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O legado da Rio+20

“O valor da Rio+20 está na criação de agendas que não seriam discutidas de outra formas”, acredita Aron Belinky


	Militares próximos ao Riocentro, na Rio 20
 (Nacho Doce/Reuters)

Militares próximos ao Riocentro, na Rio 20 (Nacho Doce/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2012 às 16h16.

São Paulo - Para analisar os resultados da Rio+20 e da grande mobilização que ela provocou, como também o contexto pós evento e soluções para o futuro, o movimento Planeta Sustentável realizou debate que reuniu ontem – na sede da Editora Abril, em São Paulo – personalidades importantes com participação ativa na conferência como Fábio Barbosa, Eduardo Giannetti, Justiniano Neto e Aron Belinky.

A conversa foi mediada por André Lahoz, diretor de redação da revista Exame. Na plateia, 120 pessoas, entre especialistas em sustentabilidade, executivos e jornalistas.

Fábio Barbosa, presidente da Abril S.A. – que, durante a conferência participou dos Diálogos Sustentáveis da ONU, do Fórum do Pacto Global, do Fórum do BASD e do Rio+Social organizado pela UN Foundation da qual é conselheiro e recebeu o prêmio Champions of the Earth, do Pnuma -, foi o primeiro a falar.

Para ele, ficou muito claro que os governos não conseguirão agir sozinhos e que devem ser pautados pelos anseios da sociedade, por isso mesmo, a mobilização da sociedade civil foi tão importante. “Já vemos hoje jovens mais conscientes, preocupados por exemplo, com a emissão de CO2 do carro que pretendem comprar”, disse.

“Consumidores e empresas devem ser protagonistas e fatores determinantes para que o tema sustentabilidade avance”. Barbosa afirmou, ainda, que esse tema não pode ser visto como um mecanismo restritivo ao crescimento, mas como uma oportunidade de desenvolvimento de novos negócios. “Saímos da Rio+20 com uma visão mais madura, com uma nova visão para nossa sociedade”.

Mais pragmático, Eduardo Giannetti da Fonseca, pós-doutor em economia pela Universidade de Cambridge, cientista social e escritor, também se disse muito impressionado com a mobilização social provocada pela conferência, porém, decepcionado com os desdobramentos práticos do encontro. “Essa é uma trajetória que precisamos mudar, mas a solução ainda está muito longe de acontecer”, afirmou. O economista mostrou, de forma clara, como até hoje o modelo econômico empregado no mundo todo menospreza totalmente o valor dos recursos naturais sobre os bens de consumo.


“A emissão de CO2, provocada nos processos de produção, não está embutida no preço da carne, do leite ou das passagens aéreas que compramos”, questionou Gianetti. Ele citou o caso de uma companhia aérea internacional que lançou um programa em que os passageiros interessados poderiam pagar pela emissão de gases causados pela própria viagem. Apenas 3% disseram-se a favor da iniciativa.

O sistema de preços atual não alerta sobre o custo da degradação do capital natural e o PIB (Produto Interno Bruto) acaba por revelar um valor completamente distorcido, já que demonstra o crescimento de um país quando, por exemplo, há aumento da venda de carros ou nos serviços médicos.

O que esse crescimento do PIB não mostra, entretanto, é que o crescimento da frota de veículos no país é relativamente proporcional ao aumento de emissão de poluentes na atmosfera e consequentemente um maior número de pessoas sendo tratadas nos hospitais por problemas respiratórios. “Os chineses estão acabando com seu lençol freático”, afirmou. “Se for levada em conta a degradação ambiental da China, o crescimento do país seria muito menor. Esse atual crescimento, portanto, é ilusório”.

A solução apontada pelo cientista e escritor é a correção do sistema de preços, a precificação das externalidades. “O preço relativo de bens e serviços terá que mudar. Só a mobilização ambiental não adianta. É preciso mexer no bolso do consumidor”, afirmou. O que aconteceria, na prática, seria o acréscimo do custo da degradação ambiental ao valor dos bens de consumo.

Enquanto os chineses crescem de maneira desenfreada, no Brasil, um bom exemplo de desenvolvimento sustentável vem do Pará. Justiniano Neto, secretário extraordinário de Estado para o Programa Municípios Verdes, também participou do encontro e falou sobre como o Pará tornou possível reduzir o desmatamento por meio de ações conjuntas entre o governo, produtores e iniciativa privada. Durante a Rio+20, o estado assinou compromisso de intenção de chegar ao desmatamento zero até 2020.

“Tivemos grandes avanços na política de redução do desmatamento nos últimos anos, mas a partir de agora virá a fase mais difícil”. Na região, 70% do desmatamento é realizado com o intuito de aumentar as áreas de pecuária. Iniciativas do Programa Municípios Verdes, como a concessão de crédito e redução de ICMS para insumos aos produtores regularizados ambientalmente fizeram com que vários municípios deixassem de fazer parte da lista de grandes desmatadores. “Não podemos tratar a questão ambiental somente com o viés restritivo. É necessário haver um mecanismo pela compensação ambiental”, defendeu o secretário.


Armando Tripodi, gerente executivo de responsabilidade social da Petrobrás e presidente da Rede Brasileira do Pacto Global, falou sobre a importância do planejamento ambiental na redução de custos e gastos das empresas. “A sustentabilidade tem que se tornar uma visão de negócios”, destacou. Para o executivo, a Rio+20 foi um encontro marcante que reuniu lado-a-lado lideranças empresariais globais para discutir o tema. “A Carta Compromisso assinada por 229 empresas foi uma renovação do compromisso sustentável”, afirmou (leia: Carta Compromisso do Pacto Global, Quem assinou a carta e Mais de 200 empresas assinam compromisso por sustentabilidade).

Assim como Tripodi, Aron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis e consultor em sustentabilidade, enxerga o legado positivo da conferência. Belinky trabalhou durante dois anos para a organização do evento.

Apesar de concordar com o que disse o presidente da Rede Brasileira do Pacto Global – que o número muito grande de participantes com poder decisório (188 países), prejudicou a discussão e a chegada a um ponto comum e ainda, em que momento nenhum falou-se no documento final sobre o “limite planetário” – ele destacou os avanços alcançados.

“O valor da Rio+20 está na criação de agendas que não seriam discutidas de outra formas”, argumentou. O consultor citou o que acredita serem os sete pontos mais importantes do documento oficial da conferência, que merecem foco e atenção de todos:

1. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS): Substituirão os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2015. Grupo de Trabalho com 30 pessoas que se reunirá em setembro próximo para trabalhar na construção das novas metas;

2. Fórum Político de Alto-Nível para o Desenvolvimento Sustentável: Criado na Rio+20, substituirá a ineficaz Comissão para o Desenvolvimento Sustentável criada após a Rio92. O prazo para sua instalação é setembro de 2013, na 68ª Assembleia Geral da ONU;

3. Adoção de programa de dez anos para produção e consumo sustentável: Resultante do Processo de Marrakesh, originário da Rio+10, em Johanesburgo (2002), que estava travado na Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU desde 2011;


4. Responsabilidade Social Corporativa: A intenção é avançar na construção de parâmetros, com foco nos relatórios de sustentabilidade. Os países que aderiram – África do Sul, Dinamarca e Brasil, entre eles, com o apoio do GRI – ficaram conhecidos como “os amigos do Parágrafo 47”;

5. Ética e Desenvolvimento além do PIB: Foi reconhecida a necessidade de indicadores de desenvolvimento mais amplos que o PIB. Os países solicitaram à Comissão de Estatística das Nações Unidas que inicie um programa de trabalho sobre o tema;

6. Fortalecimento do Pnuma: Será definido por uma resolução da Assembleia Geral da ONU a partir deste ano. Há claras mudanças em seu papel;

7. Mecanismos de Financiamento: Comitê intergovernamental deverá ser formado e apresentar, em 2014, relatório com propostas em 2014. Analisará demandas de financiamento para o desenvolvimento sustentável, diferentes fontes de recursos já existentes e sua efetividade.

Um dos temas de destaque no debate diz respeito à solução apontada por muitos especialistas para o uso eficiente e mais inteligente dos recursos naturais como forma de reduzir o impacto ambiental.

Para Giannetti, trata-se de uma questão que precisa ser analisada cuidadosamente já que focar na melhor eficiência no uso desses recursos pode aumentar a oferta de bens e serviços e provocar ainda maior prejuízo para o meio ambiente. Para exemplificar seu comentário, ele destacou estudo americano que compara o uso do ar condicionado nos Estados Unidos na década de 60 e nos dias atuais.

No passado, apenas 80% dos domicílios daquele país tinham um aparelho de ar condicionado. O avanço da tecnologia e o barateamento dos aparelhos e da eletricidade resultou num aumento exponencial de seu uso: hoje, 84% das casas americanas têm ar condicionado central.


“Hoje, o que os americanos consomem com eletricidade para o uso de ar condicionado supera todo o consumo norte americano de 1995 e, hoje, da África”, revelou.

Gianetti acredita que Estados Unidos, China e União Européia terão de liderar as mudanças rumo à uma economia que leve em conta, de maneira realista, os custos da degradação ambiental. E há urgência no assunto. Fábio Barbosa salientou: “Estamos avançando, mas o ritmo tornou-se muito lento à medida que a população mundial cresce. É preciso uma mudança premente”.

O presidente da Abril S.A. destacou, também, que a sustentabilidade não pode ser vista como um mecanismo restritivo ao crescimento, mas, sim, como uma oportunidade de desenvolvimento de novos negócios. “Saímos da Rio+20 com uma visão mais madura, com uma nova visão para nossa sociedade”.

E acrescentou: “Prefiro pensar no ‘copo cheio’. Como levar as pessoas a incorporar a sustentabilidade em seu dia a dia e inserir as externalidades para maior dignidade não só aqui, mas no mundo? O modelo econômico atual é exclusivo, ou seja, exclui. Para incluir, precisamos de novos modelos e esses problemas extrapolam fronteiras. Pipocam as necessidades de precificação dos produtos levando em conta a pegada ambiental e, a partir daí, teremos maior pressão por parte de uma sociedade mais consciente. O modelo tem que ser do E e não do OU”.

Sempre otimista, Barbosa vê a mobilização da sociedade e da iniciativa privada como uma ferramenta vital para a construção de uma economia sustentável. A conscientização levará à mudança, sim.

Giannetti, por sua vez, destacou que sem incentivo tal mudança não será possível, mas que é preciso direcioná-los de outra forma. “Há quem veja a agenda ambiental com um viés neocolonialista, mas para mim esse argumento não tem sustentação. O que existe é problema de equidade. E não é só o sistema de preços que é omisso! Os estados nacionais também são”.


E exemplificou: “Recentemente, o Banco Mundial divulgou estudo que demonstra a disparidade na aplicação dos incentivos: foram investidos US$ 500 em combustíveis fósseis, US$ 400 milhões em programas para cultura da pesca e US$ 300 milhões em projetos relacionados à água. Mas não é preciso ir muito longe: no Brasil, o forte lobby da indústria automobilística em detrimento do investimento no transporte público é inacreditável”.

Todos os participantes do debate “O legado da Rio+20” enfatizaram que qualquer mudança só será possível quando todos os atores – governo, iniciativa privada e cidadãos – se envolverem de forma pró-ativa. Fábio Barbosa enfatizou a participação das empresas para acelerar as transformações necessárias: “A empresa que administra bem a área ambiental, vai bem em todos os outros setores”.

O presidente da Rede Brasileira do Pacto Global, Armando Tripodi, ainda lembrou que este é um ano de eleições e que será uma ótima oportunidade para os brasileiros exercitarem seu poder de escolha levando em conta a inclusão destes temas no plano de governo dos candidatos. Que a escolha nas urnas reflita o desejo, tão fortemente expressado na Rio+20, por um desenvolvimento sustentável!

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