França: desde janeiro, a reforma da Previdência provoca os maiores protestos sociais contra uma reforma social em três décadas no país. (GEOFFROY VAN DER HASSELT/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 20 de abril de 2023 às 12h32.
O presidente francês, Emmanuel Macron, enfrentou novamente, nesta quinta (20), centenas de manifestantes durante uma visita a um centro educativo no sul da França, onde as forças de segurança confiscaram panelas para evitar protestos ruidosos.
A visita ao colégio de ensino médio Michel de Ganges, ao norte de Montpellier (sul), é o segundo deslocamento público de Macron desde a promulgação, na madrugada de sábado, de sua impopular e contestada por meses reforma da Previdência.
O mandatário liberal, de 45 anos, já foi recebido com vaias e panelaços em Sélestat (nordeste), onde havia retomado suas visitas pela França, com o objetivo de defender seu plano de 100 dias para superar a crise social e política que a reforma gerou.
"Os ovos e as panelas servem apenas para cozinhar na minha casa", comentou Macron em sua chegada a Ganges durante uma conversa com o deputado esquerdista Sébastien Rome, que o assegurou que a "resistência" estava "um pouco mais longe", embora "não fosse ouvida".
Pela manhã, o prefeito da região proibiu os "dispositivos sonoros portáteis", por isso os policiais confiscaram panelas dos manifestantes e os mantiveram longe da delegação do presidente, usando, inclusive, gás lacrimogêneo.
"Pode-se sair de uma crise democrática proibindo panelas?", se perguntou a deputada ecologista, Sandrine Rousseau. "Esperamos com impaciência o projeto de lei que proibirá [sua] venda", ironizou o porta-voz comunista Ian Brossat.
Apesar do rechaço dos sindicatos e de uma grande maioria dos franceses, segundo as pesquisas, Macron apresentou uma lei para adiar a idade da aposentadoria de 62 para 64 anos e, com medo de perder a votação no Parlamento, a adotou por decreto em março.
Na segunda-feira (17), Macron delimitou um prazo de 100 dias para tentar virar a página do conflito social rapidamente e iniciou um giro pela França para defender os temas com os quais quer relançar seu mandado (2022-2027), como a reindustrialização e a educação.
Em Ganges, prometeu também aumentar o salário dos professores "entre 100 e 230 euros líquidos ao mês" (entre R$554,00 e R$ 1274,00), já que "há que reconhecer e pagar melhor os professores".
Desde janeiro, a França vive uma crise política e social diante da reforma que aumenta a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos a partir de 2030 e antecipa para 2027 a exigência de contribuição por 43 anos, e não 42, para receber a aposentadoria integral.
Ainda que tenha visto os maiores protestos sociais contra uma reforma social em três décadas, Macron não cedeu e decidiu, em março, adotar a reforma por decreto, temendo não ter apoio suficiente no Parlamento, onde seu partido não tem maioria absoluta.
Após a rápida promulgação da lei, que entrará em vigor no outono, Macron quer diminuir a tensão nos próximos meses, ao mesmo tempo em que quer levar adiante sua agenda reformista.
"Parece haver um leve desejo de dizer que a fase de reforma da Previdência acabou e que é hora de virar a página. Mas para muitos franceses esse não é o caso", disse à AFP Antoine Bristielle, analista da Fundação Jean Jaurès.
Os sindicatos se recusam a se reunir com o presidente antes de 1º de maio, quando convocaram uma "mobilização excepcional" no Dia Internacional do Trabalho.
A oposição também está longe de deixar passar. A esquerda apresentou uma segunda petição para convocar um referendo com o objetivo de limitar a idade de aposentadoria a 62 anos, sobre o qual o Conselho Constitucional deve se pronunciar em 3 de maio, após rejeitar a primeira solicitação.
Os manifestantes também buscam atrapalhar visitas de Macron pelo país. Como nesta quarta-feira (19), quando a polícia precisou afastar cem pessoas que protestavam com panelas em Muttersholtz (nordeste), horas antes do presidente visitar uma empresa na região.
Na manhã desta quarta-feira, a polícia precisou afastar centenas de pessoas que protestavam com panelas em Muttersholtz (nordeste), horas antes do presidente visitar uma empresa na região.
Macron respondeu dizendo que "as panelas não farão a França avançar".
Na segunda-feira (17), o presidente delimitou o prazo de 100 dias "de apaziguamento, unidade, ambição e ação" para superar a atual crise política e social e engatar sua reeleição com novas medidas sobre as políticas de migração, educação e saúde.
Menos de um ano após sua reeleição, o partido de Macron ainda tem quatro anos complicados pela frente caso não tenha apoio na Assembleia Nacional (Câmara Baixa).
O mandatário francês pediu à sua primeira-ministra, Elisabeth Borne, que ampliasse sua base "tanto quanto pudesse", procurando, por exemplo, o apoio do partido de oposição de direita Os Republicanos, cujos 62 deputados poderiam estabelecer uma maioria pró-Governo.
No entanto, o líder deste partido na Assembleia, Olivier Marleix, rapidamente pôs fim à ideia. "Não haverá coligação nem pacto de governo", disse ele, reforçando a divisão política acerca da reforma previdenciária.
Outra medida de governo polêmica vislumbrada por Macron é a de "reforçar o controle da imigração ilegal", que já estava pautada em seu programa eleitoral e que interessa aos Republicanos.
O ministro do Interior, Gérald Darmanin, apresentou em fevereiro um projeto de lei sobre imigração, mas teve que retirá-lo por não receber apoio suficiente.
Agora, pretende relançá-lo e o líder dos Republicanos, Éric Ciotti, contou à AFP que se Darmanin "alinhar-se" com eles, poderão negociar. Seu partido rejeita a regularização de trabalhadores sem documentos na França.
Vivendo sua primeira grande crise no segundo mandato, o presidente francês é alvo dos opositores, que questionam o funcionamento da democracia no país.
"O que estamos vivenciando é a repetição dos coletes amarelos, mas muito mais grave, há aquele mesmo sentimento de não ser ouvido", contou Pierre Rosanvallon à emissora TMC.
Para o historiador e sociólogo, a França atravessa "a crise democrática mais grave" desde a independência da Argélia, em 1962.
Macron foi reeleito com 58,5% dos votos em abril de 2022, em grande parte como uma forma de conter sua rival da extrema direita, Marine Le Pen.
Um ano depois, as pesquisas mostram uma queda na confiança de seu mandato, cuja popularidade está abaixo dos 30%, e nas instituições, além de um aumento nas intenções de voto em Le Pen.