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Opinião: As multifacetadas consequências econômicas da guerra na Ucrânia

Neste artigo, Mohamed A. El-Erian explica que, mesmo que a guerra terminasse amanhã, levaria anos para que as economias russa e ucraniana se recuperassem. E quanto mais tempo o conflito durar, maiores serão os danos para a economia global

Mohamed A. El-Erian é CEO da Pimco (Wikimedia Commons/Divulgação)

Mohamed A. El-Erian é CEO da Pimco (Wikimedia Commons/Divulgação)

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Fabiane Stefano

Publicado em 8 de março de 2022 às 13h19.

Última atualização em 8 de março de 2022 às 14h15.

Cambridge — A invasão da Ucrânia pela Rússia e as amplas sanções que os Estados Unidos e a Europa, em resposta, impuseram à Rússia provocaram disrupções econômicas em quatro níveis: direto, reativo, repercussões e sistêmico. Para conter suas consequências de longo prazo, precisamos começar a trabalhar em planos de recuperação agora.

Desnecessário dizer que as economias ucraniana e russa estão sendo as mais atingidas. A atividade econômica na Ucrânia provavelmente se contrairá em mais de um terço neste ano, agravando a crise humanitária em rápida escalada. A guerra já causou mais de 750 baixas civis e levou 1.5 milhão de ucranianos a fugir para países vizinhos, com outros milhões em movimento internamente.

Embora a Rússia não esteja enfrentando sofrimento humano em larga escala ou destruição física, sua economia deverá também se contrair em cerca de um terço, devido à severidade sem precedentes das sanções sob as quais se encontra agora. Em particular, o congelamento dos ativos do banco central e a exclusão do Swift, de bancos russos selecionado, o sistema de mensagens financeiras que permite a maioria dos pagamentos bancários internacionais, estão deixando a economia de joelhos, com “autossanções” por parte de famílias e empresas, da Apple à British Petroleum, agravando o dano.

A Rússia está agora caminhando na direção de severas restrições cambiais, escassez maciça de bens, um rublo em colapso, atrasos crescentes e a expectativa entre as famílias de que as coisas vão piorar antes de melhorar. Essa situação tem muito em comum com a que vi ao visitar Moscou em agosto de 1998.

Mesmo que a guerra terminasse amanhã, levaria anos para que essas economias se recuperassem; e quanto mais a guerra continuar, maiores serão os danos, maior será o potencial para viciosas interações e ciclos adversos, e mais profundas serão as consequências.

Na Ucrânia, a infraestrutura física e humana foi duramente atingida. O país pode esperar um maciço apoio externo para sua reconstrução, durante o qual poderá enfrentar as fraquezas do passado e construir novas estruturas e relacionamentos econômicos em casa e no exterior. Mas o processo levará tempo e haverá obstáculos ao longo do caminho.

Por sua vez, a Rússia terá muita dificuldade em restabelecer os vínculos econômicos, financeiros e institucionais com o mundo exterior, particularmente com o Ocidente. Isso dificultará a eventual recuperação econômica, que dependerá da busca de uma série de complexas e onerosas reestruturações internas com dimensões institucionais políticas e sociais.

Mas as consequências econômicas da guerra não se limitarão aos países que a combatem. O Ocidente já começou a sentir a reação “estagflacionária”. As pressões inflacionárias existentes serão agravadas pelo aumento dos preços das commodities, incluindo energia e trigo. Enquanto isso, começou outra rodada de interrupções na cadeia de suprimentos e os custos de transporte estão aumentando novamente. Rotas comerciais interrompidas provavelmente atrasarão ainda mais o crescimento.

A extensão dos danos causados ​​por esses eventos variará amplamente, tanto entre os países quanto dentro deles. Na ausência de uma oportuna resposta política, as economias avançadas deveriam esperar um crescimento menor, agravamento da desigualdade e maiores discrepâncias de desempenho entre os países. No geral, os EUA terão desempenho melhor que a Europa, que provavelmente entrará em recessão, devido à maior resiliência e agilidade interna da economia americana, embora o fracasso do Federal Reserve dos EUA em responder à inflação de maneira oportuna no ano passado — um  histórico erro de política — prejudicará a flexibilidade política.

Em ambos os lados do Atlântico, pode-se esperar uma maior — e, às vezes, inquietante — volatilidade do mercado. As perdas financeiras serão maiores na Europa, com certos setores — notadamente alguns bancos e empresas de energia — sendo duramente atingidos.

A divergência econômica e financeira também aumentará em outras partes do mundo. Alguns produtores de commodities podem ganhar o suficiente com os preços mais altos de exportação para compensar as perdas causadas pelo menor crescimento global. Mas um número muito maior de países — especialmente aqueles localizados perto de economias em desenvolvimento, frágeis e em conflito — enfrentará pressão de várias fontes, incluindo adversos termos de comércio, fluxos migratórios, dólar americano fortalecido, demanda global reduzida e instabilidade do mercado financeiro.

Os importadores de commodities terão dificuldades para lidar com os súbitos e generalizados aumentos de preços, que são difíceis de repassar aos consumidores e de subsidiar. O potencial impacto poderia incluir mais reestruturações de dívidas. A menos que os formuladores de políticas busquem respostas oportunas, as economias mais fracas enfrentam a perspectiva de conflitos para obter alimentos.

Depois, há o futuro do multilateralismo, a quarta consequência. No curto prazo, o Ocidente reafirmou seu domínio sobre o sistema internacional que construiu após a Segunda Guerra Mundial. Mas deveria esperar um sério desafio de longo prazo de uma intensificação do esforço liderado pela China para construir um sistema alternativo, um tijolo econômico ou financeiro de cada vez.

Costuma-se dizer que dentro de toda crise horrível reside uma grande oportunidade. Embora seja imperativo que os países continuem a se unir para se opor à invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia, também é vital que eles tomem medidas oportunas para mitigar os riscos econômicos de longo prazo que o conflito aumenta — e até mesmo para reforçar a resiliência e a cooperação futuras.

O mundo mostrou-se à altura do desafio após a Segunda Guerra Mundial. Devemos agora nos concentrar em garantir uma resposta semelhante para quando a paz retornar à Ucrânia e à Europa.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche.

*Mohamed A. El-Erian é presidente do Queens’College, da Universidade de Cambridge, professor da Wharton School da Universidade da Pensilvânia e autor de The Only Game in Town: Central Banks, Instability, and Avoiding the Next Collapse.  ("O Único Jogo Disponível : Bancos Centrais, Instabilidade e Evitando O Próximo Colapso")

 Direitos autorais: Project Syndicate, 2022. www.project-syndicate.org

 

 

 

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