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A Nike vira o jogo

Por muitos anos, a maior empresa de artigos esportivos do mundo ficou estigmatizada pelo escândalo do trabalho infantil. Agora, para a Nike, só limpar a imagem não basta

Sarah Severn, da Nike: medalhas para os produtos mais verdes (.)

Sarah Severn, da Nike: medalhas para os produtos mais verdes (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h37.

Quem observa de longe os passos da fabricante americana de artigos esportivos Nike pode ser levado a crer que muito pouco mudou em relação à empresa do início do anos 90 para cá. A companhia era na época a líder mundial em artigos esportivos. Hoje, continua ocupando a primeira posição. A Nike também segue investindo na premissa de que parte do fascínio que sua marca desperta é fruto de sua associação com os maiores atletas do mundo. Durante a década passada, a empresa pagou fortunas para que Michael Jordan, considerado o melhor jogador de basquete de todos os tempos, emprestasse seu nome a uma de suas linhas de tênis, a Air Jordan. Hoje, um dos que ganham rios de dinheiro para propagandear os produtos da marca dentro e fora das quadras é LeBron James, estrela do basquete americano na foto ao lado. Mas existe outra imagem que a Nike luta para afastar há anos: a de empresa socialmente irresponsável. As denúncias de uso de trabalho infantil em fornecedores de países pobres grudaram. A Nike fez um grande e reconhecido esforço para contornar a situação, mas a lembrança do escândalo permanece viva. Agora, a Nike, durante anos um símbolo da irresponsabilidade social no mundo corporativo, quer virar o jogo de outra maneira: tornando-se uma referência na questão ambiental. Ou seja, quer estar no time das empresas que estão liderando a corrida rumo à sustentabilidade. Se o plano soa ambicioso ou pretensioso demais, acredite: há quem diga que ela já está nesse grupo de elite. "Não tenho receio de dizer que a Nike é hoje um modelo, independentemente do tanto que ela ainda precisa fazer", diz o canadense Mark Lee, presidente da SustainAbility, conceituada consultoria em sustentabilidade e uma espécie de think tank do tema.

Diferentemente de empresas como a americana Patagonia, fabricante de roupas e acessórios para a prática de esportes radicais, ou mesmo a brasileira Natura, a Nike não carrega a bandeira ambiental desde sua fundação. Mas a empresa vem aprendendo há algum tempo. No final dos anos 90, a companhia decidiu abolir o uso de hexafluoreto de enxofre, um gás muito mais danoso que o dióxido de carbono quando o assunto é o aquecimento do planeta. O gás era usado nos tênis com amortecimento a ar. Foram necessários quase dez anos de estudos até que, em 2006, a Nike deixasse de usar o gás por completo. "Não foi nada fácil achar um substituto à altura", disse a EXAME a americana Sarah Severn, diretora de sustentabilidade da empresa. Hoje, essa linha de produtos usa o nitrogênio para amortecimento. Iniciativas como essa, porém, eram esparsas. As atenções dos principais executivos da companhia estavam voltadas para o problema das questões trabalhistas nas fábricas contratadas. Quando a poeira levantada por essa questão baixou, ficou clara a percepção de que a consciência ambiental não estava permeando os negócios de maneira efetiva. São vários os sinais de que esse cenário mudou.

Hoje, todos os tênis Nike têm o impacto ambiental calculado desde a primeira ideia dos designers. Eis o raciocínio: já existe uma grande preocupação com o destino dos calçados no fim de sua vida útil - por que não fazer essa pergunta no começo do ciclo? Em 1995, um par de tênis consumia cerca de 340 gramas de solventes para ser produzido. Atualmente, o uso desses químicos tóxicos, na maioria derivados do petróleo, é de apenas 13,4 gramas por par. A empresa também vem reduzindo o desperdício de materiais e está aumentando o uso de matérias-primas mais verdes na fabricação dos produtos. Em 2004, o algodão orgânico representava apenas 2% do total usado pela empresa. Em 2009, a utilização dessa fibra chegou a 14%. Em termos percentuais, ainda é pouco. No caso da Nike, uma empresa que faturou 19,1 bilhões de dólares no ano passado, essa pequena participação significa um total de 9 600 toneladas.


O que está por trás do esforço dos designers da Nike para "esverdear" os produtos é um índice que a empresa criou há cerca de dois anos e vem aprimorando desde então. Com base nele, os profissionais colocam numa espécie de calculadora disponível na intranet todos os materiais que usarão na confecção de determinado item, assim como a quantidade de solventes, químicos e resíduos gerados. Essas informações são processadas e, de acordo com as escolhas feitas pelos designers, o projeto ganha uma nota. Os produtos podem ser classificados como ouro, prata ou bronze. O sistema de medalhas está se tornando uma das principais armas da empresa para avaliar o impacto ambiental de seus produtos. Houve outro resultado inesperado, segundo a diretora Sarah: "Os designers competem entre si para ver quem obtém a melhor pontuação".

O ranking de produtos não é público, mas um artigo escrito por quatro pesquisadores da Sloan, escola de administração do Massachusetts Institute of Technology (MIT), fez algumas revelações. A primeira foi que o tênis de basquete batizado de Dual D Hoop, lançado em 2009, havia obtido a classificação "ouro", para a alegria dos designers envolvidos na sua criação. A celebração se deu, sobretudo, por um motivo: o tal tênis pertence a uma divisão da Nike responsável pelos calçados de menor preço, e seus executivos acreditavam que seria difícil criar um produto verde sem comprometer a margem de lucro. Os materiais que a empresa classifica como menos nocivos ao meio ambiente são, em média, 30% mais caros que os tradicionais.

O que os pesquisadores do MIT também descobriram nos contatos com a Nike é que tentar "medir" a sustentabilidade de produtos é algo extremamente complexo. "Como não há ainda um padrão internacional aceito por todos, é difícil definir que métricas serão usadas para dizer se algo é mais ou menos sustentável", diz a pesquisadora Cate Reavis, que participou do estudo. Outra companhia que se deparou com essa complexidade foi o Walmart. O varejista fala sobre criar uma maneira de medir a "sustentabilidade" de todos os produtos que vende desde meados de 2005, ano em que aderiu oficialmente à onda verde. Em 2009, porém, se deu conta da dificuldade do projeto e pediu ajuda. Agora quem lidera os estudos para a criação das métricas é a Universidade do Arkansas.

O índice que a Nike criou para medir o impacto de seus produtos pode mesmo ter distorções. Mas, para os especialistas, ele é emblemático da mudança de conduta da empresa. No passado, com as denúncias relacionadas à exploração do trabalho infantil, a Nike foi obrigada a se mexer. Agora, por enquanto, ninguém está forçando a empresa a fabricar tênis que tenham zero de impacto no meio ambiente. "Desta vez, ela está sendo proativa", diz Reavis. A Nike também tem se destacado pela veemência com que defende a aprovação de uma política climática. A companhia não só ajudou a criar uma entidade para pressionar os parlamentares - a Business for Innovative Climate & Energy Policy - como, em setembro do ano passado, renunciou à sua vaga no conselho da Câmara de Comércio do país. A medida foi uma retaliação à postura conservadora da câmara para temas ligados ao aquecimento global. Há uma explicação para essa gana da Nike de estar à frente de outras empresas. "Ela estará sempre sob os holofotes", afirma o inglês John Elkington, que cunhou o termo triple bottom line - a ideia de que todo negócio deve observar seus impactos sociais, ambientais e econômicos (e não apenas os financeiros). Ironicamente, segundo ele, a chance de que a Nike volte a ter percalços, também é maior. "A empresa está tentando inovar em sua trajetória rumo à sustentabilidade", diz. "E quem inova comete erros, mesmo sem querer."


 


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