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Os candidatos à presidência e o futuro da globalização para os EUA

Na busca por retomar empregos na indústria americana, há uma coisa na qual Trump e Biden concordam — e o debate pode remodelar a economia global

Nova York (Michael Nagle/Bloomberg)

Nova York (Michael Nagle/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 18 de outubro de 2020 às 08h00.

Última atualização em 18 de outubro de 2020 às 10h03.

Em julho, o ex-vice-presidente Joe Biden apresentou uma estratégia econômica para "reconstruir a capacidade industrial doméstica", restaurando as cadeias de suprimentos locais, desde semicondutores até produtos farmacêuticos. Em setembro, ele adicionou uma penalidade fiscal ao plano, destinada a empresas que transferem empregos para outros países, ao lado de um crédito fiscal para as que os trazem para casa.

As propostas podem parecer ter vindo do manual do presidente Donald Trump.

"Há uma preocupação em comum, e a candidatura de Trump fez com que muitas pessoas pensassem mais nela", disse Jared Bernstein, ex-conselheiro econômico de Biden que está aconselhando informalmente sua campanha presidencial. E ela é: até que ponto a globalização deixou para trás grupos significativos de pessoas em muitas comunidades.

Essa questão poderia remodelar a economia global. Não importa quem ganhe em novembro, a política econômica para os próximos anos terá como objetivo proteger o emprego americano da terceirização impulsionada por empregadores que buscam custos mais baixos de mão de obra, além de recuperar uma posição que os Estados Unidos consideravam perdida.

"Se o argumento é que precisamos de empregos bem remunerados na indústria, porque eles se encaixam nas habilidades de muitas pessoas que estão sendo deixadas de lado, esse é um argumento para a desglobalização. Deveríamos ter alguma desglobalização para que isso funcionasse", explicou Derek Scissors, economista do American Enterprise Institute, um think tank conservador em Washington.

Dependendo do modo como a próxima administração vai implantar as ferramentas do governo para servir a essa causa, os EUA poderiam reconfigurar a rede global de cadeias de suprimentos que as corporações multinacionais estabeleceram nas últimas quatro décadas. Um "mundo plano", com os países cada vez mais ligados mediante o comércio e o investimento, ideia perseguida por presidentes desde Ronald Reagan até Barack Obama, parece ser um objetivo ultrapassado.

É improvável que o governo Biden continue a impor tarifas a amigos e inimigos, adotando ferramentas protecionistas de forma mais estratégica e disciplinada. Ainda assim, as propostas políticas sugerem que Biden manteria o objetivo de encorajar, orientar, persuadir ou pressionar as empresas americanas a desenvolver as indústrias críticas e os empregos que elas mantêm nos EUA.

"Biden não é cegamente pró-comércio, mas não quer se esconder do mundo como fez o presidente Trump. O que o vice-presidente propõe é uma nova abordagem para a globalização, na qual não estaremos por trás de todos os acordos comerciais com a ideia de que mais comércio é sempre melhor", disse Ben Harris, conselheiro econômico sênior de Biden e sua campanha.

Trump impôs tarifas sobre as importações de rivais e aliados, iniciou uma guerra comercial com a China e bloqueou o acesso de empresas chinesas à tecnologia americana; renegociou o Acordo de Livre Comércio norte-americano, deu um curto-circuito no sistema de resolução de disputas da Organização Mundial do Comércio e retirou os EUA da Parceria Transpacífica.

Mas uma pesquisa publicada em setembro pela Câmara Americana de Comércio em Xangai descobriu que, apesar da pressão do governo para que as empresas americanas redirecionem investimentos para os EUA, apenas quatro por cento planejavam fazê-lo; 79 por cento relataram que não haveria mudança nos planos.

Além disso, a guerra comercial tem um custo. As tarifas impostas pelos EUA e as medidas retaliatórias tomadas por parceiros comerciais prejudicados cortaram bilhões da economia dos EUA. E um estudo de 2019 realizado por economistas do Fed, da Universidade de Princeton e da Universidade Columbia mostrou que as tarifas impuseram encargos adicionais às famílias americanas, elevando o custo das importações e reduzindo o acesso dos exportadores aos mercados.

Mesmo com todo esse custo, não houve melhora no indicador de domínio econômico preferido de Trump, a balança comercial do país. O equilíbrio entre as exportações americanas e as importações de bens e serviços alcançou em julho seu maior déficit desde a administração de George W. Bush. O equilíbrio na comercialização de bens registrou seu maior déficit desde, pelo menos, a administração de Bush pai.

Em meados deste ano, Robert Lighthizer, o principal negociador comercial dos EUA, publicou um ensaio exaltando a abordagem combativa do governo como uma estratégia que "finalmente valoriza a dignidade do trabalho". No entanto, a Moody's Analytics estimou no ano passado que a guerra comercial com a China custou 300 mil empregos nos EUA.

Quando o governo impôs tarifas sobre o aço e o alumínio do Canadá, o sindicato United Steelworkers (Metalúrgicos Unidos) reclamou que "o caos regular em torno de nossas políticas comerciais imperfeitas está minando a capacidade de projetar uma ação fundamentada e de garantir que poderemos melhorar a produção e o emprego no país".

"Sob Biden, eu esperaria uma forma mais criteriosa e direcionada de protecionismo. A reforma tributária é útil para igualar o campo de jogo", comentou Kimberly Clausing, economista do Reed College, que ofereceu conselhos sobre política fiscal à campanha de Biden. Clausing apoia a proposta deste, de imposto mínimo sobre os lucros das empresas, dizendo que neutralizaria os incentivos introduzidos na reforma tributária de 2017 para que as empresas terceirizassem a produção.

Seja qual for a virada que o protecionismo americano tomar, ele permanecerá diretamente focado na China. "Trump nos acordou para a questão da China. Ele deixou claro que temos de ser duros com ela", acrescentou Rob Atkinson, que dirige a Information Technology and Innovation Foundation, think tank ligado à indústria de tecnologia dos EUA.

Ao mesmo tempo, o objetivo da política dos EUA está migrando cada vez mais dos empregos para as considerações mais amplas de segurança nacional, incluindo a primazia tecnológica e a proteção da propriedade intelectual.

"Essa é uma discussão muito mais complicada do que quanto importamos e exportamos", disse David Autor, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts que não está aconselhando uma campanha presidencial.

Tanto republicanos quanto democratas têm a intenção de impedir que a China se torne o fornecedor dominante de tecnologia avançada de comunicações, e de garantir que os EUA desenvolvam novas tecnologias energéticas, semicondutores avançados e produtos farmacêuticos.

O efeito pode ser retardar ainda mais um processo de globalização que já estava perdendo força à medida que as empresas reconsideravam as distantes cadeias de suprimentos que implantaram nas décadas seguintes ao fim da Guerra Fria.

As corporações americanas podem não estar voltando para casa como resultado das tarifas do governo Trump, mas a globalização desacelerou desde os anos 1990 e o início dos anos 2000, quando empresas dos EUA foram em massa para a China e outros mercados de mão de obra barata.

A fabricação foi ficando cada vez mais automatizada. Assim, o esforço das empresas multinacionais para encontrar trabalhadores baratos ficou em segundo plano em relação a outras considerações, como encontrar mão de obra qualificada, estar perto dos mercados consumidores e garantir que as cadeias de suprimentos possam suportar choques como pandemias, desastres climáticos ou até mesmo guerras comerciais. E essas empresas estão prestando mais atenção aos riscos envolvidos em suas complexas redes globais.

Isso reduziu a pressão sobre a empregabilidade americana. O emprego nas fábricas permanece longe do seu pico de 40 anos atrás, mas os fabricantes adicionaram quase 1,5 milhão de postos de trabalho nos dez anos depois que o índice de empregos atingiu seu mínimo em fevereiro de 2010, no auge da última recessão.

Empregos na indústria, entre os anos 1940 e 2020 (faixas cinza mostram períodos de recessão): empregos no setor caíram após crises (Arte)

Em agosto, o Instituto Global McKinsey divulgou um relatório sugerindo que uma vasta reorganização da produção global poderia estar em andamento: a produção de 16 por cento a 26 por cento do comércio global, com valores de US$ 2,9 trilhões a US$ 4,6 trilhões, poderia se mudar para outro lugar nos próximos cinco anos, talvez mais perto do mercado doméstico.

O motor dessa mudança é o medo – medo de desastres naturais, pandemias ou guerras comerciais que podem tirar alguma engrenagem vital da rede de produção de uma corporação. "As cadeias globais de suprimentos construídas nos últimos 20 anos foram moldadas pela eficiência de custos e uma mentalidade de entrega just-in-time (no momento certo). Agora, surgiu uma mentalidade just-in-case (por via das dúvidas). É o início de um capítulo diferente", disse Susan Lund, coautora do relatório.

Os EUA podem sair vencedores nesse processo. Programas de incentivo a produtos americanos podem atrair investimentos domésticos em novas tecnologias. Se a mão de obra qualificada se tornar mais importante para a fabricação moderna do que a mão de obra barata, é provável que os EUA estejam à frente. "A saída do país se deu há dez ou 20 anos. Desta vez, a tendência é de crescimento", afirmou Lund.

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