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Nikkeis tornam-se menos atraentes para Japão, diz professor

Relação do governo japonês com os decasséguis, descendentes que se estabeleceram no país, endureceu nos últimos anos, avalia pesquisador da Universidade Musashi


	Trabalhadores em Miyagi, Japão: atraídos no início da década de 90, os brasileiros se tornaram o terceiro maior grupo étnico na nação asiática
 (Yoshikazu Tsuno/AFP)

Trabalhadores em Miyagi, Japão: atraídos no início da década de 90, os brasileiros se tornaram o terceiro maior grupo étnico na nação asiática (Yoshikazu Tsuno/AFP)

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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2013 às 13h33.

São Paulo - Houve uma mudança nos últimos anos na forma como os nikkeis (descendentes de japoneses) brasileiros percebem-se e são percebidos naquele país. Políticas recentes para estimular o retorno da mão de obra estrangeira a seus países de origem são um dos sinais de que o tratamento dispensado à comunidade nipo-brasileira pelo governo tornou-se mais duro.

Atraídos no início da década de 1990 por uma modificação na Lei de Imigração japonesa, os brasileiros começaram a se estabelecer a partir dessa época no país e se tornaram o terceiro maior grupo étnico na nação asiática – atrás apenas dos coreanos e chineses.

“Há uma distância importante entre a mudança de autopercepção do nikkei brasileiro no Japão e a forma como a sociedade japonesa enxerga a presença dele no país, que quase não mudou durante duas décadas de convívio”, disse Angelo Ishi, professor da Faculdade de Sociologia da Universidade Musashi, em Tóquio, à Agência FAPESP.

Ishi foi um dos conferencistas no Simpósio Japão-Brasil sobre Colaboração Científica, realizado pela FAPESP e pela Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência (JSPS) nos dias 15 e 16 de março na capital japonesa.

De acordo com Ishi, a partir dos anos 2000, muitos nikkeis brasileiros começaram a deixar de se identificar como trabalhadores temporários ou decasséguis – a forma como ficaram conhecidos no país oriental e no Brasil no começo do processo de imigração para a nação asiática – para se assumir como imigrantes e se estabelecer de forma permanente no país.

Um dos exemplos disso pôde ser observado em março de 2011, quando ocorreu o terremoto seguido de tsunami que provocou o vazamento de reatores nucleares na usina de Fukushima.


Diferentemente do terremoto de Kobe, em 1995, que causou a morte de muitos brasileiros, o desastre de 2011 não registrou nenhuma vítima do Brasil. Mesmo assim, de acordo com Ishi, muitos brasileiros residentes em outras províncias do Japão viajaram rapidamente às regiões afetadas a fim de ajudar os sobreviventes.

“Isso é um dado forte que revela comprometimento e autopercepção dos brasileiros como cidadãos integrantes da sociedade japonesa”, disse Ishi. “Não houve um raciocínio de grupo étnico entre os brasileiros. A questão, para eles, foi de solidariedade entre membros da sociedade japonesa, da qual muitos já se sentem parte.”

De acordo com o pesquisador, o governo japonês, no entanto, já se desencantou há muito tempo com relação à figura do nikkei brasileiro e de outros países sul-americanos como mão de obra ideal. “O Japão tornou-se um país menos simpático à presença do imigrante e tem dados vários sinais relativos a essa mudança de percepção.”

Tratamento diferente

Um desses sinais, de acordo com Ishi, foi a introdução nos aeroportos japoneses de um sistema de coleta das impressões digitais e de registro fotográfico dos estrangeiros, similar ao adotado pelos Estados Unidos.

“À exceção dos coreanos residentes no Japão – que formam o grupo étnico estrangeiro majoritário, com muita influência na sociedade japonesa –, todos os nikkeis, inclusive os brasileiros com visto permanente de residência no país, são obrigados a passar pelo sistema de detecção de terroristas em potencial ou de imigrantes que pretendem se estabelecer ilegalmente no país oriental”, disse Ishi.


Segundo o pesquisador, pela lógica que levou o governo japonês a reformar a lei de imigração de 1990 – segundo a qual o nikkei de qualquer país, por ter raízes com o Japão, tinha o direito de ter o visto facilitado para entrar no país –, todos eles, sem exceção, deveriam ter sido isentados da obrigatoriedade de se submeter ao sistema de detecção. Mas não foi o que ocorreu.

Outra medida polêmica em discussão pelo governo japonês nos últimos anos é a instituição da obrigatoriedade de conhecimento mínimo de língua japonesa como condição para aprovar o visto permanente, sob a alegação de que o estrangeiro residente que não tem o mínimo domínio do idioma nativo gera problemas.

Se a exigência for instituída, na avaliação de Ishi, sociólogo e jornalista que reside há duas décadas no Japão e é colunista do jornal Folha de S.Paulo, mais da metade dos nikkeis no país asiático não passaria no teste de proficiência de japonês.

"Mesmo que essa medida não se concretize em curto prazo, só o fato de ela ser discutida é uma demonstração de que a figura do nikkei como mão de obra para trabalhar no Japão deixou de ser prioridade ou é algo não mais desejável do ponto de vista do governo japonês”, avaliou.

A gota d’água nas relações entre o governo japonês com os nikkeis, segundo o pesquisador, foi o anúncio de um programa para ajudar os imigrantes a retornar aos seus países de origem. O programa forneceria auxílio financeiro para os imigrantes, sob a condição de que não retornassem mais ao Japão.

A medida gerou uma onda de protestos dos imigrantes, que alegaram que era uma retribuição injusta à contribuição dos nikkeis ao país. O governo recuou e anunciou uma revisão na posição em três anos, com possibilidade de autorizar a reentrada no Japão aos descendentes de japoneses com visto permanente que optaram por retornar aos seus países de origem.


O prazo, contudo, expirou em abril de 2012 e não foi permitida a reentrada dos nikkeis que receberam ajuda de retorno voluntário. “Isso fez com que os retornados começassem a pressionar os consulados do Japão em seus países, questionando quando o governo japonês iria se posicionar claramente em relação a isso”, disse Ishi.

Números subestimados

Apesar do endurecimento nas relações entre o Japão e os nikkeis brasileiros, o pesquisador afirmou que o número de brasileiros descendentes de japoneses com visto permanente no país oriental aumentou nos últimos anos. Em 1999, haviam sido concedidos 4.592 vistos permanentes para nikkeis brasileiros. Em 2011, o número (cumulativo) saltara para 119.748.

Além de descendentes japoneses com visto permanente, de acordo com Ishi, atualmente há um boom silencioso de brasileiros com passaporte japonês que não são contabilizados nas estatísticas oficiais do número de brasileiros no Japão.

“Fala-se que há 210 mil brasileiros registrados por nacionalidade no Japão, mas há uma massa invisível de brasileiros que não entraram nessa conta porque já estão com passaporte japonês”, afirmou Ishi. “É preciso que o governo brasileiro mapeie mais a diáspora brasileira tanto no Japão como em outros países.”

Segundo Ishi, o número de brasileiros que residiam no país com visto permanente ou não chegou a aproximadamente 320 mil. O tsunami de março de 2011 provocou a saída de cerca de 10 mil. “Mas o grande tsunami que arrastou muitos brasileiros do Japão para o Brasil já tinha ocorrido com a onda de desemprego de 2008 para 2009”, disse Ishi.

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