Protesto na Venezuela: "Meu filho lutou por seu ideal, por isso se foi" (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
AFP
Publicado em 23 de junho de 2017 às 17h40.
Opositores venezuelanos bloquearam ruas e avenidas nesta sexta-feira, indignados com a morte de um jovem manifestante pelas mãos de um militar em um protesto contra o presidente Nicolás Maduro.
Tocando cornetas, apitos e batendo panelas, alguns com bandeiras venezuelanas, grupos de opositores se colocaram nas esquinas e em várias vias importantes de Caracas e de outras cidades, provocando caos no trânsito em vários setores.
"Este é um protesto contra a brutalidade com a qual estão assassinando os nossos jovens. Nosso país está de luto, por isso temos que sair para lutar", declarou Rina Torres, vestida de preto, que se manifestava em uma importante avenida do leste de Caracas.
O protesto foi convocado após a chocante morte de David Vallenilla - de 22 anos e recém-formado em Enfermagem -, que recebeu três tiros no tórax, segundo a Procuradoria, durante distúrbios em frente à base área de La Carlota, em Caracas.
Meios de comunicação locais divulgaram fotos e vídeos nos quais se vê um militar - um sargento da Polícia Aérea - atirando à queima-roupa, segundo admitiu depois o ministro do Interior, Néstor Reverol.
Com o falecimento de Vallenilla, o número de mortos subiu para 75 - muitos deles jovens - em quase três meses de protestos contra Maduro, que pioraram depois da convocação de uma Assembleia Constituinte desaprovada por 69,1% dos venezuelanos, de acordo com empresa de pesquisa Datanálisis.
O jovem morreu quando participava de uma manifestação, convocada pela opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), em apoio à procuradora-geral, Luisa Ortega, que lidera um grupo de chavistas dissidentes que se opõem à Constituinte por considerar que viola a democracia.
Alguns motoristas se uniram ao protesto e estacionaram os seus veículos, enquanto outros, incomodados, tentavam ultrapassar os bloqueios.
"Nem um a mais", "sem mais ditadura", "sem mais repressão", lia-se em cartazes que os manifestantes levavam em outro setor do leste de Caracas, onde cantavam: "Maduro covarde, assassino de estudantes", "liberdade!".
A indignação era maior porque na quinta-feira, em uma coletiva com correspondentes, Maduro advertiu que o uso de armas de fogo e de armas de bala de borracha para o controle da ordem pública estavam "proibidos". Somente "água e [bombas de] gás lacrimogêneo" estão permitidas, afirmou.
Paradoxalmente, o pai da vítima, de mesmo nome, foi supervisor de Maduro quando ele trabalhava como motorista de ônibus em seus tempos de jovem sindicalista.
"Meu filho lutou por seu ideal, por isso se foi. Peço que tudo seja esclarecido", disse Vallenilla, penalizado, nos arredores do cemitério de Bello Monte, em Caracas.
Ao seu lado, Abdel Duarte Vallenilla, tio do jovem, criticou o governo e as forças de segurança pelo que chamou de um ato "atroz".
Em 6 de junho, o ministro da Defesa, o general Vladimir Padrino López, advertiu os seus homens de que não queria ver "mais um guarda cometendo atrocidades nas ruas", após denúncias de atropelamento, e até roubos, a manifestantes e jornalistas.
Invocando artigos constitucionais que consagram a desobediência civil, a MUD chamou na terça-feira a desconhecer o governo de Maduro e a sua Constituinte, cujos 545 integrantes serão eleitos em 30 de julho.
A oposição assegura que a forma de escolha é "fraudulenta" e acusa Maduro de querer impor um sistema comunista por meio da Constituinte, que regirá por tempo indeterminado como um "superpoder".
Mas Maduro avança em seu projeto com o apoio do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), acusados pela oposição de servir ao governo.
"A Assembleia Nacional Constituinte acontecerá, chova, troveje ou relampeje", insistiu o presidente.
Ortega apresentou recursos no TSJ contra a Constituinte, que foram desconsiderados, e agora enfrenta um possível julgamento depois que o tribunal admitiu um recurso do deputado da situação Pedro Carreño, que também pediu que a destituíssem por "insanidade mental".
A oposição tem prevista uma "grande marcha" para sábado em Caracas e outras mobilizações em diferentes cidades, pedindo a seus seguidores na capital para que se concentrem na base área de La Carlota.
Organizações de venezuelanos em Miami também condenaram a morte de David Vallenilla.
Segundo José Antonio Colina, um tenente exilado em Miami que preside a Organização de Venezuelanos Perseguidos Políticos no Exílio (VEPPEX), este caso "reflete de maneira direta as ordens recebidas pelos efetivos militares de tratar os manifestantes que protestam pacificamente como inimigos".
"As Forças Armadas na Venezuela, assim como os grupos paramilitares armados, são os assassinos de um povo que quer e luta por uma mudança", acrescentou.
Patricia Andrade, diretora da Venezuela Awareness Foundation - que distribui doações aos imigrantes venezuelanos em Miami -, acusou as autoridades de agirem "com premeditação e deslealdade".
"Mais uma vez demonstram a chacota de Nicolás Maduro contra a sociedade civil venezuelana ao permitir a conduta criminosa das Forças Armadas Venezuelanas", assinalou.