Obrador: populista de esquerda está na dianteira da disputa eleitoral mexicana, com 40% das intenções de voto
Da Redação
Publicado em 2 de abril de 2018 às 11h39.
Última atualização em 2 de abril de 2018 às 17h49.
Mérida, México — O candidato do governo à presidência do México, José Antonio Meade, decidiu abrir sua campanha neste domingo em Mérida, capital do Estado de Yucatán, no sul do país, governado pelo seu Partido Revolucionário Institucional (PRI).
Numa campanha extremamente inglória para o candidato do governo, a escolha é cercada de simbolismo. “É o berço de uma das civilizações das quais nos sentimos orgulhosos”, explicou Meade, referindo-se ao fato de o império maia ter florescido nesta rica península.
“Mas também é hoje emblema de modernidade, crescimento e prosperidade, de diminuir as distâncias entre o norte e o sul, de construir com orgulho o nosso passado, com a certeza de um futuro que está a nosso alcance”, completou.
No dia 1.º de julho, os mexicanos elegerão um novo presidente, senadores e deputados. Embora seja de longe o candidato mais qualificado, Meade, doutor em economia pela Universidade de Yale, ex-ministro das Finanças, e o que teve mais cargos nos gabinetes, incluindo do rival Partido da Ação Nacional (PAN), figura nas pesquisas em terceiro lugar.
Seu índice de intenção de votos é o mesmo da aprovação do governo do presidente Enrique Peña Nieto: 23%. O destino de ambos está atado a duas terríveis realidades.
A primeira é a intratável violência mexicana, que, impulsionada pela ação dos narcotraficantes, levou ao maior número de homicídios mensais em outubro (2.371), sublinhando o fracasso de Peña Nieto em cumprir sua promessa de diminuir o índice pela metade.
A segunda é a vulnerabilidade do México diante das ameaças de Donald Trump de expulsar os imigrantes mexicanos, construir um muro entre os dois países e descontar o custo da obra das remessas dos trabalhadores nos EUA para suas famílias, punir empresas americanas que investem no país e impor tarifas alfandegárias e cotas sobre seus produtos.
Mesmo tendo firmado 10 acordos de livre comércio com 45 países, o México continua muito dependente dos EUA, que são a origem de 46% dos produtos que importa e o destino de 80% de suas exportações. O Canadá, o outro parceiro no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), vem num distante segundo lugar, com 3%. Alemanha e China importam apenas 1,6%, cada uma, dos produtos mexicanos, e o Brasil, 0,8%.
Nesse ambiente, Andrés Manuel López Obrador, populista de esquerda, candidato pela terceira vez consecutiva, parece para muitos mexicanos a resposta mais eloquente. AMLO, como é conhecido, está na dianteira, com 40% das intenções de voto. O restante é, em grande medida, rejeição. Mas, como a eleição é em apenas um turno (desde 2012, houve 14 propostas de instituir o segundo turno, sem sucesso), ele é, neste momento, o franco favorito.
Em segundo lugar, com 28%, aparece Ricardo Anaya, do PAN, ex-presidente da Câmara Deputados. Com apenas 39 anos, ele foi apelidado pelos jornalistas que cobrem o Congresso de “jovem maravilha”, por sua energia transbordante.
Entretanto, Anaya começou a cair nas pesquisas, depois de ter sido acusado de lavagem de dinheiro na aquisição de um terreno no valor de 54 milhões de pesos (10 milhões de reais). Ele alega que o governo do PRI está usando o Ministério Público para atacar sua candidatura. Mas Anaya, cujo partido quebrou a hegemonia de sete décadas do PRI (entre 1929 e 2000) e governou o México entre 2000 e 2012, enfrenta um outro problema: Margarita Zavala, mulher do ex-presidente Felipe Calderón, rouba votos dele. Ela deixou o PAN para se lançar candidata independente, e está em quarto lugar, com 7%.
Guinada à esquerda?
De maneira que o cenário parece desenhado para López Obrador vencer dessa vez, diferentemente das duas eleições anteriores, em que despontou na frente nas pesquisas e acabou derrotado. Sua vitória representaria um retrocesso nas reformas que o México tem adotado nas últimas três décadas, e que permitiram a sua economia crescer todos os anos apesar da crise financeira global, da gripe suína, da queda no preço do petróleo e até da hostilidade de Trump, com exceção de 2009 (quando gripe suína e crise financeira coincidiram).
AMLO se retirou do seu Partido da Revolução Democrática (PRD) e criou o Movimento Regeneração Nacional (Morena) por discordar do apoio que o partido deu ao plano de reformas de Peña Nieto. Ele promete restituir o monopólio do petróleo, quebrado em 2013, e assim como Trump também quer renegociar o Nafta.
López Obrador diz ainda que vai cancelar projetos de infra-estrutura contratados da iniciativa privada e renegociar a obra do novo aeroporto da Cidade do México, orçada em 13 bilhões de dólares, em que há suspeitas de superfaturamento. Embora Meade não seja acusado de envolvimento, o líder esquerdista fustiga o candidato do governo associando-o à corrupção que promete combater.
Peña Nieto advertiu no dia 23 que voltar atrás na chamada “reforma energética” levaria ao fechamento de 800.000 postos de trabalho e à perda de 200 bilhões de dólares em investimentos anunciados pelas empresas estrangeiras. E obrigaria os contribuintes mexicanos a desembolsar 600 bilhões de dólares que a Pemex, a estatal do petróleo, teria de investir para recuperar sua capacidade de produção.
O índice de desemprego no México é de apenas 3,4%. A inflação está alta, 6,77%, em função da queda do peso frente ao dólar, causada pelas ameaças de Trump. Mas a economia continua em ordem. Entre 2013 e 2017 o PIB cresceu em média 2,5%. No ano passado, foi 2,1%. Os mexicanos se queixam de que deveria crescer mais. Claro, quem não quer?
Em 2012, Peña Nieto venceu no Estado de Yucatán com 42% dos votos. No total, o PRI ganhou em 21 dos 31 Estados e Distrito Federal, recuperando a projeção que tinha no país, rompida pelos 12 anos de governo do PAN. Entretanto, os dois mandatos presidenciais de seis anos do PAN não representaram uma ruptura nas políticas econômicas ortodoxas, reformas liberais e aposta no livre comércio. Já uma vitória de AMLO poderia reverter todas essas conquistas. Seria a primeira consequência concreta e duradoura, em outro país, da eleição de Trump.