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Oxford: três opiniões sobre o Brexit

O resultado do referendo que tirou o Reino Unido da União Europeia mal havia sido divulgado e os sinais de arrependimento já começavam a aparecer. A ficha dos britânicos caiu rápido e o país caiu em clima de desolamento. Para entender melhor o sentimento que moveu o Reino Unido para esta decisão e quais os […]

Bandeira do Reino Unidos (Reinhard Krause/Reuters)

Bandeira do Reino Unidos (Reinhard Krause/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2016 às 21h07.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.

O resultado do referendo que tirou o Reino Unido da União Europeia mal havia sido divulgado e os sinais de arrependimento já começavam a aparecer. A ficha dos britânicos caiu rápido e o país caiu em clima de desolamento. Para entender melhor o sentimento que moveu o Reino Unido para esta decisão e quais os impactos que ela terá para o futuro do Reino Unido, EXAME Hoje conversou com três pesquisadores da Universidade Oxford, principal instituição de ensino do país e uma das mais importantes do mundo. O professor de Relações Internacionais Richard Caplan é especialista em políticas de manutenção de paz na União Europeia e falou sobre a nova postura que os britânicos devem assumir a fim de evitar um colapso. Daniel Butt, especialista em teoria política moderna e contemporânea, comentou a falta de sensibilidade do Reino Unido para fortalecer conexões com o resto do mundo. Já a professora Anne Deighton, especialista na história da integração europeia, esclareceu o ranço que o Brexit carrega e como, agora, o passado mal resolvido do Reino Unido cobra seu preço.

Como a relação histórica do Reino Unido com a União Europeia justifica essa decisão de agora?

Anne Deighton: Nós entramos na União Europeia em 1973, 15 anos depois de sua criação. Isso significa que nós não estávamos lá quando as regras básicas estavam sendo traçadas. Foi difícil para nós nos ajustarmos, ainda mais porque nos juntamos quando a economia mundial estava em má forma. Nós não fizemos um referendo para entrar – apenas três anos depois, em 1975, o que acabou dividindo o partido dos Conservadores e dos Trabalhadores. Existe uma sensação de que nós nunca tínhamos superado isso. E nós não quisemos participar das atividades mais “aprofundadas” – como a zona do euro e Schengen [convenção europeia de livre circulação de pessoas]. Isso foi possível porque nossa vitória na Segunda Guerra Mundial trouxe muito prestígio. O Reino Unido foi o único país invicto e não invadido, nosso sistema de leis foi muito valorizado na época, assim como nossos laços imperiais globais e nossos laços com os Estados Unidos. Essa saída da União Europeia é quase uma questão histórica de ego reprimido.

Que postura o Reino Unido deveria assumir para evitar um colapso econômico e social?

Richard Caplan: O Reino Unido terá de brigar para conseguir o melhor acordo possível com a União Europeia. Mas é sempre uma incógnita o que o bloco procurará extrair dos britânicos em troca. Se a Noruega e a Suíça são modelos a serem considerados a partir de agora, ambos pagam pelo privilégio de participar numa zona econômica única, sem serem membros da UE. O desafio imediato deve ser no sentido de aliviar as preocupações que podem levar a desinvestimento no Reino Unido e à fuga de empresas para outros países. Outro grande perigo é que o Brexit possa levar ao colapso do Reino Unido como o conhecemos. A Escócia votou para permanecer na UE e o Partido Nacionalista Escocês pode aproveitar esta oportunidade para organizar um novo referendo sobre a independência escocesa. Enquanto isso, a Irlanda do Norte, que também votou para permanecer na UE, está em risco de ter seu conflito sectário renovado.

Outros países na União Europeia já falam sobre possíveis referendos similares. A União Europeia está mais fraca do que nunca?

Anne Deighton: Espero que não. A União Europeia está lidando com grandes desafios políticos, como as crises de refugiados e da zona do euro. Há altos níveis de descontentamento em países menores, com economias problemáticas e governos permeados por populismo e nacionalismo. Mas é preciso ficar atento a França, Alemanha e Itália: grandes países com partidos populistas ganhando força.

Como o Brexit afeta a relação do Reino Unido com o resto do mundo?

Daniel Butt: Os britânicos praticamente começaram a história do colonialismo no mundo e, agora, pensar que devem decidir sozinhos sobre a sua política externa é míope e vergonhoso. Estou convencido de que estes não são nossos interesses – mais austeridade, mais desemprego, mais insegurança e mais desigualdade. Cruelmente, são aqueles que já estão em pior situação que serão os mais afetados.

A campanha do Brexit foi bastante dura em relação aos imigrantes. Quais as preocupações que os estrangeiros que vivem no Reino Unido devem começar a ter?

Richard Caplan: Com a saída do Reino Unido, os trabalhadores estrangeiros não vão poder desfrutar de muitas dos benefícios aos quais têm direito, incluindo o próprio direito ao trabalho. No entanto, se o Reino Unido deseja continuar tendo acesso à zona econômica da União Europeia, será preciso acatar muitos das condições do regulamento europeu, incluindo aquelas que protegem os trabalhadores. No entanto, é inegável o risco de aumento da xenofobia a partir de agora.

O Reino Unido foi ingrato com sua história na União Europeia ao tomar essa decisão?

Daniel Butt: Este voto é o ato final de um país que nunca se acertou com seu próprio passado. Alguns argumentos a favor do Brexit foram racistas e xenófobos, mas muito do resto do debate – tanto a favor quanto contra a saída da União Europeia – foi deprimentemente venal. Não houve senso de engajamento mais amplo ou positivo com o projeto europeu, com a ideia de união como nossos vizinhos e até com países mais distantes. Isso devia ser um dever – para a segurança da região, para a prosperidade de outros povos, para o desenvolvimento de uma sociedade internacional.

Já é possível dizer que marca esse referendo vai deixar no Reino Unido?

Anne Deighton: Eu acho que os apoiadores do Brexit devem, em breve, perceber a enormidade do que fizeram. Este referendo foi levado a cabo pelo primeiro-ministro David Cameron, que queria combater o extremismo crescente dentro e fora do seu partido, especialmente com as investidas do UKIP [UK Independence Party]. Foi uma escolha errada, com timing ruim e discussão pobre, que teria sido melhor resolvida se o tema tivesse sido menor e mais específico. Há ainda uma pequena esperança de que as coisas se revertam, mas não parece que isso vá acontecer. A União Europeia deve pressionar o Reino Unido para sair logo do bloco e terminar de uma vez o assunto. Eles têm sido muito pacientes com o Reino Unido há muito tempo: e essa paciência parece ter se esgotado. O Reino Unido se tornou o problema, não o solucionador. É um dia muito triste.

(Camila Almeida)

 

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