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O surpreendente Paraguai

A Venezuela, país com a pior economia do mundo em 2015, será o próximo líder do Mercosul. Mas, antes, tem que superar um pequeno grande detalhe: o Paraguai. O presidente Horacio Cartes alega que o governo venezuelano não cumpre a cláusula democrática, o que deveria acarretar sua suspensão do bloco. Cartes ameaça boicotar a cúpula […]

PARAGUAI: o país é uma exceção no continente, com previsão de expansão de 3% no PIB em 2016 /  (Getty Images/Getty Images)

PARAGUAI: o país é uma exceção no continente, com previsão de expansão de 3% no PIB em 2016 / (Getty Images/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 6 de julho de 2016 às 16h52.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h07.

A Venezuela, país com a pior economia do mundo em 2015, será o próximo líder do Mercosul. Mas, antes, tem que superar um pequeno grande detalhe: o Paraguai. O presidente Horacio Cartes alega que o governo venezuelano não cumpre a cláusula democrática, o que deveria acarretar sua suspensão do bloco. Cartes ameaça boicotar a cúpula no próximo dia 12, em Montevidéu, quando Nicolás Maduro deveria assumir a presidência. Ele tem dois aliados brasileiros de peso: o ministro das Relações Exteriores José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viajaram para o Uruguai na última terça-feira para pedir o adiamento da troca de comando. O Paraguai vive, portanto, um raro momento de protagonista no continente.

A estranha relação do Paraguai com a Venezuela no Mercosul tem explicação histórica. O país foi o último país a entrar no grupo de líderes do Mercado Comum do Sul. A formação original, que completou 25 anos em março, contava com Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A conversa da entrada da Venezuela já se arrastava há quase 20 anos até que, em 2012, a destituição do presidente paraguaio Fernando Lugo mudou o jogo.

O processo de impeachment de Lugo foi considerado golpe pelo Mercosul – muito porque houve uma ruptura ideológica dentro do bloco. O quinteto Cristina Kirchner, Dilma Rousseff, José Mujica, Fernando Lugo e Nicolás Maduro [então chanceler venezuelano] era muito afinado e tinha um projeto de esquerda, com foco em programas de distribuição de renda. “A suspensão do Paraguai acabou sendo uma forma de punir o novo governo do país, e Maduro foi uma voz importante para garantir o afastamento”, diz o cientista político

O Paraguai voltou ao bloco em 2013, com um presidente de direita no poder, e não engoliu a interferência venezuelana. O troco veio agora. A presidência do Mercosul é rotativa entre os cinco membros. Cada país assume por seis meses o cargo de liderança e, pela primeira vez, é chegada a hora de a Venezuela assumir o posto. O cargo tem mais importância simbólica do que política, porque todas as decisões do Mercosul são tomadas em conjunto. Mas, agora, para os paraguaios é uma questão de honra fincar o pé contra os venezuelanos.

O time mudou

As divergências entre Paraguai e Venezuela são antigas – e basicamente ideológicas. Enquanto um vive uma dominação da direita, o outro viveu anos de populismo de esquerda. O Paraguai é o país com menos alternância de poder da América Latina. O Partido Colorado, ao qual está filiado o atual presidente, Horacio Cartes, comanda o país desde a década de 1940. O único intervalo foi quando Fernando Lugo, do partido Frente Guasú, foi eleito em 2008, mas ele nem chegou a concluir seu mandato.

Com a eleição de Horacio Cartes, em 2013, o Partido Colorado, que não aceitava a Venezuela dentro do bloco, voltou ao poder. E aproveita um momento totalmente novo na política econômica do continente. As políticas de esquerda foram ficando para trás com a eleição de políticos mais alinhados à ortodoxia econômica e mais interessados em atrair o capital internacional. Maduro virou um peixe fora d’água num quinteto que hoje tem também Mauricio Macri, Michel Temer, Tabaré Vázquez e Cartes.

O colapso econômico e político da Venezuela só piora a situação: o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, no dia 31 de maio, já havia invocado a cláusula democrática, alegando que o atual governo venezuelano é imoral, sem finalidade política e tem como objetivo único a manutenção do poder. O Paraguai, portanto, virou a voz de um sentimento internacional crescente contra Maduro.

A economia a favor

Os paraguaios têm motivos para levantar a voz: a economia do país está num momento excelente e ajudar a impulsionar os dados da América Latina pelo segundo ano consecutivo. O PIB paraguaio cresceu 1,5% no primeiro trimestre e deve crescer 3% até o final do ano (mesma taxa do ano passado) e mais 4% em 2017. As taxas são muito superiores às da região. De acordo com o FMI, a América Latina vai sofrer recessão este ano de 0,3%, repetindo a contração de 2015.

De acordo com o relatório Scenario Review – Paraguay: Sustaining growth, produzido pelo banco Itaú, os maiores responsáveis pelo crescimento vigoroso são a agricultura, a construção civil e o setor de água e energia. A sorte também ajudou. Enquanto a Venezuela enfrenta uma das piores secas de sua história, que impede o fornecimento de energia e água no país, o Paraguai passou o primeiro semestre com condições climáticas favoráveis. Com isso, a agricultura e a geração de eletricidade nas hidrelétricas de Itaipu e Yacyretá cresceram.

Para atrair investidores e estimular a economia, o banco central reduziu as taxas de juros para 5,75% ao ano. Com a mudança, a inflação paraguaia deve subir um pouco, passando dos 3% de 2015 para 4,5% este ano. Ainda assim, mais atrativa que seus vizinhos. O Brasil deve ficar com a inflação em torno de 7,2% e a Argentina fixou a meta de 25% para dezembro.

A estratégia do governo paraguaio é apostar nos estrangeiros, garantindo energia farta, baixas taxas de impostos e mão-de-obra barata. “O Paraguai cobra impostos baixíssimos sobre o PIB, apenas 13%, enquanto o Brasil está na casa dos 36%, a Argentina com 25%. Isso é ótimo para o investidor”, diz Ricardo Leães, especialista em Relações Internacionais da Fundação de Economia e Estatística, no Rio Grande do Sul. “Por outro lado, o governo arrecada pouco e investe muito menos que seus vizinhos em políticas sociais.”

O problema é que essas vantagens competitivas são muito dependentes do bom momento da soja, e escondem a pobreza e a falta de especialização do trabalhador paraguaio. As atividades que demandam mais especialização, como a indústria, tiveram queda de 3,6%. A desigualdade e a extrema pobreza ainda são problemas graves no país. Cerca de 40% da população paraguaia é pobre ou extremamente pobre, segundo a ONU. O clima também deve começar a atrapalhar. No fim de semana, a seca começou a despontar na região do Chaco, na fronteira com a Argentina, e já secou o rio Pilcomayo, matando peixes e jacarés. Para o Paraguai, a hora de falar grosso é agora mesmo.

(Camila Almeida)

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