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O que esperar de Lula 3 na política internacional? Ataques a Brasília dão primeiras pistas

De integração regional a relação com potências, "consenso" global após ataques em Brasília indica o que Lula tentará na política externa

O presidente da Colômbia,Gustavo Petro, cumprimenta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto (Tania Rego/Agência Brasil)

O presidente da Colômbia,Gustavo Petro, cumprimenta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto (Tania Rego/Agência Brasil)

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Carolina Riveira

Publicado em 22 de janeiro de 2023 às 06h16.

Última atualização em 22 de janeiro de 2023 às 10h14.

O Brasil virou o tema do mundo na tarde de 8 de janeiro. Durante os ataques a Brasília, jornais internacionais passaram a reportar o caso e, na diplomacia, gerou-se uma espécie de consenso global — beirando o inesperado ao colocar, “do mesmo lado”, os EUA de Joe Biden, a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping no repúdio às invasões. Esse turbilhão, para analistas ouvidos pela EXAME, dá parte do tom do que o governo Lula projeta para sua política externa nos próximos anos. E os primeiros sinais virão a partir deste domingo, 22, quando Lula desembarca em Buenos Aires para encontro da CELAC, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.

Era esperado que Lula, ao assumir, colocasse as relações internacionais como uma das prioridades. Nessa toada, mesmo antes da posse, o presidente já havia viajado à Conferência do Clima (COP 27) no Egito. Mas os ataques — somados a um Bolsonaro cada vez mais associado a Donald Trump no exterior, tornando a questão brasileira um tema global — podem ter dado o pontapé inicial nesse processo.

“Eu diria que os episódios criaram um momentum para que Lula possa projetar a voz do Brasil internacionalmente”, afirma Fernanda Magnotta, especialista em política dos EUA e relações com as Américas e coordenadora do curso de relações internacionais da FAAP. Na prática, a situação foi usada pelo governo Lula para um primeiro passo no que tem se chamado de “resgate da tradição diplomática do Brasil”, uma promessa de campanha.

“Lula sempre entendeu o Brasil — e a equipe que formou nas gestões anteriores compartilhava dessa ideia — como um ator que deveria se sentar à mesa globalmente”, diz. “Para essa gestão, foram escolhidos diplomatas de carreira, muito experientes e, também, muito afeitos a esses valores. Essa ideia de volta ao interesse pelo Brasil e resgate da política externa devem ser muito trabalhadas.”

8 de janeiro: união das potências

Somente um dia após o episódio em Brasília, por exemplo, Lula falou por telefone com o presidente americano, Joe Biden, e recebeu convite para ir à Casa Branca em fevereiro. A negociação sobre uma ida de Lula aos EUA já vinha ocorrendo, mas foi oficializada de vez depois que os atentados culminaram na ligação direta entre os líderes. Será a segunda viagem internacional do presidente: neste domingo, 22, Lula embarca para a Argentina, como é praxe na primeira viagem, e depois ao Uruguai.

Lula, Biden e outros líderes em reunião antes do G20 em 2009: os dois se encontrarão em fevereiro na Casa Branca (Martin Bernetti/AFP/Getty Images)

No caso de Biden, ainda que o histórico do PT com os governos democratas dos EUA não seja dos melhores (com episódios como a espionagem da NSA durante o governo de Barack Obama), a ligação entre Trump e Bolsonaro tornou a situação política doméstica brasileira uma questão central. Afinal, se os insurgentes em Brasília tivessem qualquer sucesso, isso mandaria um recado aos trumpistas no quintal de Biden. O mesmo vale para outros líderes, que declaram apoio firme a Lula também como forma de se posicionar contra o risco de radicalização em seus países.

Tudo somado, a imagem positiva da qual Lula e o Itamaraty gozam no cenário internacional desde os primeiros mandatos sai intacta após os ataques em Brasília, avalia o cientista político americano Mark Setzler, que estuda há anos a política brasileira e é professor da High Point University, na Carolina do Norte. “A resposta relativamente não violenta ao levante simplesmente reforçou as opiniões de Biden [EUA], Macron [França], Scholz [Alemanha] e outros líderes tradicionais sobre a competência de Lula”, disse o professor à EXAME.

Lula em visita à França em 2021: boa relação com governos de centro na Europa (Ricardo Stuckert/Lula)

Setzler não acredita, no entanto, que o Brasil continuará nos holofotes agora, em meio aos problemas mundiais mais urgentes. Internacionalmente, diz ele, a visão é de que “a falta de um levante militar ou qualquer coisa comparativamente séria no Brasil” mostra que o pior foi evitado — e faz a “atenção” dos líderes mundiais se voltar novamente a temas como a guerra na Ucrânia.

Lula fortalecido na América do Sul. Por enquanto

Apesar de um começo com protagonismo, o desafio da nova era da política externa de Lula é enfrentar um cenário que tende a ser mais complexo do que há 20 anos. Há hoje um embate muito mais forte entre EUA e China, e a guerra na Ucrânia era um tema que simplesmente não estava no radar em 2003. Enquanto isso, instituições multilaterais que o Brasil costuma usar para se projetar, como a ONU, estão questionadas.

Já um dos principais motes históricos do PT, a integração com os vizinhos latino-americanos, é um desejo ainda cercado de incógnitas.

No Fórum Econômico Mundial em Davos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta semana que ampliar a agenda com países latino-americanos será crucial para o crescimento. A posse de Lula, como era esperado, já havia sido altamente povoada pelos líderes locais — dos direitistas Guillermo Lasso (Equador) e Lacalle Pou (Uruguai) aos esquerdistas Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia). Após os ataques em Brasília, os vizinhos também estiveram entre os primeiros a se manifestarem com apoios a Lula.

"Para mim, o que aconteceu em Brasília fortalece a posição de Lula e o papel do Brasil na região. Todos os países, mesmo os à direita, se manifestaram contra os bolsonaristas radicais. Não é um cheque em branco, mas mostra boa vontade e que Lula vai ter apoio”, diz Nicolás Saldías, analista no núcleo de América Latina da Economist Intelligence Unit (EIU).

Apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro em Brasília: pedidos por "intervenção militar" foram repudiados em todo o mundo (GESIVAL NOGUEIRA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO/Reprodução)

Lula assume em um momento em que diversos governos progressistas foram eleitos na América Latina, o que pode ajudar a emular parte das condições favoráveis vistas nos anos 2000 (quando houve a chamada “onda rosa”, com uma série de presidentes à esquerda no poder).

No entanto, seu capital político precisará ser usado em discussões em que a região está longe de unanimidade. O Mercosul é um desses casos. Haddad já chegou a afirmar que Lula tem "obsessão" pelo bloco, fortalecido nos anos 2000, quando chegou a ter associados de quase toda a América do Sul, para além dos fundadores Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai. Nos últimos anos, porém, perdeu relevância.

Uma das polêmicas atuais, por exemplo, é o desejo do Uruguai de fazer negociações diretas, fora do Mercosul. O país deseja um acordo com a China, maior parceira comercial dos países da região. Os movimentos foram influenciados pela visão liberal do atual presidente Lacalle Pou, mas houve sinais da Frente Ampla (partido à esquerda e hoje na oposição), de que esse não é só um assunto do atual governo. As viagens de Lula a Argentina e Uruguai na próxima semana devem deixar mais claras as sinalizações do Brasil sobre a questão.

Lula com presidentes do Uruguai: Julio María Sanguinetti, José Pepe Mujica e o atual mandatário, Lacalle Pou (à dir.), vieram todos à posse (Tania Rego)

"Com Lula, as ambições de Lacalle ficam mais complicadas. Mas também não vejo que Lula terá muito capital político para desafiar o Uruguai", diz Saldías, da EIU. "Com tanto acontecendo no Brasil, o tema do Mercosul e do Uruguai, para Lula, é como a 'quinta coisa' para lidar. E o mesmo vale para outros países da região: tirando o Uruguai, quase todos vivem turbulências. Não vejo no momento vontade política nem maturidade para que trabalhem juntos em temas prioritários, como energia limpa."

Outro ponto que deve dominar a agenda de Lula na Argentina será o encontro do presidente brasileiro com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Na quarta-feira, 18, a missão enviada pelo Itaramaty para iniciar o processo de reabertura da embaixada brasileira em Caracas chegou à capital venezuelana. Em Buenos Aires, Lula pode fazer uma reunião bilateral com Maduro, que também comparecerá à reunião da CELAC. A diplomacia nacional tem buscado classificar o encontro como "normal" uma vez que o governo petista retomou as relações diplomáticas com os vizinhos. Mas certamente pressionará a opinião pública — e as manchetes — brasileiras.

Imbróglios locais são desafio

Na prática, muita coisa estará em compasso de espera até 2024 na política externa brasileira, como os desdobramentos do acordo Mercosul-União Europeia, que precisa ser ratificado. Há ainda casos como o da Argentina, em que o governo Alberto Fernández é aliado inconteste de Lula, mas tem chances grandes de perder as eleições do ano que vem. Isso faria o segundo maior país da América do Sul estar novamente em um lado político oposto ao do Brasil.

A mesma turbulência é vista no jovem governo de Gabriel Boric, no Chile, que falhou em aprovar uma nova Constituição e sofre hoje com 70% de desaprovação. Com a situação interna em frangalhos, é difícil que os governos da região consigam empregar tanto esforço fora das fronteiras neste primeiro momento.

"A atual onda rosa é acima de tudo uma onda antigovernista, contra quem está no poder", disse o professor Oliver Stuenkel, da FGV, na edição de novembro da EXAME, antes da posse de Lula. "O descontentamento público é muito maior do que nos anos 2000 e fará com que lideranças precisem dedicar muito mais tempo a assuntos internos do que regionais."

Foi o próprio caso da eleição de Lula, vencida com margem apertada. Agora, após os ataques, Lula pode ter ganhado algum fôlego para estabilizar um país que vinha polarizado. Pesquisa EXAME/IDEIA neste mês mostrou que 70% dos brasileiros condenam os ataques, um raro consenso. O alto escalão da política nacional, incluindo nomes antes aliados a Bolsonaro, também repudiaram os atos e passaram facilmente, no Congresso, o decreto de intervenção no Distrito Federal.

Setzler, da High Point, avalia que essa pode ser uma vantagem do Brasil na comparação com o pós-Capitólio. "Nos EUA, se a sociedade está fortemente dividida e os extremistas capturam um dos principais partidos, os moderados desse partido não têm para onde ir, exceto fora da política", diz o cientista político norte-americano.

CPI no Congresso americano que investigou ataques no Capitólio: Partido Republicano seguiu apoiando Trump (Drew Angerer/Getty Images)

Ele aponta que "tendências antidemocráticas" têm sido capturadas por outras alas nos EUA, deixando pouco espaço para moderação. "Não é surpresa ver versões mais refinadas do trumpismo emergindo, sendo Ron DeSantis [governador da Flórida] o melhor exemplo."

No Brasil, com sistema de mais partidos, o pesquisador projeta que o tipo de discurso visto em Bolsonaro ou Trump tem mais condições de ser contestado. "Há uma boa chance de que as forças extremistas fiquem fragmentadas no Brasil", conclui.

Política externa será "refúgio"

Na outra ponta, exatamente por um horizonte mais turbulento que "Lula 3" enfrentará, Magnotta, da FAAP, também acredita que a reação de Lula aos ataques dá pistas de como o governo tende a usar a política externa como capital político dentro de casa.

“A arena doméstica vai ser espinhosa, difícil de criar consensos. A esfera internacional muito provavelmente será uma forma de refúgio. Porque é um ambiente em que Lula se sente confortável, é bem visto e é uma figura popular fora do Brasil. E o governo tentará que isso se conecte com a parte prática, como atração de investimentos”, diz.

Fernando Haddad e Marina Silva em Davos: governo Lula tentará fazer com que agenda internacional seja triunfo interno (Ministério da Fazenda/Divulgação)

Nesta semana, Lula não foi a Davos, mas enviou delegação brasileira liderada pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio-Ambiente). Cada um tem por lá seu papel: Haddad tenta vender a investidores internacionais certo discurso de responsabilidade fiscal e, no caso do novo governo, combate às desigualdades com crescimento. Marina é o rosto e a voz da principal promessa brasileira na esfera global: a de ter a preservação da Amazônia como prioridade e de posicionar o Brasil como potência verde — capaz, sobretudo, de ser destino de polpudos investimentos internacionais nessa seara.

Algum uso da política externa dentro de casa já é notado nas poucas semanas de governo, com Lula citando as relações internacionais em vários discursos. Ao mesmo tempo, as demonstrações de apoio de líderes estrangeiros nas redes sociais são frequentemente usadas, pela base do presidente, como argumento de autoridade para legitimar o governo — ainda que, internamente, a situação seja bem mais complexa, com o cenário fiscal longe de resolvido e articulações no Congresso ainda incertas para passar as reformas que o governo planeja.

“Lula não deixou de falar de política externa em nenhuma das manifestações importantes que fez até agora, mesmo quando repudia a violência interna, ele sempre enfatiza política externa”, diz Magnotta. “Porque ele sabe que o Brasil é grande, mas também porque sabe que esse é um triunfo que ele tem para acomodar cobranças internas que vai sofrer.”

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