Pagamento a atriz Stormy Daniels às vésperas da eleição de 2016 pode ter sido crime eleitoral e levar Trump a indiciamento criminal (Eduardo Munoz/Reuters)
Redação Exame
Publicado em 21 de março de 2023 às 06h48.
A terça-feira, 21, será de grande suspense nos Estados Unidos. Todo o noticiário do país e internacional foca em um possível indiciamento do ex-presidente Donald Trump em Nova York, acusado de ter comprado o silêncio, em 2016, de uma atriz pornô com quem teria tido uma relação. Trump, que nega a acusação, diz se tratar de uma “caça às bruxas”, e convocou seus apoiadores a apoiá-lo. Se ele for indiciado, será a primeira vez que um presidente ou ex-presidente dos EUA enfrentará acusações criminais.
Segundo a AFP, mais de uma dúzia de agentes do Departamento de Polícia de Nova York se reuniram neste fim de semana com autoridades de segurança do prefeito de Nova York, o democrata Eric Adams, em antecipação a possíveis protestos, de acordo com The New York Times. Isso porque Trump disse no sábado, 18, na rede social Truth Social que será "preso" nos próximos dias e convocou seus apoiadores.
Diante do temor por possíveis tensões, inclusive com violência, a polícia nova-iorquina respondeu à AFP que “seu estado de preparação é uma constante em todo momento e em todos os casos” e que está “coordenando” com o FBI (polícia federal americana) e a promotoria de Manhattan.
Para Trump, trata-se de uma “caça às bruxas”. Ele alega que o evento investigado já prescreveu há dois anos. “E o mais importante, NÃO FOI CRIME!”, escreveu nesta segunda-feira, 20, na Truth Social.
O bilionário de 76 anos, que mudou de forma persistente o equilíbrio dos poderes nos EUA, voltou nesta segunda a atacar, por meio da Truth Social, a atuação do promotor Alvin Bragg, que chamou de “corrupta”. O promotor negro e democrata foi eleito pela população, como todos os juízes e promotores no país.
A advogada de Trump, Susan Necheles, denunciou no sábado à AFP uma “perseguição política” contra seu cliente.
Segundo a AFP, o caso de Stormy Daniels é juridicamente complexo. A Justiça tenta esclarecer se Trump é culpado de falso depoimento (uma infração) ou de infringir a lei de financiamento eleitoral (uma ofensa criminal) ao pagar 130 mil dólares a Stephanie Clifford, verdadeiro nome de Daniels, semanas antes das eleições de 2016, segundo a acusação.
Na semana passada, a investigação se acelerou. Michael Cohen, ex-advogado e agora inimigo do republicano, responsável por entregar o dinheiro a Daniels, e a atriz prestaram depoimento perante um grande júri, cujo veredito pode levar a uma acusação.
Trump também foi chamado a falar a esse júri. Outro de seus advogados disse que ele “compareceria” no caso de uma intimação do tribunal nova-iorquino. “Os promotores quase nunca convidam o alvo da investigação a depor ante o grande júri a menos que tenha a intenção de acusá-lo”, explicou à AFP o ex-promotor e professor de direito Bennett Gershman.
De acordo com o advogado Renato Mariotti, também ex-promotor de Nova York, é provável que, no caso de um indiciamento, Trump, que vive em sua mansão de Mar-a-Lago, em Palm Beach, Flórida, compareça voluntariamente ao tribunal de Manhattan.
Mas por razões de segurança e para evitar “um espetáculo”, é “provável que não chegue ao tribunal pela porta principal”, apontou Robert McDonald, professor de direito penal e ex-agente do Serviço Secreto, que protege os presidentes dos Estados Unidos.
O maior medo das autoridades é uma repetição do caos do ataque ao Capitólio, sede do Congresso em Washington, em 6 de janeiro de 2021, quando Trump incitou seus apoiadores a ignorar os resultados das urnas, que deram a vitória nas presidenciais do ano anterior ao democrata Joe Biden.
No domingo, vários caciques republicanos manifestaram apoio a Trump, em particular seu ex-vice-presidente, Mike Pence, que rompeu com o magnata em 2021, e com quem poderia competir nas primárias pela indicação republicana às eleições de 2024.
Daniels se reuniu com os promotores na quarta-feira, 15, e "concordou em estar disponível como testemunha ou para uma maior investigação, se necessário", segundo seu advogado Charles Brewster.
Segundo o New York Times, Stormy Daniels conheceu Trump em julho de 2006 durante um torneio de golfe no estado de Nevada -- onde fica Las Vegas. Em livro de memórias, a atriz relembra ter sido chamada de "white trash", um termo pejorativo e usado geralmente para pessoas brancas e pobres.
Ela passou a trabalhar como "dançarina exótica" antes do fim do ensino médio. Aos 23 anos, iniciou a carreira na indústria adulta.
Ao conhecê-la, segundo o reporter Michael Rothfeld do NYT, autor de um livro sobre os "faz-tudo" do ex-presidente, Trump já havia feito a transição de empresário do meio imobiliário para celebridade ao apresentar o reality show "O Aprendiz".
Trump e Daniels se cruzaram no campo de golfe e, posteriormente, na loja de souvernirs, onde foram fotografados juntos em uma cabine do estúdio para qual ela trabalhava, Wicked Pictures. Então, Trump a convidou para jantar.
A atriz e o ex-presidente foram à cobertura de Trump em Lake Tahoe, cidade na divisa da Califórnia com Nevada. Lá, Trump teria dito que ela deveria fazer parte de "O Aprendiz". "Ela duvidou que ele pudesse fazer acontecer. Ele garantiu a ela que poderia", diz trecho da reportagem do NYT.
A relação continuou, segundo ela, com telefonemas de Trump a partir de um número bloqueado -- e eles se viram ao menos mais duas vezes em 2007. "Mas não dormiram juntos de novo. E Trump nunca a colocou em 'O Aprendiz'. Mesmo assim, ele continuou a telefonar, segundo ela. Eventualmente, ela parou de atender", relata Rothfeld.
Stormy Daniels tentava vender a informação do caso com o bilionário desde o começo da década de 2010. Com a ajuda de um agente, ela negociou um acordo de 15 mil dólares com uma revista de celebridades chamada "Life & Style" afirmando à publicação que Trump mentiu ao prometer fazer dela uma participante do programa de televisão.
Ao contatar a Trump Organization, a revista foi procurada pelo advogado de Trump, Michael Cohen, um dos "faz-tudo" aos quais o jornalista se refere, e ameaçou processar a revista. A publicação derrubou, no jargão jornalístico, a história. Stormy Daniels não foi paga.
No começo de 2016, ela tentou sem sucesso vender novamente a história -- por 200 mil dólares dessa vez. Na época, Trump era candidato pelo partido Republicano. Novamente sem sucesso.
A situação mudou em outubro de 2016, quando o Washington Post noticiou o caso que ficou conhecido como "Access Hollywood", no qual Trump falava de forma agressiva sobre como havia assediado uma mulher. Segundo Rothfeld, do NYT, foi quando as pessoas próximas a Stormy Daniels identificaram uma vulnerabilidade de Trump. Três dias após a história sair nos jornais, o advogado de Trump fez um contrato de 130 mil dólares com Daniels.
Mesmo após assinatura do contrato, Daniels não recebeu o dinheiro, o que a levou a considerar que Trump queria esperar até as eleições, em novembro. Caso ele perdesse, sua história perderia valor. O advogado de Stormy Daniels cancelou o acordo e voltou a procurar Cohen. Dessa vez, alegava que, caso a informação viesse a público, também seriam reveladas as tratativas para cobrir a história.
Segundo Rothfeld, do NYT, Cohen aceitou pagar ele mesmo e transferiu os recursos para uma companhia com sede Delaware, estado conhecido como paraíso fiscal dentro dos EUA. Mais tarde, quando Trump já estava na Casa Branca, o então presidente reembolsou seu advogado.
O caso investiga um pagamento de 130 mil dólares feito em 2016 à atriz pornô Stormy Daniels - cujo verdadeiro nome é Stephanie Clifford - para que ela guardasse silêncio sobre a suposta relação que teve com Trump. O pagamento foi feito duas semanas antes da eleição em que o republicano derrotou a democrata Hillary Clinton.
Cohen foi condenado a três anos de prisão depois de se declarar culpado, em particular por ter orquestrado esse pagamento em violação das leis sobre o financiamento de campanhas eleitorais. Ele, no entanto, garantiu ter agido a pedido de Trump, que o reembolsaria assim que fosse eleito presidente.
Segundo o New York Times, o ex-presidente poderia ser acusado de tentar maquiar relatórios contábeis para dissimular o pagamento a Stormy Daniels. Um crime que poderia ser mais grave se os promotores considerarem que Trump buscava contornar os regulamentos sobre financiamento de campanhas eleitorais, segundo a publicação.
Por mais de uma década, Cohen foi advogado pessoal de Trump, com conhecimento de seus negócios multimilionários e suas duas supostas amantes secretas, cujos relatos poderiam ter sabotado a campanha eleitoral de seu chefe em 2016.
Mas Cohen decidiu se afastar de Trump e, desde 2018, testemunhou sob juramento ante um tribunal federal que o presidente ordenou que ele violasse a lei de financiamento de campanhas políticas, além de se declarar culpado de fraude bancária e fiscal.
No sistema de justiça dos Estados Unidos, aqueles que cooperam podem reduzir substancialmente sua pena.
Na segunda-feira, 13, ele prestou depoimento diante de um grande júri em Nova York.
(Com informações da AFP)