BREXIT: Campanha pela permanência na União Europeia coloca em risco a liderança de David Cameron, primeiro-ministro britânico / Stefan Wermuth/Reuters
Da Redação
Publicado em 20 de junho de 2016 às 20h58.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
O referendo que pode definir a saída do Reino Unido da União Europeia, alertam economista e cientistas políticos, pode ter consequências catastróficas para as finanças do país no médio e longo prazo. Mas um cidadão britânico em especial pode perder tudo já no dia seguinte, caso as urnas decidam pelo isolacionismo. Trata-se do primeiro ministro David Cameron. Para ele, a próxima quinta-feira também é decisiva.
Cameron é a principal voz da campanha pela permanência do país na União Europeia. A derrota no referendo seria como um golpe definitivo na sua própria permanência. E o risco iminente, com as pesquisas mostrando indefinição a menos de uma semana das urnas, foi o suficiente para Cameron engrossar o discurso e abandonar o luto pela deputada Jo Cox, morta por um fanático de ultradireita na semana passada.
“Não é fácil, no despertar do assassinato de Jo, virar o assunto para o referendo de quinta-feira. Mas devemos”, afirmou, em seu perfil oficial do Facebook. No texto, ele apela para a memória da deputada, que também defendia a permanência na União Europeia, para fortalecer a campanha. “Ela se importava com nosso país. E ela se preocupou profundamente com a situação das pessoas que estavam sofrendo em todo o mundo”, escreveu. Na segunda-feira, Cameron voltou a exaltar as qualidades de Jo Cox – uma mulher íntegra e inteligente –, fazendo questão de lembrar que a deputada comemoraria seu 42º aniversário nesta quarta-feira e anunciando uma grande festa em nome de seus ideais para a data.
O problema é que, de acordo com um grupo crescente de analistas, Cameron já perdeu, independentemente do que aconteça na quinta-feira. Ao embarcar na tragédia de Jo Cox, ele tem recebido mais críticas do que elogios. E seus argumentos repetidos à exaustão até aqui têm sido cada dia mais contestados. Para Cameron, o país estará mais fraco, mais pobre e mais isolado se sair da União Europeia. Elencar os pontos negativos da saída em vez de ressaltar os benefícios da permanência tem arranhado o robusto ego britânico. A pergunta que ganha força é: como um primeiro-ministro tão pessimista em relação ao próprio o país pode continuar no comando?
A resistência interna
A resistência ao seu posicionamento já começa a dentro do próprio partido: 40% dos conservadores se dizem favoráveis à autonomia britânica. E a população também está dividida. A última pesquisa de opinião, divulgada no sábado, mostrou que exatos 50% apoiam o Brexit e 50% querem ficar onde estão. Cameron afirmou que permanecerá no cargo seja qual for o resultado do referendo, mas quanto mais se estende a campanha, mais ele se afasta da metade da população que acredita num futuro melhor longe da União Europeia.
O ex-primeiro-ministro escocês Alex Salmond, que promoveu o referendo pela independência da Escócia em 2014, afirmou que Cameron retomou a estratégia de semear “argumentos que inspirem medo” para evitar mudanças. Ao defender a permanência da Escócia no Reino Unido, David Cameron já incitava o temor ao desconhecido. “Enquanto apenas 4 milhões de pessoas podem votar neste referendo, todos os outros 63 milhões são afetados. (…) Nós ficaríamos profundamente diminuídos sem a Escócia”, afirmava em fevereiro de 2014.
Em seus pronunciamentos atuais, Cameron tem ressaltado que “o Reino Unido ficará permanentemente mais pobre” e mais “vulnerável ao terrorismo” se decidir caminhar por conta própria. Sua equipe econômica também está trabalhando no “Projeto Medo 2.0”, como os jornais têm chamado a campanha pelo “Remain”, relembrando o tom tenebroso da vitoriosa chapa escocesa “Better Together”. Na última semana, o chefe do Tesouro, George Osborne, chegou a anunciar que a aprovação do Brexit renderia um aumento de impostos na casa dos 30 bilhões de euros. Entre os perigos, também estão o aumento nos preços da gasolina, da comida, das bebidas e das roupas – uma alta de custaria 580 euros a mais, por ano, ao orçamento das famílias britânicas.
Porém, os ajustes na economia já estão acontecendo. O tesouro britânico tem anunciado recorrentes cortes de custos para reduzir o déficit do Reino Unido, especialmente nos programas sociais. Em março, ao anunciar cortes de 12 bilhões de euros destinados à seguridade social, sendo 4,5 bilhões destinados à população portadora de deficiência, Osborne ampliou o racha dentro do próprio partido. O secretário do Trabalho e da Previdência, Iain Duncan, militante do Brexit, preferiu renunciar ao cargo a aceitar o novo orçamento. Também não se furtou a afirmar que o governo de Cameron não está preocupado com o bem-estar dos britânicos, mesmo sendo do mesmo partido. Uma prova de que as divergências políticas em torno do referendo já afetam a governalibilidade do país.
Tamanha polarização coloca o primeiro-ministro na corda bamba. Mesmo que ele saia vitorioso na votação de quinta-feira, o trajeto para encaminhar seus projetos dentro do Parlamento será tortuoso. Cameron, em seus discursos, tem reforçado que as coisas não vão ficar como estão e garantiu que vai tentar ajustar os acordos com a União Europeia em fevereiro, para conquistar um “status especial” para o país dentro do bloco. Entretanto, a União Europeia já está mais austera aos britânicos, que hoje brigam por autonomia. E dificilmente um primeiro-ministro tão criticado no seu país conseguirá inspirar confiança nas negociações com os europeus.
Vencer no referendo é sua única alternativa. Afinal, caso a autonomia do Reino Unido seja aprovada, continuar a tê-lo como líder certamente não será a vontade do povo e do parlamento. Se o “Remain” sair vitorioso nas urnas, como um político que adotou tão veementemente um lado da trincheira conseguiria ser convincente num discurso da conciliação? No dia seguinte à votação, o Reino Unido será mais difícil de governar, não importa o resultado – e nem os políticos, nem o povo, nem os europeus parecem acreditar que David Cameron é a pessoa mais qualificada para assumir o “país especial” que ele fez questão de diminuir.