NOVOS MORADORES: Brett Walkins com o filho Nolan no terreno em Cape Breton, Nova Escócia, em que construirá sua casa / Ian Willms/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 1 de novembro de 2016 às 10h51.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.
Craig S. Smith © 2016 New York Times News Service
Whycocomagh, Nova Escócia – Quando uma família proprietária de muitas terras na região pouco populosa de Cape Breton estava a procura de trabalhadores para sua loja, ofereceu terras gratuitas para qualquer pessoa que aceitasse um contrato de cinco anos.
A família esperava meia dúzia de currículos; contudo, mais de 50 mil pessoas resolveram concorrer e o telefone não para de tocar.
“Eu esperava alguma reação, mas nada tão grande”, afirmou Sandee MacLean, uma mulher cheia de tatuagens e cabelo acobreado, que teve a ideia junto com a irmã.
O Canadá tem muito espaço, mas não tantas pessoas, e regiões economicamente sonolentas como Cape Breton, na Nova Escócia, têm passado por uma queda constante no número de habitantes. A ilha, com seus 10 mil quilômetros quadrados de floresta e terras aráveis no Atlântico Norte, conta com apenas 130 mil habitantes e tem perdido cerca de mil pessoas ao ano há quase duas décadas.
Com a população da região ficando cada vez mais preocupada com a emigração, a distribuição de terras parece uma boa solução.
“Estamos confirmando que distribuir terras ajuda a atrair pessoas”, afirmou Chris van den Heuvel, presidente da Federação de Agricultura da Nova Escócia. Ele espera que a forte reação à oferta ajude seu grupo na criação de um banco de terras que tornaria as propriedades rurais mais acessíveis, atraindo mais pessoas para a província.
Muitas comunidades que passam por dificuldades econômicas nos EUA já recorreram à mesma ideia nos últimos anos, incluindo cidades em Iowa, Kansas e Minnesota.
Existe um longo histórico de distribuição de terras. As metrópoles europeias que queriam colonizar suas posses no Novo Mundo, assim como o Canadá e os Estados Unidos, distribuíam terras para qualquer um que quisesse se mudar e fazer melhorias.
Contudo, na Nova Escócia, a reação à oferta também ajuda a mostrar quanta gente, abandonada pela economia global, está em busca de um senso de comunidade. Para muitas pessoas, a proposta parecia oferecer uma conexão com uma região culturalmente rica, cheia de rabecas escocesas, ceias comunitárias e quadrilhas.
Jim e Ferne Austin não estavam pensando em nada disso quando decidiram passar a loja para as filhas este ano. Para Sandee e Heather Austin Coulombe, a maior preocupação era encontrar funcionários para a loja.
“Estávamos em pânico, não havia funcionários o bastante”, afirmou Heather.
A família Austin abriu a empresa, a Farmer’s Daughter Country Market, em 1992 em Whycocomagh, Nova Escócia, depois de uma vida como produtores de leite e derivados. Uma mistura de padaria, mercado, sorveteria, fábrica de bolos e loja de presentes ocupa atualmente uma série de prédios vermelhos na beira da estrada em um trecho tranquilo da Trans-Canada Highway.
O pai, que também era produtor de leite, havia adquirido mais de 240 hectares de terra; depois de vender parte delas, sobraram cerca de 80 hectares. O que sobrou consiste basicamente em uma floresta montanhosa – bonita de ver, mas que não tem muito valor a menos que as árvores sejam cortadas. Mas ninguém na família está disposto a desmatar a floresta.
Este ano, o mercado contava com apenas três funcionários em tempo integral, o que tornava difícil corresponder à demanda local por pães do Farmer’s Daughter. Mas é justamente a padaria que ajuda a manter a empresa aberta durante os meses de inverno.
Sandee e Heather tentaram contratar pessoas na cidade, mas afirmaram que era difícil encontrar mão-de-obra confiável e capacitada. O processo de visto para trabalhadores estrangeiros também era muito complicado.
Foi então que tiveram a ideia de oferecer terras.
As mulheres criaram um questionário enfatizando compromissos e valores, deixando claro que a área era remota e desconectada do mundo.
Por volta das dez da noite de um domingo no fim de agosto, as irmãs postaram o convite na página do mercado no Facebook sob o título: “Ilha Paradisíaca Precisa de Pessoas”.
Em cerca de 500 palavras elas ofereceram um emprego, uma comunidade e oito décimos de um hectare para qualquer pessoa disposta a trabalhar no mercado por um período de cinco anos. Desde então, aumentaram a oferta para 1,2 hectare para permitir a instalação de um sistema séptico.
Na manhã do dia seguinte, o convite já havia sido compartilhado 200 vezes. No fim da tarde, uma estação de rádio local as chamou para uma entrevista. Pouco tempo depois, estações de rádio e TV de todo o país começaram a telefonar e a oferta estava entre os as notícias mais compartilhadas do site da Canadian Broadcasting Corp. Mas quando a notícia chegou à imprensa internacional, a porteira foi aberta.
As irmãs já haviam pré-selecionado diversos candidatos antes do convite viralizar. Uma semana depois da postagem original, elas já haviam entrevistado as pessoas que acabaram por contratar.
Os recém-chegados eram três famílias: os Andersons, os Walkinses e os Taits, que chegaram à tempo para a festa de Ação de Graças canadense no dia 10 de outubro. A família Austin, os pais das irmãs que estavam assumindo a loja convidaram todos para o banquete tradicional na família, preparando o maior jantar de Ação de Graças que já organizaram.
Entre pratos de peru, nabo e temperos locais como chow da Farmer’s Daughter Cape Breton (um relish feito de tomates verdes), as famílias se misturaram perfeitamente.
As três famílias disseram que a maior atração era a promessa de uma comunidade em um lugar mais simples e bonito. Os terrenos valem poucos milhares de dólares canadenses e Cape Breton tem muitas terras à venda.
“Eu nunca cheguei a perguntar sobre a terra”, afirmou Sonja Anderson, ex-bancária especializada em hipotecas que dirigiu nove dias através do país, saindo de Vancouver na Columbia Britânica com a filha de 10 anos e os dois cachorros da família.
Micah Tait conta que ele e a esposa, Trish, sempre sonharam em se mudar para o interior. “Esse era basicamente o nosso sonho e resolvemos tomar um atalho”, afirmou.
Ambos disseram que sentiam falta da “sensação de pertencimento” em sua vida em Vancouver, onde trabalhavam como seguranças particulares.
Quando Brett Walkins perdeu o emprego de gerente de construção de usinas de tratamento de água na Columbia Britânica, ele a esposa, Kerry, venderam a casa, compraram uma caminhonete, um trailer e desceram em direção ao litoral norte-americano.
Meses depois, depois de atravessarem o continente com os dois filhos e dois cachorros, chegaram à Ilha de Prince Edward, a oeste de Cape Breton, loucos para comprar uma casa nova.
“Uma hora depois de descobrirmos que outra pessoa já havia comprado a casa, vimos o post da Farmer’s Daughter”, contou Kerry Walkins. Brett Walkins enviou um e-mail no mesmo dia com o título: “Oportunidade de vida comunitária”.
“Foi isso que me chamou atenção. Entrar para uma família que é claramente unida.”
Brett Walkins já passeou pela propriedade, que pode ser acessada através de uma estrada de terra, em busca de um local para construir, enquanto a esposa assumiu suas funções preparando tortas e bolos. O casal planeja construir uma casa autossustentável com painéis solares.
Os recém-chegados, têm vários desafios pela frente. Eles chegaram no meio do colorido outono de Cape Breton, mas um longo e frio inverno os aguarda, sem falar na famosa estação das moscas negras.
Além de ajudar a aumentar as vendas, a publicidade trouxe outras consequências para a Farmer’s Daughter. Um casal local ofereceu para as irmãs 17 hectares de terra sem uso. Produtores de TV já ligaram para conversar sobre um possível reality show ou, mais ao gosto das irmãs, uma série de documentários acompanhando a integração dos recém-chegados à comunidade e a forma como desenvolvem a terra.