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Nicarágua é a nova Venezuela? O que as crises nesses países têm em comum

Imersa em uma crise que já deixou mais de 400 mortos, a Nicarágua vive momentos conhecidos pela Venezuela. Entenda

Protestos contra o governo na Nicarágua: desde que a crise começou, em abril de 2018, ao menos 400 pessoas morreram no país (Oswaldo Rivas/Reuters)

Protestos contra o governo na Nicarágua: desde que a crise começou, em abril de 2018, ao menos 400 pessoas morreram no país (Oswaldo Rivas/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 3 de agosto de 2018 às 07h19.

São Paulo - A crise na Nicarágua ultrapassou a marca de 100 dias e não dá sinais de trégua. Nem a pressão doméstica e internacional para que o presidente Daniel Ortega antecipe as eleições, originalmente marcadas para 2021, tem surtido efeito. O diálogo com a oposição naufragaram e o país é agora alvo de sanções por parte dos Estados Unidos.

A turbulência política e social na Nicarágua começou em 18 de abril de 2018, quando protestos pacíficos contra uma reforma da Previdência foram reprimidos com violência pelo governo de Daniel Ortega, que está na presidência desde 2006. O presidente até recuou da medida, mas isso não aplacou a insatisfação dos manifestantes, que agora estão nas ruas contra a sua permanência no poder.

Nesta semana, em entrevista à rede de notícias CNN, o presidente alegou que o país está sob controle e vive na normalidade. Contudo, para a Comissão de Direitos Humanos (CIDH), braço autônomo da Organização de Estados Americanos (OEA), a crise entrou em uma nova e perigosa fase, uma em que as pessoas que participaram das demonstrações estão sendo criminalizadas. Em uma sessão tensa, a organização criou ontem uma comissão especial para acompanhar a crise. Nicarágua, Venezuela e Bolívia rechaçaram a iniciativa, interpretada como uma ingerência na política interna. Mas Brasil, Estados Unidos, Argentina, Chile, Colômbia, Peru, México e Canadá defenderam que a medida é uma forma de garantir a preservação dos direitos humanos.  

Um país que viveu uma situação similar à da Nicarágua é a Venezuela, mergulhada em uma severa crise política e econômica. Em 2017, uma onda de protestos contra e a favor do presidente Nicolás Maduro tomou conta das ruas do país. Assim como os nicaraguenses, os venezuelanos também enfrentaram uma repressão violenta do Estado.

“Há muitas semelhanças entre esses casos”, diz Juan Felipe Celia, diretor-assistente do Centro de Estudos de América Latina do Atlantic Council, um importante instituto de pesquisas em relações internacionais com sede em Washington. “Nos dois países, há um autoritarismo por parte dos presidentes. E ambos causaram rupturas democráticas significativas com a eliminação dos mecanismos de freios e contrapesos”, diz o pesquisador, que é especializado em política da América Central. Ao falar em pesos e contrapesos, ele se refere à separação e à independência das instituições públicas, de modo que uma exerce a função de prevenir abusos das demais.

O que se viu tanto na Venezuela quanto na Nicarágua é justamente o enfraquecimento da oposição e das instituições do Estado, ao mesmo tempo que os seus presidentes foram expandindo sua esfera de influência no poder. Ortega, por exemplo, promoveu uma reforma constitucional em 2014 que retirou o limite de o presidente da República de disputar mais de uma reeleição, abrindo caminho para a permanência de Ortega no poder por tempo indeterminado. O venezuelano Nicolás Maduro, por sua vez, criou uma Assembleia Nacional Constituinte para assumir os poderes da Assembleia Nacional, então controlada pela oposição.

Outro ponto em comum entre a Nicarágua e a Venezuela é a repressão violenta contra os manifestantes. Até o momento, 400 pessoas foram mortas e mais de 2 mil ficaram feridas na Nicarágua durante as ações das forças leais ao presidente. Na Venezuela, 4 mil pessoas foram presas e ao menos 121 morreram durante os 100 dias de manifestações em 2017.

O papel da Igreja Católica é outra semelhança entre os dois conflitos. A Igreja atuou como mediadora e usou a sua posição de neutralidade na tentativa de restabelecer o diálogo entre o governo e os opositores.

Apesar das semelhanças, Juan Felipe Celia, do Atlantic Council, ressalta que também existem algumas diferenças marcantes entre a crise da Nicarágua e a da Venezuela. A mais importante delas é o papel das Forças Armadas. “Na Venezuela, os militares são leais a Maduro e atacaram manifestantes, enquanto que, na Nicarágua, o Exército se mostrou mais independente, recusando se envolver nas ações de repressão”, diz.

Uma segunda diferença importante é também o papel da oposição. Se na Venezuela a oposição é liderada pela chamada Mesa da Unidade Democrática (MUD), uma coalizão de partidos contrários ao chavismo, na Nicarágua esse movimento é mais heterogêneo e abrange diversos setores da sociedade civil, como estudantes, camponeses e empresários.

Tanto a Nicarágua quanto a Venezuela vivem um clima de incerteza e a estabilidade ainda parece distante. Nos dois casos, existe apenas um único caminho para solucionar as crises: uma transição democrática para eleger um novo governo por meio de novas eleições. Esta é a posição tanto da Organização dos Estados Americanos quanto do Grupo de Lima, que reúne 14 países da América Latina e Caribe. Mas esta saída só será alcançada quando Ortega, na Nicarágua, ou Maduro, na Venezuela, decidirem ceder.

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