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Os quatro destaques da sabatina de Amy Barrett para Suprema Corte dos EUA

Republicanos tentam confirmar a juíza indicada por Donald Trump antes da eleição. De aborto ao Obamacare, veja os assuntos que marcaram a sessão

Juíza Amy Barrett em sabatina no Senado nesta terça-feira, 13: perguntas sobre saúde e aborto (Brendan Smialowski/Pool/Reuters)

Juíza Amy Barrett em sabatina no Senado nesta terça-feira, 13: perguntas sobre saúde e aborto (Brendan Smialowski/Pool/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 13 de outubro de 2020 às 17h12.

Última atualização em 13 de outubro de 2020 às 19h02.

O processo que pode mudar pela próxima década a Suprema Corte dos Estados Unidos começou nesta semana. É a sabatina da juíza Amy Coney Barrett no Senado americano, que será o responsável por oficializá-la.

Ontem e durante o dia nesta terça-feira, 13, Barrett falou primeiro aos 22 senadores da Comissão de Justiça do Senado, que terá de aprová-la antes de seu nome ir a votação entre todos os senadores.

A juíza foi indicada pelo presidente Donald Trump há menos de um mês, e os republicanos correm para confirmar a nomeação antes da eleição presidencial, em 3 de novembro. Se Trump perder a eleição, a indicação pode ficar deslegitimada.

Apesar dos questionamentos da oposição, a sabatina de Barrett nesses últimos dois dias foi pouco conclusiva em entender as visões da juíza sobre os pontos cruciais no debate jurídico e político americano — a sessão ainda acontecia por volta das 17h desta terça-feira.

A juíza se absteve de responder com detalhes a boa parte das questões e argumentou que não poderia responder sobre situações "abstratas" e que ainda não ocorreram.

Diante da atenção pública, a sabatina foi sobretudo um momento para que senadores falassem a suas bases eleitorais. A eleição para algumas das vagas do Senado também acontece em 3 de novembro.

Barrett foi escolhida por Trump após a morte da juíza progressista Ruth Bader Ginsburg (a RBG) e pode ter papel decisivo nas próximas decisões da Suprema Corte. Com ela, o tribunal ganha maioria conservadora de 6 a 3.

Questionada, por exemplo, sobre se a vaga da Suprema Corte deve ser preenchida a menos de um mês da eleição, Barrett respondeu que "esta é uma pergunta para os atores políticos" e não foi adiante na resposta. A juíza também se recusou a responder mais abertamente sobre qual seria seu papel em questões como uma potencial mudança na legislação do aborto e do sistema de planos de saúde do chamado "Obamacare".

A expectativa é que a Comissão de Justiça vote sobre a nomeação de Barrett no dia 22 de outubro e o Senado inteiro, ainda no fim do mês, antes da eleição.

Em um dos momentos em que mais falou de sua vida pessoal, a juíza comentou os protestos após a morte de George Floyd, homem negro sufocado por um policial branco. Barrett, que é branca, adotou duas crianças negras — ao todo, ela tem sete filhos — e diz que ela e sua filha de 17 anos "choraram juntas" ao ver o vídeo da morte de Floyd. "É uma declaração não controversa e óbvia", disse sobre a interpretação de racismo na lei. "O racismo persiste em nosso país."

Também foram destaque da sabatina sua interpretação da Constituição e o papel da Suprema Corte caso a eleição de novembro termine na Justiça. Barrett fez questão de mostrar um bloquinho vazio para afirmar que não levou anotações à sabatina. Veja os principais assuntos da sessão abaixo.

Amy Barrett: juíza mostrou bloco de notas vazio para dizer que não levou anotações (Demetrius Freeman/Pool/Reuters)

O aborto legal nos EUA

O principal traço de Barrett que vem sendo observado pelo campo conservador é sua posição abertamente contrária à legalização do aborto, tema que foi abordado diversas vezes durante a sabatina. A juíza voltou a dizer, como havia dito na segunda-feira, 12, primeiro dia de sabatina, que sua religião e visões políticas não vão interferir em seu processo decisório. 

"Os juízes não podem simplesmente acordar um dia e dizer 'eu tenho uma agenda — eu gosto de armas, eu odeio armas, eu gosto de aborto, eu odeio aborto, e sair por aí como rainhas e impor sua vontade sobre o resto do mundo", disse a juíza Barrett quando questionada sobre sua visão.

Amy Barrett (ou AMC, como já vem sendo chamada) é católica e apoiada por grupos contrários ao direito ao aborto. O aborto legal é tido como um direito nos Estados Unidos desde 1973 por decisão da Suprema Corte, na histórica decisão chamada de Roe vs. Wade. Essa decisão é até hoje contestada pelo campo conservador. Para mudar o direcionamento, uma maioria no tribunal seria o primeiro passo.

Os planos de saúde

Outra preocupação manifestada pelos senadores democratas foi a de possíveis ações da Suprema Corte contra o Affordable Care Act (o “Obamacare”), programa com o objetivo de garantir maior acesso a planos de saúde privados estabelecido pelo ex-presidente Barack Obama. 

Manifestantes favoráveis a Barrett levam placas da juíza em frente ao Senado: ela é apoiada por grupos conservadores, religiosos e contrários ao direito ao aborto (Kevin Lamarque/Reuters)

O Obamacare foi central na sabatina porque será tema de nova decisão da Suprema Corte logo depois da eleição presidencial. Será a terceira vez que a Corte debate uma ação de inconstitucionalidade contra o programa, que saiu vitorioso nas duas primeiras. O tema deve ser debatido no restante do ano e uma decisão deve vir só no ano que vem. Assim, se Barrett for confirmada como juíza, terá papel fundamental na manutenção ou não do programa.

Suprema Corte americana decidirá sobre o Obamacare logo após a eleição.

Questionada pela senadora Amy Klobuchar (que foi pré-candidata à Presidência pelo Partido Democrata) sobre o Obamacare, ela afirmou que não necessariamente seguirá as ordens do presidente Donald Trump, publicamente contrário ao tema. Barrett criticou em um artigo acadêmico no passado, mencionado diversas vezes na sabatina, uma decisão da Suprema Corte a favor do programa.

Hoje, afirmou que deve ser feita uma distinção entre o que disse como acadêmica e a forma como potencialmente agiria como juíza. Barrett tornou-se juíza há três anos, quando foi nomeada para uma Corte federal pelo próprio presidente Trump.

Questionada sobre comentários contra o Obamacare do presidente, Barrett disse que "não posso falar pelo que o presidente disse no Twitter" e que está "100% comprometida com a independência do Judiciário". "Eu levo meu juramento a sério", disse.

"Não posso falar pelo que o presidente disse no Twitter"

Amy Barrett, indicada pelo presidente americano à Suprema Corte

E se a eleição for parar na Justiça?

Assim como a decisão sobre o Obamacare deve acontecer logo após a eleição, outro tema que pode parar no colo de Amy Barrett é o resultado da eleição americana. A juíza não respondeu se vai se eximir de votar sobre o caso na Suprema Corte — algo que está previsto na lei americana em caso de conflito de interesse do Judiciário. "Não é uma questão que posso responder de forma abstrata", disse a juíza, mesma resposta que deu sobre o Obamacare.

É a Suprema Corte que deve julgar potenciais recursos na eleição deste ano. Os estados decisivos estão com pesquisas apertadas e haverá ampla votação pelo correio, modalidade pela qual os votos demoram mais a ser contados e na qual Trump vem alegando que haverá fraude. Assim, os Estados Unidos devem passar dias depois de 3 de novembro sem saber o vencedor, o que abre outro espaço para acusações de fraude eleitoral, incluindo por parte dos republicanos.

A Suprema Corte já precisou entrar em cena na eleição presidencial de 2000, na contagem dos votos da Flórida na disputa entre George W. Bush e o democrata Al Gore. Naquela ocasião, os resultados demoraram semanas e são debatidos até hoje. O caso só acabou porque Al Gore decidiu não entrar na Justiça para recorrer da decisão.

As leis que não mudam

Parte significativa da sabatina foi destinada a explicar e questionar o conceito do "originalismo", uma escola de interpretação da Constituição da qual Barrett faz parte. "O texto é texto, e eu entendo que ele tem o significado que tinha quando as pessoas o ratificaram", disse a juíza. "Do contrário, os juízes seguiriam atualizando a lei em vez de deixar com que as pessoas a controlem", disse.

Barrett tem posição similar ao do ex-juiz Scalia, considerado por muito tempo o mais conservador da Suprema Corte.

Ao senador republicano Ben Sasse, que gastou praticamente toda a sua meia hora pedindo à juíza que explicasse conceitos jurídicos — como por que ela é favorável a não se mudar as leis ou o processo de decisões judiciais —, Barrett disse que mudar a lei "é papel de vocês", se referindo aos legisladores. Também falou sobre a liberdade de expressão no meio digital, outro tema em voga no debate público americano.

"O fato de que não havia celular não significa que a Primeira Emenda não se aplica às novas circunstâncias", disse Barrett, dando a entender que vai defender poucas restrições ao discurso online.

É a mesma interpretação que usava Antonin Scalia, outro juiz conservador da Suprema Corte e nomeado pelo republicano Ronald Reagan em 1986. Falecido em 2016, Scalia era considerado a “régua conservadora” da Suprema Corte, o mais conservador entre os juízes.

Scalia é tido como um dos mentores de Barrett, com quem já trabalhou, e a juíza é ocasionalmente chamada na imprensa americana de "Scalia de saias". Barrett, contudo, disse que não necessariamente será igual ao juiz, embora o admire. "Nem todos os originalistas concordam", disse. 

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