Advogados do denunciante consideram as revelações perigosas para seu cliente. (Haxorjoe/Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)
AFP
Publicado em 29 de setembro de 2019 às 10h16.
Última atualização em 29 de setembro de 2019 às 11h54.
Proteger um denunciante potencialmente vulnerável versus a necessidade do público de saber quem ele é: a divulgação pelo jornal "The New York Times" (NYT) de dados sobre um homem cuja denúncia levou a uma investigação de impeachment contra o presidente Donald Trump gerou um forte debate nos Estados Unidos.
Após a publicação de uma denúncia segundo a qual Trump promoveu "a interferência de outro país nas eleições americanas de 2020", o NYT informou que o denunciante é um oficial da CIA que trabalhou "em algum momento" na Casa Branca e é especialista em assuntos europeus e na situação política da Ucrânia.
Os advogados do denunciante consideram as revelações perigosas para seu cliente, tanto pessoal quanto profissionalmente. Os pedidos de cancelamento da assinatura do jornal via hashtag #CancelNYT se espalharam pelas redes sociais, onde alguns exigiram a demissão do diretor-executivo Dean Baquet.
Baquet defendeu a decisão argumentando que Trump e alguns partidários haviam questionado a credibilidade do denunciante e que a informação tinha como objetivo permitir aos leitores "fazerem seu próprio julgamento sobre se é ou não confiável".
"Acho que se trata de uma decisão difícil", avalia o professor da escola de jornalismo da Universidade Northwestern Jon Marshall. "O NYT caiu no dilema ético clássico que se apresenta aos veículos de comunicação: buscar a verdade e divulgá-la ou privilegiar a proteção da fonte", explicou Marshall, autor de um livro sobre o legado do escândalo Watergate e a imprensa.
Como outros, Marshall acredita que só haja um punhado de pessoas que se encaixem na descrição do denunciante, e que identificá-lo "poderia colocá-lo em risco". Para ele, descrever a fonte como um oficial experiente da CIA teria bastado para provar sua credibilidade.
O professor de jornalismo da Universidade de Columbia Todd Gitlin avalia, no entanto, que a decisão de divulgar detalhes sobre o denunciante é justificada. "O próprio denunciante deve ter entendido que havia um certo risco em seu ato e deve ter tomado precauções." Além disso, "trabalha para uma organização que se dedica à segurança", assinalou.
"Um buscador da verdade"
Ao contrário de Edward Snowden e Chelsea Manning, que vazaram informações confidenciais de forma não autorizada, este homem cumpriu as regras envolvendo a apresentação de denúncias e trabalhou em consulta com advogados especializados, assinalou a subdiretora do Programa de Proteção de Denunciantes e Fontes, Kathleen McClellan.
Os denunciantes da comunidade da inteligência estão expostos ao risco de represália, observou Kathleen: "Na comunidade de inteligência dos Estados Unidos, não gozam de uma proteção significativa contra represálias."
"Acho que a imprensa deveria respeitar o direito de um denunciante a permanecer no anonimato", opinou a subdiretora, assinalando que o argumento do NYT não se sustenta, porque "a credibilidade da fonte já havia sido estabelecida" pelo inspetor-geral a quem enviou o relatório.
De qualquer forma, a identidade do denunciante provavelmente será conhecida em breve, principalmente quando o Congresso quiser que ele deponha, lembrou Todd Gitlin.
Se for revelado de quem se trata, "será um desses nomes que aparecerão nos livros de história, como Daniel Ellsberg", que vazou os documentos do Pentágono que revelaram que sucessivos governos americanos haviam mentido ao público sobre a Guerra no Vietnã, indicou o historiador Douglas Brinkley no "The Washington Post". "Ele será lembrado, então, como um buscador da verdade."