Mundo

O que as eleições legislativas de 2018 revelam sobre os EUA pós-Trump

Em entrevista a EXAME, cientista política americana avaliou que a eleição de Trump em 2016 foi uma “lição cívica” para o país

Democrata Alexandria Ocasio-Cortez, eleita representante nas eleições legislativas: para cientista política, eleição massiva de mulheres pelo Partido Democrata mostra divisões na sociedade americana (Andrew Kelly/Reuters)

Democrata Alexandria Ocasio-Cortez, eleita representante nas eleições legislativas: para cientista política, eleição massiva de mulheres pelo Partido Democrata mostra divisões na sociedade americana (Andrew Kelly/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 9 de novembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 9 de novembro de 2018 às 06h00.

São Paulo – As eleições legislativas de 2018 nos Estados Unidos resultaram em grandes novidades. Os Democratas agora controlam a maioria na Câmara dos Representantes, enquanto os Republicanos mantiveram a maior parte dos assentos no Senado. Mulheres candidatas conquistaram números recordes de vitórias, minorias se mobilizaram e o comparecimento às urnas será um dos mais altos já vistos.

Só que mais do que mudanças no cenário político, o pleito trouxe à tona o retrato da sociedade americana nos dias atuais. E ela está dividida.

A constatação é de Melissa Michelson, cientista política americana da Universidade de Yale e professora de Ciências Políticas em Menlo College, na Califórnia. Especialista em política e eleições dos Estados Unidos, com foco na pesquisa dos votos das minorias, Melissa concedeu uma entrevista por escrito a EXAME no dia seguinte das votações e repercutiu os reflexos que a eleição de Donald Trump em 2016 trouxeram para o processo eleitoral em 2018.

Melissa Michelson, cientista política americana e professora da Menlo College, na Califórnia

EXAME – Se as previsões estiverem corretas, as eleições legislativas de 2018 vão atingir um número recorde de comparecimento às urnas. O que explica esse fenômeno?

Melissa Michelson – Acredito que as eleições presidenciais de 2016 e os primeiros dois anos da presidência de Trump foram lições cívicas para o público americano. Muitos não participaram daquela eleição e então viram como o resultado impactou em suas vidas, seu país e o mundo. Acho que isso mostrou aos americanos porque as eleições importam.

As eleições legislativas são sempre um referendo sobre o presidente em exercício, e o presidente Trump é muito impopular. Cidadãos quiserem ir às urnas para mostrar o seu descontentamento de uma forma que impactasse o restante do seu mandato na Casa Branca.

EXAME – O que os resultados revelam sobre a sociedade Americana pós-eleição de Trump?

Melissa Michelson – Os Estados Unidos estão divididos. Vimos vitórias entre democratas progressistas como Alexandria Ocasio-Cortez no Bronx (Nova York) e Jack Rosen em Nevada. Ao mesmo tempo, Ted Cruz foi reeleito no Texas e Steve King conseguiu garantir seu assento por Iowa. Temos no país áreas profundamente azuis, outras profundamente vermelhas e nada no meio. No geral, o Partido Democrata foi muito bem, mas a “onda azul” não foi exatamente um tsunami.

EXAME – Testemunhamos um número recorde de mulheres concorrendo nas eleições legislativas de 2018. Na sua visão, por que isso aconteceu e o que isso significa?

Melissa Michelson – Não apenas vimos um recorde de mulheres concorrendo, mas um número recorde de mulheres vitoriosas, incluindo latinas no Texas, uma negra em Massachusetts, muçulmanas em Minnesota e no Michigan. E essa não é a lista completa.

Adicionalmente, a maioria dessas mulheres candidatas e vencedoras concorreram pelos democratas, o que mostra a persistente, se não crescente, divisão na sociedade americana. Enquanto mulheres fizeram história em 2018, elas ainda estão longe de atingir a igualdade. Os homens ainda dominam a política americana e isso deve continuar dessa maneira por muito tempo.

EXAME -  Quem você considera ser o maior perdedor e quem é o maior vencedor das eleições legislativas de 2018?

Melissa Michelson – O maior perdedor é Donald Trump. Ele não estava na disputa, mas mesmo que seu nome não constasse na cédula, foi rejeitado pelos eleitores.

Acredito que a maior vencedora é a população da Flórida, onde 1,4 milhões de pessoas tiveram seus direitos políticos restaurados em razão da Emenda 4 (emenda à constituição estadual que devolveu o direito ao voto a ex-presidiários após mais de um século). Essa foi uma grande vitória para a democracia e possivelmente terá impactos dramáticos no futuro das eleições na Flórida.

EXAME – Como você vê o governo de Donald Trump daqui em diante?

Melissa Michelson – Ele provavelmente verá sua administração ser investigada e repreendida com frequência pela Câmara dos Representantes. Ele também possivelmente terá de divulgar sua declaração de imposto de renda e terá o Comitê de Inteligência da Câmara no seu calcanhar.

Ele também terá muitas dificuldades em aprovar novas leis a não ser que, como disse a líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi, ele consiga encontrar um ponto comum com os democratas em questões como projetos de infraestrutura e reforma migratória. Mas, honestamente, acho isso improvável.

EXAME – O que as eleições legislativas nos mostram sobre a disputa presidencial de 2020?

Melissa Michelson -  Agora que as eleições terminaram, está aberta a temporada de especulações para 2020. Eu creio que veremos algumas pistas de candidatos à presidência entre grandes vencedores do Partido Democrata, como Sherrod Brown, eleito para o Senado por Ohio, e Elizabeth Warren, por Massachusetts.

Também há possibilidades em figuras que não estiveram nas urnas, mas são estrelas em ascensão no partido, como Kamala Harris, senadora em exercício pela Califórnia, e Kirsten Gillibrand, que atua por Nova York. E acho que esses resultados significam que não veremos uma candidatura de Beto O’Rourke, que tentou se eleger senador pelo Texas, e outros que não conseguiram vencer.

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpEleições americanasEstados Unidos (EUA)LGBTMulheres

Mais de Mundo

Votação antecipada para eleições presidenciais nos EUA começa em três estados do país

ONU repreende 'objetos inofensivos' sendo usados como explosivos após ataque no Líbano

EUA diz que guerra entre Israel e Hezbollah ainda pode ser evitada

Kamala Harris diz que tem arma de fogo e que quem invadir sua casa será baleado