Homem lê a nova edição do jornal Charlie Hebdo em Nice, França. Capa gerou protestos entre a população muçulmana (Eric Gaillard/Reuters)
Da Redação
Publicado em 17 de janeiro de 2015 às 21h03.
Cinco pessoas morreram neste sábado, em Niamei, capital do Níger, em violentos protestos contra a charge do profeta Maomé na capa do jornal satírico francês "Charlie Hebdo" - anunciou o presidente nigerino, Mahamadou Issoufou.
"Em Niamei, o balanço é de cinco mortos, todos civis, entre eles quatro mortos em igrejas e bares", declarou Issoufou, acrescentando que o corpo de uma vítima foi encontrado "carbonizado em uma igreja", neste sábado de manhã, em Zinder.
Com isso, subiu para cinco o número de vítimas fatais das manifestações que aconteceram sexta-feira, em Zinder, também contra o "Charlie".
Além de igrejas e outros lugares de culto, bares, hotéis e lojas pertencentes a não muçulmanos também foram alvo de vandalismo dos manifestantes.
Um morador disse à AFP que Niamei, onde os distúrbios foram contidos, teve um "dia infernal". Uma fonte de segurança ocidental relatou que cerca de dez igrejas foram "queimadas e vandalizadas". Já uma testemunha local contou que duas igrejas foram incendiadas no lado direito da cidade, enquanto um jornalista da AFP constatou que oito templos foram atacados na esquerda.
"Os que depredam esses lugares de culto, que profanam esses lugares, que perseguem e matam seus compatriotas cristãos, ou estrangeiros que vivem em nosso país, não entenderam nada do Islã", denunciou o presidente.
"Sabiam que, comportando-se desse jeito, incitam as populações dos países onde os muçulmanos são minoria a profanar e a destruir as mesquitas? Sabiam que aumentam o preconceito contra nossos inúmeros compatriotas que vivem em países de maioria cristã?", questionou.
Ele convidou os muçulmanos nigerinos a "continuarem o exercício de sua fé na tolerância, no respeito à [fé] dos outros", como "pedimos aos outros para respeitarem nossa fé".
Uma investigação foi aberta sobre essa onda de violência, anunciou o presidente, garantindo que os responsáveis por essas "manifestações selvagens" serão "identificados e punidos conforme à lei".
"Lanço a todos um apelo à calma. Quero pedir que se afastem dessas agitações. Peço a vocês que contribuam para preservar a paz e a tranquilidade, pela qual tanto nos invejam, completou.
Ulemás pedem calma
Em pronunciamento na televisão pública, cerca de 20 ulemás, os teólogos muçulmanos, pediram calma às centenas de manifestantes que tomaram as ruas.
"Não se esqueçam de que o Islã é contra a violência. Peço a homens e mulheres, rapazes e moças, que se acalmem. As ações de destruição não são aceitas no Islã", afirmou o predicador Yaou Sonna.
Embora as manifestações tenham sido proibidas pelas autoridades, por volta do meio-dia, centenas de jovens se reuniram perto da Grande Mesquita de Niamei, aos gritos de "abaixo a França" e "Deus é grande".
O templo foi cercado por dezenas de policiais do Batalhão de Choque, que tentaram dispersar o protesto com gás lacrimogêneo.
"Vamos quebrar tudo. Vamos proteger nosso profeta. Vamos defendê-lo, mesmo que ponhamos nosso sangue em risco", garantiu um manifestante, que segurava uma pedra.
Depois, os incidentes se espalharam por vários bairros do centro da capital e também pelos arredores da catedral, que foi fortemente protegida pela polícia.
"Algumas pessoas ficaram trancadas em suas casas. Nunca senti tanto medo em toda minha vida", desabafou um cristão entrevistado pela AFP, que pediu para não ser identificado.
Dono de uma oficina mecânica, ele permaneceu abrigado no estabelecimento junto com seus funcionários. Pelas frestas da janela, viu manifestantes saqueando uma banca em frente à sua oficina.
"Somos obrigados a fechar a oficina. Temos muito medo. O governo precisa acabar com isso", lamentou.
O presidente afirmou que aqueles que vandalizam as igrejas e perseguem e matam os cristãos no país "não entenderam nada do Islã".
"O que aconteceu em nossa casa, ontem, em Zinder, e hoje, em Niamei, nos desafia. Como podemos aceitar essas igrejas que foram queimadas? Do que são culpados as igrejas e os cristãos do Níger?", questionou Issoufou, em discurso transmitido em rede nacional.
O Níger é um país de maioria muçulmana, atingindo 98% da população, segundo números oficiais. Existe, porém, uma minoria de cristãos e praticantes de cultos animistas.