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O que há por trás da crise da Ucrânia: entenda

Construção de megagasoduto entre Rússia e Alemanha e expansão da Otan estão entre alguns dos principais fatores que ajudam a entender o conflito

Mapa com trajeto do gasoduto Nord Stream 2 em cidade da Alemanha (Stefan Sauer/picture alliance via/Getty Images)

Mapa com trajeto do gasoduto Nord Stream 2 em cidade da Alemanha (Stefan Sauer/picture alliance via/Getty Images)

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Carla Aranha

Publicado em 28 de janeiro de 2022 às 15h15.

Última atualização em 1 de fevereiro de 2022 às 09h55.

O governo alemão celebrou uma importante vitória na quarta-feira, dia 26, quando foi anunciada a criação da Gas for Europe GmbH. A empresa irá atuar como subsidiária do Nord Stream 2, gasoduto russo que irá transportar o insumo diretamente do noroeste da Rússia para a Alemanha. Trata-se do primeiro passo para que o complexo, cujas obras já foram concluídas, possa entrar em operação. Se tudo der certo, a previsão é que isso aconteça em meados do ano. O gasoduto, que deve levar gás natural mais barato e em um fluxo bem maior para a Alemanha, representa uma pedra no sapato do presidente Joe Biden e da Ucrânia.

Hoje, boa parte do gás natural transportado da Rússia para a Europa passa pela Ucrânia, onde é tributado. Estima-se que a Gazprom, gigante russo de petróleo e gás, deixe 2 bilhões de dólares em impostos por ano em Kiev. Com o novo gasoduto, a Rússia poderá dar um chapéu nos vizinhos do leste europeu e exportar o insumo, fundamental para o aquecimento das casas e a fabricação de produtos como fertilizantes, para seus maiores clientes na Europa sem ter de pagar impostos a outros países.

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Os Estados Unidos não têm se mostrado contentes com a novidade. “O governo americano acredita que o projeto vai aumentar a dependência da Europa em relação ao gás russo, com consequências geopolíticas”, diz Laura Page, analista sênior da consultoria belga Kpler, especializada em petróleo e gás, em entrevista à EXAME. “A ideia é que a Europa se mostraria mais hesitante em adotar posturas frontalmente contrárias ao Kremlin”.

A contenda vem desde a guerra fria e, em um cenário dominado por intrigas, acusações de interferências em eleições e até envenenamento de espiões, os ânimos não se acalmaram muito. Nesse contexto, qualquer sinal de aumento de poder de um dos lados suscita reações. E um gasoduto que consumiu investimentos de US$ 11 bilhões não estaria de fora da disputa, acreditam analistas políticos e fontes diplomáticas a par do assunto.

O senador republicano Ted Cruz chegou a propor sanções contra empresas envolvidas nas obras do Nord Stream 2 no dia 13 deste mês, mas a iniciativa acabou não sendo aprovada pelo Congresso. O governo americano também vem demonstrando preocupações com a construção do gasoduto.

O Nord Stream 2 deverá dobrar a capacidade de exportação de gás natural da Rússia para a Europa, passando dos atuais 55 bilhões de metros cúbicos para 110 bilhões. Para Moscou, trata-se de um projeto de forte apelo econômico, já que as exportações de petróleo e gás representam 36% do PIB do país. Em 2019, a construção do gasoduto chegou a ser suspensa, com a imposição de novas sanções americanas à Rússia, tendo sido retomada no ano seguinte. Em setembro de 2021, a Gazprom anunciou a conclusão da obra.

Com o governo Biden, a política externa com a Rússia (e o leste europeu) ganhou contornos mais bem definidos. Um dos primeiros passos da atual administração nesse sentido foi receber o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, em setembro do ano passado. Na ocasião, Biden anunciou a criação de um pacote de assistência de US$ 60 milhões para a Ucrânia e apoio às aspirações do país em se tornar membro da Otan.

O assunto é para lá de controverso. Apesar de declarações oficiais da Otan em 2008 de que a Ucrânia poderia fazer parte da aliança militar ocidental, as conversas permaneceram praticamente em banho-maria por um bom tempo. Nos meios diplomáticos, a adesão da Ucrânia à Otan é vista como potencialmente desestabilizadora, já que a Rússia não gostaria de ver tanques e mísseis em suas fronteiras. Na Europa, não faltam oponentes à expansão da Otan, entre eles a Alemanha e a França, que têm conduzido conversas com o governo russo para evitar uma escalada de tensões na região.

Atualmente, a maior pressão para que a ampliação do bloco vem dos Estados Unidos. Na visão de especialistas como o cientista político britânico Archie Brown, da Universidade de Oxford, autor de diversas obras sobre as relações do Ocidente com a Rússia, seria de esperar que a aliança militar ocidental, criada em 1949 no contexto da guerra fria, perdesse importância com o fim da União Soviética, em 1991. Nas últimas décadas, no entanto, houve uma expansão do bloco, com a adesão de países como a Bulgária, Eslovênia e Romênia.

Atualmente, a Otan possui brigadas multinacionais estacionadas na Romênia, que faz fronteira com a Ucrânia. “Disponibilizamos mais navios na região e temos conduzidos mais exercícios navais militares”, disse a entidade em comunicado. As operações são conduzidas no Mar Negro, compartilhado pela Ucrânia, Romênia, Bulgária e Turquia. Hoje, cinco navios estão no Mar Negro e uma força tática permanece no Mediterrâneo, segundo a entidade.

Nos meios diplomáticos, a integração da Ucrânia à Otan, que veio à tona novamente depois da reunião bilateral entre o presidente ucraniano e Biden, é vista como um barril de pólvora. "Dificilmente países como a Alemanha e França concordariam com a adesão da Ucrânia ao bloco militar, por temer reações da Rússia", diz o cientista poítico americano Ariel Cohen.

A Alemanha também não teria interesse em apoiar uma ofensiva contra a Rússia no momento em que está prestes a poder contar com um abastecimento em maior volume de gás natural. “O país está fechando cada vez mais unidades de processamento de carvão e de energia nuclear em razão da transição verde e a demanda por gás natural deverá aumentar”, diz Page. “Há muita coisa em jogo”.

 

 

 

 

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