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Partido de extrema direita AfD é favorito em eleições estaduais no Leste alemão

Historiador aponta que popularidade da sigla na Saxônia e na Turíngia tem relação com construção da memória do nazismo pela Alemanha Oriental

Manifestantes de ultradireita protestam em Leipzig  (Redes Sociais/Reprodução)

Manifestantes de ultradireita protestam em Leipzig (Redes Sociais/Reprodução)

Agência o Globo
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Publicado em 1 de setembro de 2024 às 10h19.

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Alemães dos estados da Saxônia e da Turíngia, redutos do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), vão às urnas neste domingo para escolher seus representantes nos parlamentos estaduais.

Segundo uma pesquisa realizada na semana passada e publicada pela emissora de TV pública ZDF, o partido aparece com 30% dos votos na Saxônia, atrás dos conservadores (CDU), com 33%, mas em ampla vantagem em relação a outros adversários. Na Turíngia, o AfD também soma 30%, à frente da CDU, com 23%. Em ambos os casos, o Partido Sahra Wagenknecht (BSW), fundado pela parlamentar homônima, dissidente do partido de esquerda Die Linke, figura em terceiro lugar, com 11% na Saxônia e 17% na Turíngia. Outros partidos tradicionais não chegaram a dois dígitos na pesquisa, com exceção da esquerda na Turíngia, que somou 14%.

Diretor de dois memoriais em antigos campos de concentração na Turíngia, o historiador Jens Wagner aponta que a popularidade crescente do AfD nos dois estados, que compuseram a antiga Alemanha Oriental entre 1949 e 1990, tem relação com a forma como o regime comunista construiu a memória do nazismo no Leste alemão. Embora tenha contribuído para o não apagamento desse período ao legar à Alemanha Ocidental memoriais estatais que não puderam ser destruídos após a reunificação, a Alemanha Oriental os construiu com uma abordagem ideológica que fez a população local “nunca lidar de verdade” com os crimes do Terceiro Reich:

— Esses cidadãos foram criados sob uma educação autoritária com uma lógica antiocidental, antiliberal, anticapitalista e antidemocrática. Eles foram ensinados que a culpa dos crimes nazistas pertencia à Alemanha Ocidental, portanto, não era responsabilidade deles — afirmou, acrescentando: — Muitas das pessoas que são a favor do AfD nesses locais acreditam que são antifascistas porque lutam contra a democracia liberal fascista ocidental. É completamente estúpido, mas faz sentido para muitos deles.

'Branco, normal e hétero'

As eleições nos dois estados — onde o AfD já foi classificado como grupo “extremista de direita” pelos Escritórios Estaduais para a Proteção da Constituição, um órgão de inteligência responsável por garantir a ordem democrática no país — ocorrem após protestos que marcaram a vida política do país em agosto.

No último dia 10, cerca de 680 manifestantes de extrema direita saíram às ruas contra a celebração do Orgulho LGBTQIAPN+ em Bautzen, na Saxônia. O grupo, classificado como neonazista pela imprensa alemã, exibia símbolos e cartazes nacionalistas e cantava palavras de ordem racistas, homofóbicas e xenofóbicas.

Uma semana depois, na estação central de Leipzig, a situação se repetiu. Na ocasião, além dos gritos ofensivos, cerca de 350 neonazistas fizeram gestos supremacistas para as câmeras sem inibição, sob o mote “branco, normal e hétero”. No local, o grupo foi confrontado por cerca de 500 manifestantes que participaram dos eventos pelo Orgulho LGBTQIAPN+, mas nenhum ato violento foi registrado.

Após esses episódios, mais de 20 mil pessoas se reuniram em diversas cidades da Saxônia para manifestações antifascistas contra os recentes protestos neonazistas e a projeção nas eleições estaduais do AfD. O jornal taz, de esquerda, classificou a predominância de jovens no protesto em Dresden como “encorajadora” e destacou que diversos oradores cancelaram suas participações na manifestação por “medo do governo que será eleito”.

Ameaças neonazistas

Wagner, que já teve seu cargo ameaçado pelo vice-presidente do AfD na Turíngia caso o partido assuma o governo estadual, afirma que é alvo constante de ameaças neonazistas em meio ao aumento, nos últimos anos, da oposição e dos ataques à “cultura de memória” na Alemanha.

— Nossa cultura de memória se concentrou por muito tempo em honrar e lamentar as vítimas, sem questionar como elas foram feitas vítimas e por quem. Deveríamos esclarecer que a sociedade nazista era radical, racista e antissemita e ressaltar a motivação da maioria dos alemães que não estavam na resistência, mas que eram apoiadores, espectadores ou se beneficiaram do sistema e participaram voluntariamente dos crimes nazistas — destaca.

Segundo o historiador, a Alemanha “esperou mais de 50 anos para realmente aceitar sua História”.

— Esperamos até a morte dos perpetradores para começarmos a lidar com isso, e até hoje há muita gente que se recusa a encarar essa culpa.

No caso específico do AfD, Wagner pontua que a sigla extremista é contrária à política de preservação dessa memória por duas razões. A primeira é que, enquanto um partido nacionalista que propaga orgulho pela História alemã, o Holocausto não é motivo de orgulho, “então eles tentam relativizar e diminuir o fato”.

— A segunda razão é que, refletindo as consequências do nazismo, nossa Constituição diz que “a dignidade humana é inviolável”, atestando que a proteção dos direitos humanos é fundamental. Como o AfD quer deportar milhões de pessoas e propõe objetivos racistas e antissemitas, eles devem cortar toda abordagem crítica sobre os crimes nazistas — afirma.

Resistência

Mas, ainda que a eleição confirme a vitória do AfD nos dois estados, a sigla deve enfrentar obstáculos no caminho ao poder. Em entrevista recente, o líder da CDU, Friedrich Merz, descartou uma coalizão por ser algo que “mataria a CDU” e afirmou que a expressiva maioria dos membros de seu partido são contra a aliança.

— Teremos de continuar a explicar que há limites para o que chamamos de conservador. Eles são excedidos quando há extremistas de direita, radicais de direita, [pessoas] antidemocráticas, antissemitas e xenófobas — disse.

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