Mundo

Patrimônio islâmico da Índia é destruído em nome do desenvolvimento

A demolição ocorre num momento delicado na Índia, quando os nacionalistas hindus foram encorajados a reivindicar monumentos islâmicos centenários para a fé majoritária do país

Imagem do túmulo de Baba Haji Rozbih destruído, em Nova Délhi (AFP Photo)

Imagem do túmulo de Baba Haji Rozbih destruído, em Nova Délhi (AFP Photo)

AFP
AFP

Agência de notícias

Publicado em 20 de fevereiro de 2024 às 15h22.

Durante nove séculos, os indianos rezaram em frente ao túmulo de Baba Haji Rozbih, um dos santuários islâmicos mais antigos de Nova Délhi, mas, para a surpresa dos peregrinos, o templo foi destruído no início de fevereiro.

O santuário do santo sufi em um parque da capital é a última vítima do "programa de demolição" da Autoridade de Desenvolvimento de Délhi (DDA) que quer destruir "estruturas religiosas ilegais", um destino que é compartilhado por uma mesquita, vários túmulos e templos hinduístas.

A demolição provocou comoção e alerta entre os historiadores, que lamentam a perda de um patrimônio que data do final do século XII.

"É um golpe (...) a História que tornou a Índia o que ela é hoje em dia", aponta a historiadora Rana Safvi.

"Esse santuário era o de um santo sufi, que foi um dos primeiros, senão o primeiro, a chegar a Délhi", acrescentou. "Vimos pessoas de todas as confissões prestando homenagem".

"Tudo desapareceu"

O santuário de Baba Haji Rozbih já tinha 500 anos quando o Taj Mahal foi construído. Era muito menos espetacular: ormado por um muro baixo que envolve uma sepultura ao fim de uma trilha no parque florestal de Sanjay Van.

Mas para os habitantes é uma perda dolorosa — Passei noites aqui rezando e tudo desapareceu —, explica à AFP um homem que falou sob a condição de anonimato — Se não protegermos nossa história, quem fará isso? —.

O programa de demolição, justificado oficialmente em nome do desenvolvimento, afetou tanto estruturas hinduístas como muçulmanas. Mas a DDA não explicou o que será construído no lugar onde ficavam as estruturas demolidas, incluindo muitas que estavam no interior de áreas florestais ou reservadas.

A campanha foi aprovada por um comitê religioso e "o conjunto do programa de demolição é realizado sem obstáculos nem perturbações ou protestos", afirmou a DDA, uma agência federal que busca preservar "o caráter histórico único de Délhi".

Segundo o jornal Hindustan Times, além do santuário e uma mesquita, quatro templos hinduístas e 77 túmulos foram destruídos pela agência.

Essas demolições ocorrem em um momento sensível, depois de campanhas do nacionalismo hinduísta, a religião majoritária no país, que reivindicam a instalação de seus templos onde há monumentos islâmicos centenários.

Em janeiro, o primeiro-ministro Narendra Modi inaugurou um templo hinduísta gigante na cidade de Ayodhya, construído onde durante séculos havia uma mesquita. Ela já havia sido destruída por fanáticos hinduístas em 1992. O ato desencadeou confrontos religiosos que deixaram 2.000 mortos, em sua maioria muçulmanos.

A inauguração foi interpretada como um ato de pré-campanha das eleições gerais previstas para abril, nas quais o partido nacionalista hindu de Modi, Bharatiya Janata (BJP), é o favorito.

"O patrimônio é comum a todos"

No mês passado, na mesma área florestal de Nova Délhi, a mesquita Ajonji que, segundo seus guardiães, tinha cerca de 600 anos foi destruída. O imã Zakir Husain disse que as retroescavadeiras chegaram cedo, antes do amanhecer, para demolir o templo sem aviso prévio.

— Perdemos. Não podemos reconstruí-la independente dos nossos esforços — lamentou o imã.

A historiadora Rana Safvi destaca que "o patrimônio é comum a todos", com isso essa demolição representa uma perda para toda a sociedade.

— Não podemos dizer que esta mesquita é um golpe duro apenas para uma comunidade em particular ou para os muçulmanos porque eles rezavam ali —, disse a historiadora.

O Serviço Arqueológico da Índia (ASI) incluía o santuário de Baba Haji Rozbih em sua lista de patrimônios de 1992 e assegurava que o santo sufi era "venerado como um dos santos mais antigos de Délhi".

Segundo a descrição, "a tradição local" falava de um segundo túmulo no santuário que pertencia à filha de um dirigente hindu de Délhi do século XII, Rai Pithura, que havia se convertido ao islã sob sua influência.

O sectarismo do santo teria gerado problemas. Segundo o documento do ASI, "diversos hindus abraçaram o islã devido aos seus conselhos e os astrólogos consideraram isso como um mau presságio", que antecipou a instalação do império mongol muçulmano, que reinou sobre grande parte da Índia a partir do século XVI.

Acompanhe tudo sobre:Índia

Mais de Mundo

Manifestação reúne milhares em Valencia contra gestão de inundações

Biden receberá Trump na Casa Branca para iniciar transição histórica

Incêndio devastador ameaça mais de 11 mil construções na Califórnia

Justiça dos EUA acusa Irã de conspirar assassinato de Trump; Teerã rebate: 'totalmente infundado'