Israelenses: na sociedade de Israel, abalada por intermináveis debates sobre paz, diferenças sociais e papel da religião no Estado, o aborto é curiosamente um dos assuntos menos polêmicos (Darren Whiteside/Reuters)
Da Redação
Publicado em 31 de março de 2014 às 10h26.
Jerusalém - O número de abortos induzidos em Israel diminuiu de forma drástica desde sua legalização, em 1977, em parte graças às atividades de ONGs que acreditam que apenas a educação, e não as leis, serve como prevenção.
O total de abortos no país é de cerca de 40 mil por ano, dos quais metade são feitos de forma legal, e os demais sem o acompanhamento de médicos especialistas em interrupção de gravidez, como exigido pela lei.
"As leis não educam, se você quer educar uma sociedade, é preciso dar conhecimento. É preciso mostrar à mulher que dentro dela há um ser vivo e que é possível ajudá-la", disse à Agência Efe Eli Schusshiem, médico que lidera a ONG Efrat.
Em 1977, quando Israel tinha 4 milhões de habitantes, a metade de hoje, as estatísticas mostravam mais de 60 mil casos de aborto por ano, um alarmante número que levou Schussheim, filho de sobreviventes do Holocausto, a voltar suas atenções à luta contra esta "perda desnecessária de vidas".
Desde então, e com a ajuda de doadores particulares nos principais países ocidentais, sua organização convenceu 57 mil mães para que não abortassem, em troca de prestar completa ajuda econômica durante os dois primeiros anos de vida do bebê.
Trata-se quase de uma desculpa "psicológica" porque, segundo a chefe dos assistentes sociais desta ONG, Ruthy Tidhar, "não são mulheres que não tenham amor para dar a seus filhos", e o argumento econômico é sempre o principal.
A legislação local autoriza o aborto quase por qualquer razão médica que afete a mãe (incluindo as psicológicas) ou o feto, em casos nos quais a mulher sejam menores de idade (17 anos) ou maiores de 40, e em gestações iniciadas por causa de delito (estupro ou incesto).
Até meados dos anos 80, também era permitido o aborto por razões econômicas - o que impulsionou em grande medida a atividade de Efrat -, um argumento ainda contemplado pelas mulheres interessadas em abortar, embora não confessem abertamente diante da comissão médica.
"Quando a razão do aborto é realmente médica, damos assessoria e inclusive haverá casos determinados nos quais recomendamos abortar, mas o certo é que a maioria o faz por razões econômicas", disse Tidhar.
Segundo as estatísticas, até 70% dos casos atendidos neste tipo de organização são de mulheres casadas, em geral com filhos, e "o que as assusta não é outra coisa que a dificuldade econômica. Aí entramos nós", relatou.
Centenas de berços, banheiras, pacotes de fraldas, mamadeiras, roupas, brinquedos de bebês e caixas de alimentos de todos os tipos "inundam" o estoque da Efrat embaixo de um edifício do bairro ultra-ortodoxo de Givat Shaul, na entrada de Jerusalém.
De lá partem todos os meses caminhões de distribuição com tudo o que é necessário para um bebê, em caixas marcadas por sexo que chegam pontualmente à residência da família, uma singular iniciativa que evita estabelecer vínculos entre doadora e receptor.
"Não entramos em valores éticos ou morais, nunca disse a uma mulher para que não aborte, mas como médico devo explicar as consequências de sua decisão e ofereço ajuda", acrescentou, por sua vez, o médico de 73 anos.
Pai de cinco filhos e defensor da vida quase como uma missão divina por causa da experiência sofrida por seus pais na Alemanha do período nazista, Schussheim se diz "feminista e liberal".
"Damos para as mulheres o direito de escolher, mas queremos que saibam realmente o que estão fazendo", reiterou, enquanto se queixa que as comissões médicas aprovam 99% dos pedidos sem avaliar seriamente os casos e, o que segundo sua opinião é ainda pior, sem oferecer ajuda a quem está disposta a aceitá-la.
Na sempre turbulenta sociedade israelense, abalada por intermináveis debates sobre a paz, diferenças sociais e o papel da religião no Estado, o aborto é curiosamente um dos assuntos que menos polêmica desperta.