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No caminho certo? Autoridade de mudanças climáticas faz 30 anos

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas completou 30 anos. Foi um movimento para reforçar o protagonismo que a França tenta assumir no clima

EMMANUEL MACRON: “Eu não tenho dúvida em relação às mudanças climáticas e como nós temos que nos comprometer a essa questão” / Etienne Laurent/Pool/ Reuters (Etienne Laurent/Pool/Reuters)

EMMANUEL MACRON: “Eu não tenho dúvida em relação às mudanças climáticas e como nós temos que nos comprometer a essa questão” / Etienne Laurent/Pool/ Reuters (Etienne Laurent/Pool/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2018 às 08h09.

Última atualização em 17 de março de 2018 às 11h34.

Paris – O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão científico da ONU para avaliação das evoluções do clima, completa 30 anos em 2018. O governo francês não deixou a oportunidade passar e se candidatou no fim do ano passado para abrigar a 47ª assembléia do painel, que aconteceu entre 13 e 16 de março, e de quebra abrir o evento com uma cerimônia para celebrar a data. A comemoração aconteceu nesta terça-feira 13 na sede da Unesco em Paris, e contou com a presença de Nicolas Hulot, ministro da Transição ecológica, Jean-Yves Le Drian, ministro das Relações Exteriores, e Frédérique Vidal, ministro da Educação Superior, Pesquisa e Inovação.

Acolher o evento de aniversário do IPCC, assim como a assembleia focada nos meios de financiamento do painel, faz parte da estratégia francesa para assumir a liderança da luta contra as mudanças climáticas. Essa foi uma das bandeiras de Emmanuel Macron durante a campanha presidencial, e uma vez eleito, o presidente francês chegou a publicar um vídeo em sua conta no Twitter convidando cientistas americanos a virem para o país. “Essa é uma mensagem para pesquisadores americanos, empreendedores e engenheiros trabalhando com mudanças climáticas. (…) Eu sei como o seu novo presidente decidiu prejudicar o seu orçamento e suas iniciativas, já que ele é extremamente cético quanto às mudanças climáticas. Eu não tenho dúvida em relação às mudanças climáticas e como nós temos que nos comprometer a essa questão”, disse.

Macron continuou prometendo conservar o orçamento destinado à pesquisa climática e terminou reforçando o convite. “Venham para a França, por favor. Vocês são bem-vindos, é a sua nação.” Em relação ao IPCC, o governo francês também se comprometeu a contribuir com 1 milhão de euros até 2022, ação que foi lembrada mais de uma vez pelos mediadores do evento.

O evento foi aberto pelo presidente do painel, o economista sul coreano Hoesung Lee. “Trinta anos de avaliações do IPCC concluíram que as mudanças climáticas são reais, e vão se intensificar. Nós temos os meios para tomar medidas imediatas para reduzir emissões globais (de gases de efeito estufa)”, disse ele à plateia de 500 pessoas, entre delegados de países e cientistas. “As tecnologias para reduzir emissões na escala necessária já estão disponíveis e devem se tornar ainda mais baratas ao longo do século”.

A consolidação da ciência climática

O IPCC foi criado em 1988, seguindo a recomendação dos cientistas de 29 países diferentes se reuniram em Villach, na Áustria, em 1985. O grupo pediu formalmente às instituições científicas que fossem feitas análises periódicas sobre o conhecimento das mudanças climáticas e suas implicações práticas. Eles também sugeriram que fosse criada uma convenção global sobre o assunto. Com uma ajudinha da primeira-ministra inglesa Margareth Tatcher e do então presidente dos Estados Unidos George Bush, a sugestão saiu do papel.

Criado conjuntamente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (PNUE) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), a missão do painel era avaliar “as informações científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para o entendimento do risco das mudanças climáticas causadas pelo homem”. Na prática, a ideia era reunir um grupo de pesquisadores para analisar as publicações científicas produzidas ao redor do mundo sobre o assunto.

Seria papel dos cientistas avaliar os trabalhos, selecionar as informações confiáveis e relevantes e compilá-las em relatórios, que serviriam como base científica para que políticos pudessem desenvolver novas políticas. O trabalho monumental (para se ter uma noção, hoje cerca de 20.000 publicações científicas são publicadas com a palavra-chave “mudanças climáticas”) não seria remunerado, para garantir a imparcialidade dos dados.

Assim, sob a liderança do meteorologista sueco Bert Bolin, foram criados três grupos de trabalho para estudar a base científica, as medidas de adaptação e os aspectos socioeconômicos do tema. Cada grupo produziria uma parte do relatório de avaliação, que seria publicado em intervalos de seis a oito anos. Cada relatório, antes de ser divulgado, passaria também por uma leitura de delegados dos países-membros – hoje, eles são 195 –, que debateriam a linguagem utilizada para descrever as diferentes constatações científicas, garantindo também a imparcialidade do texto.

Uma das principais orientações do grupo é de estabelecer uma base científica que seja relevante para a criação de novas políticas, mas que não prescreva tais políticas. “Há uma disciplina constante dos autores para que as suas contribuições não sejam prescritivas. Não é fácil, já que os relatórios não são simplesmente resultado do levantamento da literatura científica global, mas também da análise dela”, disse a EXAME a cientista brasileira Thelma Krug, uma dos três vice-presidentes do painel.

Nos últimos 30 anos, o IPCC publicou cinco grandes relatórios mostrando o que se sabia sobre as mudanças climáticas. Os documentos mostram a crescente certeza sobre a influência da ação humana no clima. O primeiro, publicado em 1990, foi cauteloso estabelecendo que “a importância do aquecimento observado é grosseiramente coerente com as previsões dos modelos climáticos, mas ela é também comparável à variabilidade natural do clima”. Ou seja, ainda não era possível saber se a mudança de temperatura fazia parte do ciclo natural da Terra ou se era provocada pelo humano.

Apesar de o segundo relatório, publicado em 1995, ainda reconhecer que não existiam evidências suficientes para concluir o papel da ação humana, ele serviu como base para a elaboração do Protocolo de Kyoto dois anos depois. Os negociadores dos países participantes seguiram a indicação do painel ao estabelecer a meta de redução de 5% de gases de efeito estufa até 2012 em relação à taxa de 1990, que seria obrigatória para os países desenvolvidos. O protocolo foi um marco, mesmo sem a adesão dos Estados Unidos.

O terceiro e quarto relatórios do grupo, publicados respectivamente em 2001 e 2007, apresentaram conclusões mais definitivas graças à evolução tecnológica dos modelos climáticos, que passaram a incluir não só a circulação atmosférica, mas também a dinâmica dos oceanos. O quarto relatório qualificou o aquecimento como “sem equívoco” e concluiu como “muito provável” que o essencial do aquecimento observado desde o meio do século 19 fosse ligado às atividades humanas. Foi nesse contexto que em 2007 o IPCC foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz, junto com o então vice-presidente americano Al Gore. O prêmio reconheceu a qualidade do trabalho do Painel ao “fornecer os fundamentos científicos das medidas necessárias para combater as mudanças climáticas de origem humana”.

Climategate e céticos do clima

O Painel parecia ter conseguido se consolidar como fonte confiável de conhecimento científico quando dois eventos abalaram a sua credibilidade. O primeiro deles, conhecido como Climategate, foi o vazamento de e-mails privados de pesquisadores da Universidade de East Anglia, na Inglaterra. Retirados do contexto, o conteúdo dos emails insinuavam que alguns dados presentes no último relatório do painel teriam sido falsificados para corroborar a tese do aquecimento causado pelo homem. O segundo evento foi a identificação de um erro no quarto relatório, que previa erroneamente que os glaciares do Himalaia perderiam 80% de sua superfície até 2035. A esses dois eventos somou-se o fiasco da COP de Copenhague, em que a seriedade do IPCC foi questionada por alguns países.

Apesar de os pesquisadores envolvidos no caso Climategate terem sido inocentados por uma investigação parlamentar do Reino Unido, e de o IPCC ter reconhecido o erro do quarto relatório e ter adotado uma série de medidas mais rigorosas de revisão para evitar possíveis erros, a comunidade dos “céticos” ou “negacionistas” ganhou espaço. Eles diziam que a ação humana não tinha nenhuma influência sobre o clima, como provava o “hiato do aquecimento”, período entre 1998 e 2012 em que o aumento da temperatura da Terra parecia ter desacelerado.

“A COP de Copenhague não teve o resultado esperado e gerou frustração. Quando estamos frustrados com um problema sem solução, nos tornamos mais suscetíveis a acreditar em alguém que nos diz que o problema não existe”, disse a EXAME a climatologista francesa Valérie Masson-Delmotte, co-presidente do grupo de trabalho que se foca na base científica das mudanças climáticas. “Mas a educação e a conscientização coletiva sobre o assunto evoluiu bastante, acabando com o espaço para dúvidas”.

Foi o que mostrou o mais recente relatório, de 2014, produzido por 830 pesquisadores selecionados entre 3.000 candidatos. O texto qualifica o aquecimento como “sem precedentes” ao menos nos últimos 1.400 anos, sendo o período entre 1983 e 2012 provavelmente o mais quente da história no hemisfério norte. O IPCC concluiu que há 95% de chance de a ação humana ser a principal causa do aquecimento observado desde a metade do século 20.

O trabalho não só calou o grupo dos negacionistas, mas também serviu como base para a assinatura do Acordo de Paris no ano seguinte. Os países estabeleceram as suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa levando em conta a recomendação do IPCC de restringir o aquecimento até o final do século em 2 graus em relação aos níveis pré-industriais, assim como a meta de limitar as emissões a 40 bilhões de toneladas de dióxido de carbono até 2030.

Próximos passos

O IPCC completa seu aniversário em um momento delicado. O ano de 2017 foi o segundo mais quente desde o início dos registros – perdeu para 2016, que conquistou o título com a ajuda de um El Niño. O ano passado também foi marcado por uma agitada temporada de furacões: o Harvey causou enchentes desastrosas em Houston, enquanto o Irma e o Maria deixaram um rastro de destruição pelo Caribe. Na Ásia, o tufão Hato deixou ao menos doze mortos em Hong Kong e no sul da China. “Apesar de não ser possível dizer se um evento pontual é causado pelas mudanças climáticas, nós sabemos que elas farão desses eventos extremos algo mais frequente e ainda mais intenso”, explica o físico brasileiro Paulo Artaxo, que contribui com o IPCC desde 2002.

O pesquisador será autor de um capítulo sobre o as emissões urbanas de gases de efeito estufa no próximo relatório do painel, que será lançado entre 2021 e 2022 e deve trazer capítulos ainda mais interdisciplinares para cobrir todos os aspectos das questões climáticas. Além disso, a equipe do IPCC trabalha para que o grupo de autores seja mais diverso e para que a linguagem do texto seja mais acessível ao grande público. “Esses são dois pontos importantes que precisamos melhorar. Precisamos envolver mais cientistas de países em desenvolvimento e mais mulheres, eles trazem uma perspectiva diferente à discussão”, disse a EXAME a cientista americana Ko Barett, outra dos vice-presidentes do IPCC. “O segundo aspecto é a comunicação: como um órgão científico temos que ser precisos em relação aos resultados, mas devemos fazê-lo com uma linguagem acessível para o grande público”. Segundo ela, o grupo conta com especialistas em comunicação que devem ajudá-los com essa missão.

Segundo o presidente do IPCC, o sul coreano Hoesung Lee, todas as medidas estão sendo tomadas para ampliar as áreas de influência do painel. “Quero que o IPCC seja relevante ao mundo não só na esfera política, mas que sirva como base para a tomada de decisões socioeconômicas. Quero que o painel também ajude a melhorar a qualidade de vida das pessoas”, disse a EXAME. Ele lembra que nos últimos três anos, enquanto a economia mundial cresceu 3%, as emissões não cresceram. Devemos estar no caminho certo.

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