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Duterte: meio Chávez, meio Hitler

Lourival Sant’Anna  Nasce um novo Hugo Chávez. Ou um novo Adolf Hitler. Dessa vez, no Oceano Pacífico. Depois de chamar Barack Obama de “filho da puta”, de afirmar que os Estados Unidos mais atrapalham do que ajudam no combate ao terrorismo islâmico e de anunciar a intenção de firmar alianças com a China e com […]

DUTERTE: as Filipinas avançam, mas seu presidente é acusado de violações de direitos humanos  / Romeo Ranoco/ Reuters

DUTERTE: as Filipinas avançam, mas seu presidente é acusado de violações de direitos humanos / Romeo Ranoco/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 29 de setembro de 2016 às 17h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.

Lourival Sant’Anna 

Nasce um novo Hugo Chávez. Ou um novo Adolf Hitler. Dessa vez, no Oceano Pacífico. Depois de chamar Barack Obama de “filho da puta”, de afirmar que os Estados Unidos mais atrapalham do que ajudam no combate ao terrorismo islâmico e de anunciar a intenção de firmar alianças com a China e com a Rússia, o novo presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, se comparou nesta sexta-feira ao ditador alemão e afirmou que quer matar três milhões de drogados que diz haver no país. “Hitler massacrou três milhões de judeus. Agora há aqui três milhões de viciados. Eu gostaria de massacrá-los todos”, disse Duterte para a imprensa, segundo uma transcrição divulgada pela presidência.

É apenas a mais absurda da série de declarações polêmicas do presidente. Duterte disse na noite desta quarta-feira que os tradicionais exercícios militares conjuntos com as Forças Armadas americanas, previstos para os dias 4 a 12, serão os últimos. O anúncio de Duterte, durante visita ao Vietnã, foi mais um golpe nas relações entre os dois países, profundamente abaladas desde sua posse, em 30 de junho. A perda do importante aliado é mais uma fratura na estratégia do “pivô para a Ásia”, desenhada por Obama, e que vem fazendo água com a rejeição tanto de Donald Trump quanto de Hillary Clinton à Parceria do Transpacífico, destinada a isolar a China na região.

Falando à comunidade filipina em Hanói, Duterte, ex-promotor de Justiça que ganhou popularidade como prefeito da cidade de Davao durante 22 anos, apoiando execuções sumárias de narcotraficantes, disse que só não cancelaria as manobras conjuntas com os EUA para não desrespeitar um pacto firmado entre os dois países em 1951. O presidente explicou que vai estabelecer “novas alianças” e que “a China não quer” as manobras com os EUA. O giro na política externa filipina é radical: em julho, as Filipinas venceram uma ação contra a China na Corte Arbitral de Haia, referente à soberania de ilhas e ao trânsito por águas internacionais no Mar do Sul da China. Assim como o Japão, Austrália, Vietnã, Malásia, Indonésia, Taiwan e Brunei, as Filipinas mantêm — ou mantinham, até a ascensão de Duterte — disputas territoriais e de tráfego aéreo e naval com a China nos mares do Sul e do Leste da China.

A cooptação das Filipinas é um lance espetacular para o governo do presidente Xi Jinping, que tem reforçado o teor nacionalista do regime, e que havia perdido terreno para os Estados Unidos, com a assinatura, em fevereiro, do tratado do Transpacífico. A China ficou de fora dessa zona de livre comércio, que inclui 12 países: Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Japão, Malásia, Vietnã, Cingapura, Brunei, México, Peru e Chile, além dos Estados Unidos. Obama declarou explicitamente que a parceria serviria para mostrar que “a China não ditaria as regras do comércio na região”. Entretanto, as posições contra o comércio de Trump e do rival de Hillary nas primárias democratas, Bernie Sanders, forçaram a ex-secretária de Estado a abjurar o acordo pelo qual trabalhara.

Em mais uma confirmação da impressão geral de que o ambiente político está propício para o populismo (com exceção de seu berço, a América do Sul, onde ele vem refluindo), Duterte pretende agora firmar-se com a bandeira do nacionalismo antiamericano. Ele garantiu que visitará ainda este ano Pequim e Moscou, onde disse ser esperado pelo primeiro-ministro Dimitri Medvedev. E que tem intenção de comprar armas chinesas e russas. Duterte se disse “perto do ponto sem volta” nas relações com os EUA, mas garantiu que não queria rompê-las, e sim “abrir novas alianças” com a China e a Rússia, de modo a “quebrar a barreira ideológica”.

As tiradas agressivas do presidente filipino começaram quando ele foi criticado pela ONU por defender que as forças de segurança e grupos de cidadãos atirem para matar em narcotraficantes — práticas adotadas por ele como prefeito. Duterte reagiu dizendo que, se necessário, as Filipinas se retirariam das Nações Unidas. Depois, diante da promessa de Obama de abordar a questão com ele na reunião que teriam durante a cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), no Laos, dia 6, Duterte declarou, na véspera do encontro: Filho da puta, vou xingar você naquele fórum”. Cancelada a reunião pelos americanos, o gabinete de Duterte emitiu uma nota de arrependimento: “Embora a causa imediata foram meus comentários fortes a certas questões da imprensa que provocaram preocupação e estresse, lamentamos que tenha parecido um ataque pessoal contra o presidente dos EUA”.

Um pouco como fazia Chávez depois, vangloriando-se de ter enfrentado líderes poderosos, como foi o caso no seu entrevero com o rei Juan Carlos da Espanha, que o mandou calar a boca, Duterte afirmou depois que ele é que tinha “esnobado” Obama na cúpula. Duterte gosta de xingar a mãe dos outros em situações de “estresse”. Em novembro, durante visita do papa Francisco a Manila, ele o culpou pelo congestionamento na capital filipina, que também estava visitando: “Levamos cinco horas para ir do hotel ao aeroporto. Perguntei quem estava vindo. Disseram que era o papa. Me deu vontade de dizer ‘papa, filho da puta, vá embora’. Não nos visite mais”. Duterte se recusou a pedir desculpas.

Além do comércio e da aliança militar, a mudança de rumo de Duterte atinge os EUA num terceiro pilar de seus interesses estratégicos: a cooperação contra o terrorismo islâmico. Nas Filipinas, incluindo a ilha de Mindanao, de onde Duterte provém, atua o grupo Abu Sayyaf. Forças especiais americanas ajudam no combate ao grupo há mais de uma década. Duterte não quer mais essa ajuda. “Aquelas forças especiais precisam ir embora”, disse ele. “Tem muitos brancos lá. Eles precisam ir.” Na visão do presidente filipino, esses brancos atraem ações de sequestro do grupo para cobrar resgate. Duterte também considera que a presença americana alimenta o ressentimento local, por causa de um massacre de centenas de muçulmanos por parte de militares americanos, em 1906. O presidente se queixa de que os EUA nunca pediram desculpas pelo episódio. As Filipinas foram colônia americana entre 1898, quando os EUA venceram a Guerra Hispano-Americana, até 1946. Os EUA mantiveram bases militares no arquipélago até que o governo filipino ordenou sua retirada, em 1991.

Assim como aconteceu com o chavismo, a aventura de Duterte já começa a prejudicar a economia. O peso filipino caiu na segunda-feira para sua cotação mais baixa desde 2009, depois que ele anunciou sua intenção de se aproximar à China e à Rússia e pediu a retirada das forças especiais americanas do sul do país. A fuga de investidores estrangeiros tem causado a queda nas ações da Bolsa de Valores por seis semanas consecutivas. A agência de análise de risco Standard & Poor’s divulgou um relatório manifestando preocupação com a “imprevisibilidade” que a ascensão de Duterte introduziu na economia. “Não se preocupem com as notas (das agências de risco)”, reagiu o presidente. É assim que tudo começa.

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