete grandes obras de irrigação que estão transformando trechos de vales do deserto perto da costa do Peru em campos produtores e rentáveis.

Juntos, eles irão tornar cerca de 233 mil hectares de deserto em terras produtivas na próxima década.

A maioria dos projetos envolve rios alimentados por geleiras ao longo da Costa do Pacífico. O projeto de irrigação Olmos, no entanto, é o primeiro que envolve dois lados, ao desviar a água destinada à Amazônia para a costa a fim de alimentar as lavouras.

O projeto compartilha algumas semelhanças com as obras que levaram água potável através das montanhas para a capital, Lima, por anos. O Peru é um dos países mais expostos às mudanças climáticas, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), e Lima é tão seca como Bagdá.

Fluxos de teste de água no túnel para o Vale do Olmos foram realizados no ano passado.

No próximo ano, a Odebrecht vai começar a injetar bilhões de litros de água em campos alugados por empresas agrícolas ao longo de uma área de 440 quilômetros quadrados de deserto na região de Lambayeque, no norte, conhecida por suas árvores com raízes de até 50 metros no subsolo para encontrar água.

Ônus esmagador

O Peru tem lutado muito para gerenciar um desequilíbrio de água natural que a mudança climática poderá em breve levar a outras nações: muita água em alguns lugares e não o suficiente em outros.

A região costeira a oeste da Cordilheira dos Andes, que abriga dois terços da população do Peru e representa 80 por cento da economia, recebe apenas 2 por cento da água doce do país.

A falta de água em regiões ao longo da costa já coloca um "ônus esmagador" sobre o Peru, economia da América do Sul de mais rápido crescimento, disse o diretor de conservação da Agência Nacional de Águas, Jorge Benites.


"Com a mudança climática e o rápido crescimento populacional e econômico, projetos transandinos como Olmos vão certamente se multiplicar", disse Benites.

A água tem definido a vida na costa do Peru desde a época pré-inca, com o poder acompanhando aqueles que a controlam.

Antes de condições meteorológicas extremas e secas marcarem seu colapso em 800 d.C., a antiga civilização Moche prosperou ao longo da costa norte do Peru por cerca de 700 anos, graças a um sistema de irrigação de superfície que usou rios sazonais para irrigar campos de milho, feijão e amendoim.

A irrigação em Olmos não mudou muito desde o tempo da civilização Moche para muitos agricultores locais. Enquanto alguns podem pagar para bombear água subterrânea para os seus campos durante a longa estação seca, outros esperam o rio Olmos encher com as chuvas breves durante o período úmido para então correr para cavar caminhos de irrigação com pás.

A Odebrecht estima que o projeto de irrigação Olmos vai criar cerca de 40 mil empregos diretos e outros 120 mil empregos indiretos, tantas vagas que uma equipe de arquitetos peruanos de empresas diferentes concebeu uma nova cidade para abrigar os recém-chegados.

"Esta experiência de Olmos é igual à feita pela civilização Moche milhares de anos atrás. Eles conquistaram o deserto através da irrigação e construíram centros urbanos", disse José Orrego, um arquiteto da empresa Metropolis, em Lima. "A ideia é muito sedutora."

Visão centenária

Engenheiros afirmam que Olmos é o projeto mais complexo e arriscado no qual trabalharam, com condições de calor no interior da montanha exigindo ar-condicionado e geologia instável do lado de fora que causou pelo menos dois deslizamentos.

A construção do túnel foi concluída no fim de 2011 e até 2015 água suficiente para encher 160 mil piscinas olímpicas (400 milhões de metros cúbicos) podem começar a correr anualmente através da montanha, alimentando uma pequena central hidrelétrica durante o processo.


O projeto tem sido um sonho dos engenheiros e políticos desde o fim do século 19, bem antes de preocupações surgirem sobre o aquecimento global, mas definhava sobre questões de financiamento até 2003, quando uma descentralização transferiu para o governo regional de Lambayeque a missão de resolver isso com o setor privado.

A Odebrecht finalmente ganhou o direito de erguer o projeto, que indiscutivelmente ganhou mais importância depois que cientistas advertiram que muitas das geleiras do Peru poderiam desaparecer.

"Lambayeque tem um futuro brilhante, mas para chegar lá precisamos de mais investimento, e o que vai trazer esse investimento é a água", disse o presidente do governo regional, Humberto Acuña.

A Odebrecht desempenha um papel relevante no Peru, construindo de estradas a instalações de mineração, e até mesmo a colocação de uma versão menor da famosa estátua do Cristo Redentor no país.

Para pagar a construção do projeto Olmos sem recursos do governo, a Odebrecht disse que pediu a investidores para apostarem que o futuro fluxo de água alimentará as plantações.

Terras públicas ociosas foram leiloadas a empresas agrícolas para financiar metade do empreendimento e a outra metade veio de emissão de dívida baseada em água que será vendida futuramente às mesmas companhias.

"Para isso ir adiante, as estrelas tinham que estar alinhadas", disse o diretor da Odebrecht no Peru, Jorge Barata. "A inovação na estrutura financeira criou algumas dúvidas no início."

Transformar o deserto em jardim de trabalho?

Embora o plano seja manter corrente de água do leste dos Andes até a costa, a oeste, o apetite do governo peruano para fazê-lo com modelos de negócios como Olmos pode estar diminuindo.

O presidente do Peru, Ollanta Humala, tem elogiado as obras de irrigação para pequenos agricultores em vez de projetos industriais como o Olmos, que estava em andamento antes de sua posse e é financiado, em parte, por preços mais elevados da água.


Críticos dizem que o projeto Olmos marginaliza a agricultura familiar e deu recursos públicos, como terra e água, para empresas com foco em exportação.

A menor parcela individual dos 38 mil hectares leiloados foi de 250 hectares, propriedade que exige um investimento mínimo de cerca de 1 milhão de dólares.

"Foi uma boa ideia, mas, na realidade, o projeto tem favorecido a agroindústria e não os agricultores da região, que sonharam com isso por 100 anos", disse Fernando Eguren, da Cepes, um grupo de advogados que defende os interesses dos pequenos agricultores.

A Odebrecht afirmou que concordou em disponibilizar a água em uma área de 5.500 hectares para parcelas da comunidade e oferecê-la a uma taxa inferior àquela que os agricultores pagam agora para bombear águas subterrâneas.

No entanto, Juan Rodolfo Soto, presidente do grupo de agricultores em Olmos, disse que a Odebrecht deveria construir a mesma infraestrutura de irrigação que as empresas vão ter para as comunidades.

"Depois de tantos anos, muito de nossa esperança se transformou em decepção", disse Soto. "Mas acho que ainda vai beneficiar indiretamente, com postos de trabalho em hotéis ou trabalho para as grandes empresas." Importante produtor de minérios, o Peru mais do que triplicou suas exportações agrícolas na última década, de acordo com o Ministério da Agricultura, usando o seu bom clima durante todo o ano e cerca de 19 acordos de livre comércio para atender à demanda global por produtos caros como o aspargo.

Ainda assim, irrigar as regiões costeiras do Peru para manter as crescentes exportações agrícolas tem seus riscos. O fenômeno El Niño, que periodicamente aquece o Pacífico e atiça chuvas destrutivas, tem o potencial de causar estragos.

"Transformar o deserto do Peru em um jardim soa muito bem, mas quão bem realmente funciona?", questionou o geógrafo Jeffrey Bury, que estuda questões da água no Peru.

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