Nayib Bukele, presidente de El Salvador: ameaça à democracia no país (Camilo Freedman/Bloomberg/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de julho de 2021 às 09h23.
Última atualização em 11 de julho de 2021 às 09h25.
Nayib Bukele chegou ao poder em El Salvador como uma promessa de dias melhores em um país pobre, afetado por 12 anos de guerra civil e a corrupção de dois partidos políticos, um de esquerda e outro de direita, que se alternaram no poder desde o acordo de paz de 1992.
Ancorado pelo forte apoio da população e o total controle do Congresso, o presidente de 39 anos vem desmantelando a democracia salvadorenha de um modo sistemático.
Um populista de direita que usa jeans, jaqueta e um boné com a aba para trás, Bukele é craque nas redes sociais e tem TikTok. Usa o Twitter para impor decretos, demitir funcionários e mandar recados. A intolerância não é uma característica apenas do presidente, mas também de sua equipe.
Quando Bukele faz ataques a algum crítico, seus “influenciadores” fazem eco com insultos ainda piores. Essa cascata logo chega a contas falsas, os chamados bots, que até fazem ameaças aos alvos do governo. Uma espécie de máfia digital.
Sua última jogada foi ordenar em maio à Assembleia Legislativa - onde seu partido Novas Ideias obteve a maioria de 61 das 84 cadeiras nas eleições de fevereiro - que destituísse cinco juízes da Suprema Corte, para colocar em seu lugar magistrados fiéis a ele, e o procurador-geral Raúl Melara, que investigava as ligações de Bukele com a gangue Mara Salvatrucha, ou MS-13.
Segundo denúncia feita pelo jornal digital El Faro, Bukele estava negociando com a gangue a fim de reduzir os homicídios e a criminalidade no país e ter apoio eleitoral para eleições legislativas de fevereiro. Em troca, oferecia benefícios à gangue, entre elas a revogação de algumas medidas do próprio governo. Pelo Twitter, Bukele disse que as denúncias eram “fake news”.
A reportagem do El Faro, que teve acesso a documentos oficiais, tinha informações detalhadas de encontros entre funcionários do governo e membros da MS-13. As investigações da Procuradoria não foram concluídas e com a destituição de Merala possivelmente o inquérito será engavetado.
“As destituições são resultado de uma intensa luta contra o bipartidarismo tradicional”, diz o analista político César Ulloa professor da Universidade das Américas (Equador).
As demissões atraíram condenação internacional, mas Bukele não deu atenção. Disse que continuaria “limpando a casa”, defendeu as demissões dos juízes e do procurador-geral e declarou, desafiador, que eles não eram um problema da comunidade internacional. “O povo não nos mandou para negociar. Que saiam. Todos”, escreveu no Twitter.
Além das ações na internet, Bukele criou polêmica internacional ao estabelecer a "Lei do Bitcoin", que inclui a criptomoeda, no geral usada para investimentos de alto risco, entre as moedas locais, obrigando comerciantes a aceitar pagamentos feitos dessa forma. O Banco Mundial negou ajuda na transição do país para a criptomoeda.
Pesquisa mostra que a maioria da população não concorda, ou não concorda amplamente, com a adoção do bitcoin como moeda local. Cerca de 54% das pessoas disseram que a decisão "não foi nada correta", e 24% disseram que foi "somente um pouco correta", segundo pesquisa da empresa Disruptiva com a universidade local Francisco Gavidia.
Os sinais de que Bukele não se importava com as regras democráticas se tornaram visíveis quando, em fevereiro de 2020, ele invadiu a Assembleia Legislativa - então dominada pela oposição - acompanhado por soldados armados depois que os parlamentares rejeitaram aprovar uma polêmica verba de US$ 109 milhões para comprar equipamentos para as Forças Armadas e a polícia.
Lá dentro, conclamou o povo à insurreição, disse que os parlamentares eram sem-vergonhas e deu um prazo para que aprovassem o crédito. “Está claro quem tem o controle aqui”, afirmou. Acostumado a atribuir-se poderes divinos para tomar decisões, ele rezou, sentado na cadeira do presidente da Casa, e disse que Deus lhe aconselhara a ter paciência.
“Em seu governo Bukele promoveu um sistemático ataque à institucionalidade, ao estado de direito, desrespeitou decisões judiciais, assediou opositores, fechou as portas à transparência e, pior ainda, utilizou as forças de segurança como os braços armados de seus caprichos políticos”, diz o analista político salvadorenho Ricardo Avelar.
Filho de um empresário de origem palestina, Bukele sempre se apresentou como uma pessoa próxima do povo, algo que o ajudou a vencer no primeiro turno, com 53% dos votos, a eleição presidencial de janeiro de 2019. Bukele acabou com o bipartidarismo que imperava no país havia três décadas e se tornou o primeiro presidente de El Salvador que não pertence nem à Arena, partido de direita, nem à Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), um grupo guerrilheiro que se tornou um partido político socialista.
Começou sua vertiginosa carreira aos 30 anos, quando foi eleito prefeito do povoado de Nuevo Cuscatlán, em 2012. Três anos depois, venceu as eleições para prefeito de San Salvador, pela FMLN. Acabou sendo expulso do partido em 2017 por disputas de poder e, migrando da esquerda para a direita, se candidatou à presidência pelo partido Grande Aliança pela Unidade Nacional (Gana), que surgiu de uma divisão da Arena. Já no poder, criou o próprio partido, o Nova Ideias, com o qual conquistou a maioria no Congresso Unicameral este ano.
Proximidade das polícias. Aos poucos, Bukele vem mostrando sinais ditatoriais. Eliminou os benefícios fiscais de que os jornais desfrutavam desde 1950 e iniciou uma acirrada campanha de difamação dos meios de comunicação. Em seus dois anos de governo, o presidente millennial também devolveu às forças de segurança um protagonismo e um papel político perdidos em meio ao acordo de paz.
“Bukele já é um ditador”, afirma o cientista político Dardo Justino Rodriguez Masci, especialista em análise de riscos.
Durante a campanha, Bukele condenou os casos de corrupção ligados à Arena e à FMLN, tentando conquistar os eleitores cansados dos partidos tradicionais e de anos de roubalheira, mas agora acusações batem à sua porta.
Em 1.° de julho, os Estados Unidos divulgaram a chamada ‘Lista Engels’ com os nomes de 50 funcionários e ex-funcionários de El Salvador, Guatemala e Honduras, a quem consideram “atores corruptos e antidemocráticos” e aos quais proibiu a entrada no território americano. No caso de El Salvador, se destacam pessoas próximas a Bukele: sua chefe de gabinete, Carolina Recinos, e o ministro do Trabalho, Rolando Castro.
Para Bukele, só falta constitucionalizar seu autoritarismo, algo que ele pode fazer em setembro quando pretende anunciar mudanças na Carta Magna.
O governo assegura que apenas quer atualizar a Constituição e não busca enterrar a alternância de poder no país. Jornalistas, acadêmicos, políticos e líderes da sociedade civil temem que Bukele procure usar a reforma para revogar o artigo 258 e se reeleger indefinidamente.
(Da Redação, com Estadão Conteúdo)
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