Donald Trump: Durante uma ligação, Trump pediu ao presidente ucraniano Zelenski que investigasse conduta de Joe Biden (Drew Angerer/Getty Images)
EFE
Publicado em 26 de setembro de 2019 às 06h50.
Última atualização em 26 de setembro de 2019 às 06h52.
Washington — Durante meses contrária à abertura de um impeachment contra Donald Trump, a líder da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, anunciou ontem o início do inquérito que pode tirar o presidente americano do poder, levantando uma série de dúvidas no país sobre o que mudou no cálculo da oposição democrata para convencê-la a dar sequência ao processo.
Analistas políticos e especialistas apontam que três razões foram consideradas por Pelosi: a gravidade e o fácil entendimento para o público em geral da violação cometida por Trump, chamada por ela de "traição", o apoio da ala mais moderada do Partido Democrata e o emocionante discurso de John Lewis, ícone do movimento pelos direitos civis no país.
Entenda melhor os fatores que fizeram os democratas mudarem de ideia e passarem a buscar o impeachment de Trump.
A investigação sobre o suposto conluio entre integrantes da campanha de Trump à presidência e o governo da Rússia durante as eleições de 2016 era confusa demais: havia um sem-fim de protagonistas e subtramas que distraíam a opinião pública do caso principal.
A polêmica conversa por telefone entre Trump e o presidente da Ucrânia, Vladimir Zelenski, tem o perfil oposto, segundo Mark Peterson, professor de Política da Universidade da Califórnia, o que facilita o entendimento do eleitor, seja ele republicano ou democrata, sobre o que de fato ocorreu.
No dia 25 de julho, durante uma ligação, Trump pediu a Zelenski que trabalhasse com seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, e com o procurador-geral dos EUA para investigar a conduta de Joe Biden, vice-presidente do país no governo de Barack Obama e um dos principais candidatos às primárias democratas para as eleições de 2020.
O alvo, na verdade, era o filho do ex-vice-presidente, Hunter, que assessorou uma empresa de gás ucraniana.
Dias depois da ligação, Trump ordenou a suspensão de um repasse de US$ 400 milhões em assistência militar para a Ucrânia, um movimento que os democratas consideram como uma tentativa do presidente de pressionar Zelenski a atender seu pedido.
"É uma história mais simples. Trump, como presidente dos EUA, usou sua função de líder da nossa política externa para influenciar o presidente de outro país, a Ucrânia, que depende muito dos EUA, com o objetivo de promover seus próprios interesses políticos", resumiu Peterson.
Ao longo dos últimos meses, Pelosi barrou as tentativas de seus aliados mais radicais de abrir um processo de impeachment contra Trump e argumentava que, como líder da maioria democrata na Câmara de Representantes, seu papel era evitar qualquer decisão que prejudicasse o partido nas eleições presidenciais de 2020.
Em especial, Pelosi estava preocupada com os democratas mais moderados, que ocupam cadeiras de distritos onde Trump saiu vitorioso em 2016, mas que venceram seus rivais republicanos nas eleições legislativas do ano passado. O temor era que um pedido precipitado de impeachment transformasse o partido em extremista na visão de potenciais eleitores indecisos.
Mas, na noite da última segunda-feira, sete democratas moderados surpreenderam ao publicar um artigo de opinião no jornal "The Washington Post" para pedir o impeachment de Trump pela polêmica ligação com o presidente da Ucrânia.
"Essas acusações são uma ameaça contra todos aqueles que um dia juramos proteger", dizia o título do artigo.
Os democratas foram eleitos em 2018 e todos têm experiência nos setores militar e de inteligência dos EUA, o que dá a eles autoridade para dizer que a conversa telefônica entre Trump e Zelenski representa uma ameaça para a segurança nacional do país.
A ala acha que tem a obrigação patriótica de tirar Trump do poder, deixando Pelosi sem forças para dizer não aos mais radicais do partido. A presidente da Câmara de Representantes não tinha outra opção a não ser seguir com o processo de impeachment.
"Agora eles acreditam que a história está ao lado deles para fazer o correto", avaliou em entrevista à Agência Efe Mark J. Rozell, da Faculdade de Política da Universidade George Mason.
O congressista afro-americano John Lewis é uma das vozes mais influentes entre os democratas. Há mais de 50 anos, ele acompanhou Martin Luther King quando o referendo fez o famoso discurso "Eu tenho um sonho", durante a Marcha sobre Washington de 1963.
Quando Lewis, de 79, começou a falar de sua cadeira no Congresso ontem, todos estavam atentos.
"Não devemos esperar. Agora é o momento de atuar. Fui paciente enquanto testávamos outros caminhos e ferramentas. Nunca encontraremos a verdade a menos que usemos o poder outorgado à Câmara de Representantes. O futuro da nossa democracia está em jogo", disse Lewis.
Para José Parra, ex-assessor do ex-líder democrata no Senado Harry Reid e especialista em comunicação pública, o discurso de Lewis foi um fator determinante.
"Lewis tem um manto de autoridade que todos usam como ponto de referência. Ele não era tão favorável ao impeachment antes. E acho que ver sua mudança esclareceu a situação para muitos democratas que estavam em dúvida", argumentou Parra.