Venezuela: o governo questionou os resultados, assinalando que o plebiscito é ilegal por não contar com o aval do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) (Marcos Brindicci/Reuters)
AFP
Publicado em 17 de julho de 2017 às 08h37.
Última atualização em 17 de julho de 2017 às 19h49.
A oposição venezuelana convocou uma greve cívica nacional de 24 horas para a próxima quinta-feira para pressionar o presidente Nicolás Maduro a retirar a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte, após conseguir um voto maciço de rejeição em um plebiscito simbólico.
Animada por 7,6 milhões de votos no plebiscito realizado no último domingo contra Maduro, a oposição anunciou o início da "hora zero", estratégia com a qual espera pressionar para a solução do conflito após quatro meses de protestos que deixaram 96 mortos.
A greve cívica - paralisação de atividades formais e informais - será um "mecanismo de pressão e preparação para a escalada definitiva da próxima semana", disse o deputado Freddy Guevara em uma entrevista coletiva da oposição.
"Vamos enfrentar a fraude constituinte e conseguir a restituição da ordem constitucional" na Venezuela, acrescentou, ao proclamar a votação como uma "vitória extraordinária".
Segundo Guevara, "com 100% das urnas apuradas é possível afirmar que mais de 7.600.000 venezuelanos emitiram de maneira épica um mandado claro, contundente e irrefutável".
O dirigente da MUD assinalou que tal participação representa "o maior ato de desobediência civil organizada da história" da América, o que deve levar Maduro a retirar a convocação da Constituinte.
Como parte da estratégia, o Parlamento, dominado pela oposição, nomeará na sexta-feira novos magistrados do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que acusa de dar um "golpe de Estado" na Venezuela com sentenças que minam as faculdades do Legislativo.
Além disso, os partidos da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) assinarão na quarta-feira um compromisso para a formação de um futuro "governo de união nacional".
"São medidas necessárias, mas não suficientes para Maduro sentir que deve retirar a Constituinte. O que se pode fazer para que ele entenda isso?! Uma declaração institucional das Forças Armada" - disse à AFP o analista Luis Salamanca.
O governo de Maduro, que conta com o apoio imprescindível das Forças Armada e do TSJ, não reconhece os resultados do plebiscito, ressaltando que não é vinculante e que foi "ilegal" por não ter sido autorizado pelo poder eleitoral, acusado também de ser governista.
Apesar do anúncio da sua ofensiva, Guevara assegurou que a MUD está disposta a dialogar, desde que o governo retire a convocatória a uma eleição, prevista para 30 de julho, dos 545 membros da Assembleia Constituinte.
"Se o regime acatar a decisão soberana do povo, retirar sua proposta constituinte, os venezuelanos e sua liderança estão dispostos (...) a discutir de maneira aberta e transparente, sem manipulações nem enganos, de frente para o país com propostas sérias", apontou.
No domingo, Maduro sugeriu aos opositores que não ficassem "loucos" com os resultados do plebiscito e que "se sentassem para conversar".
No final do ano passado e após fortes tensões, o governo e a oposição abriram um diálogo, com mediação do Vaticano, mas a negociação durou somente um mês, com acusações pelas duas partes de descumprimento do acordo.
A consulta da oposição contou com o apoio das Nações Unidas, da Organização de Estados Americanos (OEA), dos Estados Unidos e de governos da América Latina e Europa.
Os Estados Unidos elogiaram a "enorme participação popular" no plebiscito, o que considerou como uma mensagem "inconfundível" de oposição a Maduro.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, pediu que se assuma que uma maioria rejeita uma nova Constituição.
A União Europeia, assim como os governos da Espanha, Alemanha, Canadá e México pediram ao presidente venezuelano que reconsidere sua convocação à Constituinte.
O plebiscito simbólico teve como observadores os ex-presidentes Jorge Quiroga (Bolívia), Vicente Fox (México), Andrés Pastrana (Colômbia), Laura Chinchilla e Miguel Ángel Rodríguez (Costa Rica), que pediram à comunidade internacional que pressione para que "a Constituinte golpista" seja anulada.
Em resposta, o governo mobilizou seus apoiadores no domingo em uma simulação da eleição da Constituinte, que chamou de "histórica" por sua participação.
O chanceler Samuel Moncanda e outros funcionários do governo acusaram a imprensa internacional de não ter dado visibilidade à simulação, e a oposição de inflar os resultados tanto na Venezuela como no exterior.
"Na Austrália vivem 1.000 venezuelanos e 7.000 votaram", disse o dirigente chavista Jorge Rodríguez, ironizando que lá "até os cangurus votaram".
A MUD, entretanto, argumenta que o plebiscito evidenciou a vontade do país de tirar Maduro do poder pelo voto antes do fim de seu mandato, em 2019.
Nas últimas eleições, as parlamentares de 2015, a MUD obteve 7,7 milhões de votos de um total de quase 20 milhões de eleitores, quebrando uma hegemonia chavista de 17 anos.
"Se evidencia uma demanda por mudança política persistente ao longo do tempo", declarou à AFP o cientista político John Magdaleno.
Segundo o instituto de pesquisa Datanálisis, cerca de 70% dos venezuelanos rejeitam a Constituinte e 80% a gestão de Maduro, a quem responsabilizam pela severa crise econômica que asfixia o país.
O presidente garante que a Constituinte, que regirá o país como um "suprapoder" por tempo indefinido, trará a paz e a recuperação econômica.