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Nepal: Protestos violentos são tendência na Ásia e preocupam Índia e China, diz professor

País teve queda do governo após onda de protestos; que ocorrem também em outras nações da região nos últimos anos

Singha Durbar: incêndio atingiu sede do governo do Nepal em meio a protestos liderados por jovens contra corrupção e desigualdade (Prabin Ranabhat/AFP/Getty Images)

Singha Durbar: incêndio atingiu sede do governo do Nepal em meio a protestos liderados por jovens contra corrupção e desigualdade (Prabin Ranabhat/AFP/Getty Images)

Publicado em 18 de setembro de 2025 às 14h47.

Situado entre os gigantes China e Índia, o Nepal possui forte história e laços com as duas nações. O país, que enfrentou uma onda forte de protestos que levou à queda do governo na semana passada, gera preocupação nos dois  vizinhos.

“Tanto a China quanto a Índia devem olhar para a situação com um certo nível de preocupação, por vários motivos”, diz o professor Ritanjan Das, que leciona Estudos Políticos da Ásia do Sul naUniversidade de Leiden (Holanda), em entrevista à EXAME.

“Houve protestos semelhantes no Sri Lanka há dois anos, e em Bangladesh no ano passado, então isso está se tornando uma tendência na região".

A Índia é um dos maiores destinos tanto de estudantes quanto de trabalhadores nepaleses que buscam oportunidades que não existem em seu país.

O Nepal e a Índia também apresentam importantes fronteiras abertas que facilitam o comércio e a movimentação de pessoas. Enquanto isso, como parte da Belt and Road Initiative (Iniciativa Cinturão e Rota), projeto de desenvolvimento global de infraestrutura orquestrada pela China, o Nepal também recebe fortes investimentos chineses e, até então, se alinhava cada vez mais politicamente com o país.

“Para a Índia e a China, o Nepal é um ponto intermediário muito importante, então ambos os países devem observar tudo que está acontecendo com cautela, mas exatamente o que vai acontecer ainda está para ser visto”, diz Das.

Enquanto isso, a presença dos jovens da Geração Z nos protestos pode significar que manifestações semelhantes se espalhem mais facilmente por outros países do sul e sudeste asiáticos com populações insatisfeitas, como Indonésia e Filipinas, impulsionados por redes sociais e sentimento de solidariedade e união entre os jovens.

Infiltrações em protestos

Por mais que tenham se tornado violentos, os protestos eram originalmente de cunho pacífico. Organizadores planejavam atos contra a censura e a corrupção no país, iniciados por um banimento de diversas redes sociais. Começando ao redor das 9 horas da manhã e indo até o meio-dia, essa fase inicial foi tida como sucesso pelos jovens.

Todavia, manifestantes de outros grupos além da Gen Z, como anarquistas, monarquistas e outros radicais políticos, notavelmente mais velhos, levaram a manifestação além das barricadas erguidas pela polícia e agitaram os protestos cada vez mais, gerando reação da lei que inicialmente tentou controlar as multidões com gás lacrimogênio e balas de borracha.

A situação escalou drasticamente após o uso de força letal com armas de fogo pela polícia, que matou 19 manifestantes no primeiro dia.

“Temos boas fontes que nos dizem que a destruição e a violência que ocorreram a seguir foram devidas a diferentes tipos de infiltradores e de ativistas políticos sequestrando as manifestações. Foi algo mais complexo do que apenas um protesto da Gen Z. Começou como manifestações deles, mas temos informações confiáveis de que outros elementos políticos sequestraram os protestos, o que levou à anarquia que vimos, diz Das.

Corroborando essa ideia, o jornalista nepalês Kanak Mani Dixit, que acompanhou os protestos, explica em entrevista à The Wire: “O protesto que ia das 9 ao meio-dia no dia 8 foi sequestrado por intrusos [...] foram eles que tomaram conta das manifestações e foram eles que invadiram as premissas do parlamento, que resultou nessa retaliação horrível pelo exército.”

Como resultado, manifestações no dia seguinte foram violentas e brutais, com muitos prédios parlamentares e residências privadas de políticos sendo incendiados e vandalizados, e muitas lojas e comércios privados saqueados.

Penitenciárias foram invadidas, muitos detentos foram soltos e a violência escalou ainda mais. Como resposta, um depoimento feito por manifestantes da Gen Z diz que o movimento “era e continua sendo não violento e firmado nos princípios de engajamento cívico pacífico.” Os próprios manifestantes então defenderam o retorno do toque de recolher imposto pelas forças armadas.

O governo interino e as bases para o futuro do país

No vácuo político gerado pela renúncia do primeiro-ministro K.P Oli devido às manifestações, um governo interino com a representante escolhida pela Gen Z Sushila Karki busca retornar a normalidade ao país.

“Sushila Karki tem uma reputação por ser muito independente e honesta. Ela tem o apoio da população jovem e prometeu eleições rápidas no começo do ano que vem”, diz Das.

“Karki tem a reputação de ser honesta, por isso acredito que ela tenha sido a melhor candidata. Havia outros nomes sendo debatidos, mas acredito que o dela é o que tem mais credibilidade, e ela tem muito suporte. Ela nomeou alguns ministros para seu gabinete, um dos quais é Kul Man Ghising, outra personalidade muito conhecida no Nepal por consertar a infraestrutura elétrica do país. Ele também tem boa imagem. Só faz alguns dias, mas até então o governo interino e seu gabinete parecem ser feitos de pessoas competentes, estáveis e com boa imagem."

Os outros ministros nomeados por Karki são Rameshwar Prasad Khanal, agora ministro das Finanças, que atuava como secretário de finanças e recentemente recomendou grandes mudanças econômicas, e Om Prakash Aryal, um advogado especializado em direitos humanos que agora tomou o cargo de ministro do Interior.

Ghising atuava como líder da Autoridade de Eletricidade do Nepal (NPA), e agora assumiu o cargo de ministro da Energia. Todos ficaram conhecidos no país por suas posturas contra a corrupção.

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