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ONU denuncia Assad por novos ataques químicos e crimes de guerra na Síria

A investigação prova que o regime Assad usou armas químicas para reconquistar algumas cidades que estavam sob controle da oposição e de terroristas

Assad: o relatório afirma que o regime sírio utilizou armas químicas em Ghouta (AFP/AFP)

Assad: o relatório afirma que o regime sírio utilizou armas químicas em Ghouta (AFP/AFP)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 12 de setembro de 2018 às 14h45.

Última atualização em 12 de setembro de 2018 às 14h59.

Genebra - Uma nova investigação da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria denuncia o regime de Bashar Assad por crimes de guerra. A iniciativa, liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, obteve novas provas de que Damasco usou armas químicas para reconquistar algumas das principais cidades que estavam sob controle da oposição e de grupos terroristas.

O relatório publicado nesta quarta-feira, 12, também revela que mais de um milhão de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas em apenas seis meses na Síria, em razão do avanço das forças militares de Assad - um nível de deslocados "sem precedentes" nos sete anos de conflito armado no país.

De acordo com a Comissão, forças pró-Assad seriam responsáveis por ataques aéreos contra Ghouta e Yarmouk. "Para recapturar Ghouta, em abril, as forças do governo lançaram diversos ataques indiscriminados em áreas densamente ocupadas por civis, incluindo o uso de armas químicas". Os ataques ocorreram nos dias 22 de janeiro e 1º de fevereiro.

"Em ambos incidentes, vítimas e testemunhas, incluindo médicos, descreveram sintomas similares, incluindo problemas respiratórios, tosse, ardência nos olhos, irritação na garganta e náusea", diz a investigação. "Testemunhas indicaram o cheiro de cloro." Outra constatação foi o efeito lento do agente.

A Comissão também indicou que, no que se refere à munição, tem evidências materiais de que se trata de um modelo usado exclusivamente pelo governo e, raramente, por milícias pró-Assad. A investigação ainda apontou que a "munição documentada foi construída com a artilharia iraniana, conhecida por ter sido fornecida às forças comandadas pelo governo da Síria".

"A comissão conclui que, nesses dois casos, forças do governo e milícias afiliadas cometeram crimes de guerra ao usar armas proibidas e lançar ataques indiscriminados contra a população civil", completa a investigação.

A Comissão ainda analisa se outro caso de crime de guerra supostamente cometido pelo regime de Assad ocorreu no dia 7 de abril, em Duma, também por uma suspeita de uso de armas químicas, que teriam causado a morte de pelo menos 49 pessoas e deixado 650 feridos.

Alerta por Idlib

No relatório publicado nesta quarta em Genebra, a comissão alerta que crimes de guerra podem se repetir agora em Idlib, onde o governo e seus aliados russos prepararam uma ofensiva para retomar a região.

A ONU fala no risco de que a operação se transforme em uma das maiores catástrofes humanitárias da década e pede que negociações sejam conduzidas para que 3 milhões de civis que vivem na região sejam impactados o mínimo possível.

Apesar dos apelos internacionais, Pinheiro diz que os primeiros ataques contra a região já começam e os alvos incluem até hospitais. "Esse tem sido o padrão antes de uma grande ofensiva e agora vemos que isso voltou a ocorrer", alertou o brasileiro, em entrevista em Genebra.

Para ele, porém, a presença de terroristas "não é desculpa" para um ataque indiscriminado. "Estão lutando contra 10 mil homens armados. Mas 2,9 milhões de civis não podem pagar o preço da guerra contra o terrorismo", afirmou.

"Não estamos dizendo que não se deve lutar contra o terrorismo. Isso é uma obrigação. Mas temos de pensar em milhões de civis, entre eles 1 milhão de crianças", apelou o brasileiro. Apenas em 2018, 500 mil pessoas já foram afetadas na região.

Um fator que complica a situação em Idlib é o fato de que muitos sírios expulsos de outros lugares do país vivem hoje em barracões na província. "A Comissão alerta para o fato de que muitos dos deslocados na Síria estão atualmente em Idlib, onde uma nova ofensiva poderia causar uma crise humanitária catastrófica", alertaram os especialistas.

Segundo o novo estudo, a Síria vive uma "crescente militarização" e seis batalhas de grande escala desde janeiro - em Alepo, Homs, Damasco, Rif Damascus, Dara'a e Idlib - causaram um fluxo interno de sírios que não se via desde o início da guerra, em 2011.

"As batalhas foram marcadas por crimes de guerra, incluindo ataques indiscriminados, ataques deliberados a locais protegidos, uso de armas proibidas e pilhagem", afirmou a Comissão. Segundo as investigações, os crimes foram cometidos pelo governo e por grupos armados.

"Não há desculpa para que uma parte no conflito não siga as obrigações que tem diante da população civil", afirmou Pinheiro. Segundo ele, o número de pessoas que deixaram suas cidades e estão em outros locais do país já passa de 6,5 milhões.

Entre os Estados denunciados por crimes de guerra está também a Turquia, por sua atuação na recuperação da cidade de Afrin. "Membros de vários grupos armados repetidamente cometeram crimes de guerra em Afrin. Se algum desses grupos estão sob o comando efetivo das Forças turcas, as violações cometidas por eles podem ser atribuídas aos comandantes militares turcos", diz o relatório.

Outra situação destacada pela Comissão é a recuperação de Raqqa, considerada a capital do Estado Islâmico (EI) até outubro de 2017. A investigação aponta que a operação contra os terroristas levou ao deslocamento de "praticamente toda a população" da cidade.

"A Comissão teme que a destruição generalizada da cidade incluiu ataques indiscriminados e outras sérias violações do direito humanitário internacional", diz o texto em relação às operações da Coalizão liderada pelos EUA.

O relatório também disse que em março de 2017 a coalizão realizou ataques na região, matando 150 pessoas que ocupavam uma escola em Raqqa. Em junho, os EUA reconheceram a ofensiva, mas disseram que o ataque deixou 40 mortos e estava "em linha com as leis dos conflitos armados".

Acordos pela metade

A Comissão de Inquérito da ONU também afirmou que acordos entre grupos armados e o governo sírio causaram o deslocamento forçado da população. Isso ocorreu em pelo menos três ocasiões, nas quais "acordos de retirada" foram promovidos, o que, na prática, resultou na expulsão de famílias inteiras.

"Dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas dentro desses acordos", denunciou Karen AbuZayd, especialista que faz parte da comissão. Segundo ela, cabe às partes que chegaram ao acordo de retirada de civis garantir água, alimentos e abrigo a essas pessoas, mas nada disso ocorreu.

O relatório registrou a situação dramática dos sírios deslocados de Rif Damasco e apontou que muitos ainda estão detidos de forma ilegal pelas forças do governo. "A batalha para reconquistar os territórios pelo governo ocorre com um custo extremamente elevado aos civis", alertou Hanny Megally, outro membro da comissão da ONU.

Em alguns locais recuperados pelo governo, como Yarmouk ou Ghouta, a destruição seria de tal dimensão que não se poderia imaginar o retorno da população civil a esses locais. "Muitos desses civis hoje vivem em abrigos e prédios abandonados."

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