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Os desafios da petrodiplomacia venezuelana na era pós-Chávez

Com os preços do petróleo nas alturas durante grande parte dos 14 anos em que governou, Chávez construiu alianças, desafiando a hegemonia dos Estados Unidos

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de abril de 2013 às 18h31.

Os desafios econômicos que serão herdados pelo vencedor da eleição na Venezuela, neste domingo, abrem uma incógnita sobre a capacidade real do país de sustentar a estratégia política usada por Hugo Chávez para formar alianças - a chamada "petrodiplomacia".

O presidente interino da Venezuela e candidato governista, Nicolás Maduro, favorito nas pesquisas com mais de dez pontos de diferença, promete honrar os acordos de cooperação energética assinados por Chávez com vários países da América Latina, como Cuba, Argentina, Nicarágua, Uruguai, Brasil, Equador e Bolívia, e sócios não tradicionais como Rússia e China.

Já o candidato da oposição Henrique Capriles afirma que parte da "mudança" que propõe aos venezuelanos está na política de petróleo: "Se va a acabar la regaladera" ("A farra vai acabar", em tradução livre), disse ele na noite de quinta-feira, durante o comício de encerramento de sua campanha eleitoral, em Barquisimeto (noroeste).

Ordem na casa

Quem quer que seja o vencedor nas urnas terá de lidar com as urgências de uma economia com a maior inflação latino-americana, de acordo com dados oficiais (20,1%, em 2012), uma indústria deprimida, ciclos de escassez e uma dívida pública que supera 50% do PIB. Tantos problemas podem levar o novo presidente a rever a administração dos recursos da estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA), menina dos olhos do Estado venezuelano, responsável por mais de 90% de sua receita.

"A Venezuela tem uma situação difícil. Para além das considerações de que é louvável que se use o petróleo como alavanca para impulsionar a integração, impõe-se a necessidade de botar ordem na casa", afirmou o analista Rafael Quiroz, ex-diretor da PDVSA.

Com os preços do petróleo nas alturas durante grande parte dos 14 anos em que governou, Chávez construiu alianças, desafiando a hegemonia dos Estados Unidos, e colocou a Venezuela, primeiro produtor de petróleo sul-americano e quinto do mundo, no mapa geopolítico regional.


Da PDVSA saíram o financiamento dos programas de desenvolvimento social de Chávez - 174,1 bilhões de dólares entre 1999 e 2012 - e o petróleo vendido em condição de pagamento preferencial no âmbito da Petrocaribe e da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba). Enquanto isso, os investimentos internos no setor registraram queda.

"A bonança do petróleo não é eterna, o consumo aumenta, e a capacidade de refino foi reduzida", adverte Quiroz.

A produção estaria estagnada em três milhões de barris diários segundo o governo (ou em 2,3 mbd de acordo com a Opep), e os preços, em cerca de 100 dólares o barril.

Há um mês, a Agência Internacional de Energia (AIE) previu "desafios avassaladores" para o sucessor de Chávez na tentativa de conjugar a necessidade de recuperar o setor petroleiro e continuar financiando os programas sociais. Em função disso, o órgão espera mudanças na "petrodiplomacia".

Recentemente, o ministro de Petróleo e Mineração, Rafael Ramírez, declarou que a política de petróleo não mudará. "Estamos certos da continuidade do nosso processo bolivariano", frisou.

Analistas esperam mudanças

Alguns países da América Latina já anteveem a possibilidade de uma revisão da diplomacia do petróleo na era pós-Chávez, segundo analistas entrevistados pela AFP.

Para Cuba, destino de 100 mil barris diários da Venezuela em troca de serviços, "a morte de Chávez e a deterioração da economia venezuelana representam riscos graves", afirma o economista cubano Carmelo Mesa-Lago.


Embora prometa continuar abastecendo Cuba se vencer a eleição no domingo, Maduro terá decisões difíceis pela frente: reinvestir na indústria petrolífera nacional para fortalecer a economia, manter as custosas missões sociais que lhe garantem apoio político e continuar a ajuda a Cuba, explica Mesa-Lago. É "impossível conseguir os três objetivos, e algum terá de ser sacrificado", acrescentou.

"Com a combinação de desafios internos em matéria de investimento e abastecimento, e uma liderança que perde espaço no nível do Executivo, mesmo que a administração atual tenha continuidade, é prudente antecipar mudanças na política de financiamento para a Nicarágua", concordou o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central da Nicarágua, Mario Arana.

A Venezuela, com as maiores reservas de petróleo do mundo, tem dezenas de acordos em matéria energética com países da América do Sul. Na última quarta-feira, 10 de abril, em Buenos Aires, o chanceler venezuelano, Elías Jaua, anunciou que seu país ajudará a Argentina a reativar uma refinaria da petroleira estatal YPF. A companhia foi afetada por chuvas torrenciais na semana passada.

"Avaliamos que haverá mais continuidade na política de petróleo do que mudanças (...) A Argentina não é a mesma coisa que Cuba, que paga o petróleo por um preço menor. A Argentina paga preço de mercado", comentou o cientista político Diego di Risio, do Observatório Petroleiro Sul, integrante da internacional Oliwatch.

Capriles disse estar investigando os convênios com a Argentina. "Nada é grátis. Temos muitos problemas para financiar projetos políticos dos outros países", afirmou o candidato.

O chanceler venezuelano visitou Brasil e Argentina para intensificar as relações para uma maior integração regional, já que a Venezuela assumirá pela primeira vez a presidência pró-tempore do Mercosul, em junho de 2013.

O analista Rafael Quiroz insistiu em que agora é a hora de se fazer algo para mudar a dependência do petróleo, que "rege a vida do venezuelano", e sua relação internacional. "Tudo começa e termina em um barril de petróleo", lamentou.

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