Presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, diante da embaixadora ucraniana Oksana Markarova (AFP/AFP)
Carolina Riveira
Publicado em 2 de agosto de 2022 às 11h56.
Última atualização em 11 de agosto de 2022 às 14h33.
A presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, desembarcou em Taiwan na manhã desta terça-feira, 2, em um movimento que amplia as controvérsias na relação entre China e Estados Unidos.
A parlamentar, cuja chegada era aguardada há algumas horas, se tornou a oficial de maior escalão dos EUA a visitar Taiwan em 25 anos.
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A viagem de Pelosi não estava confirmada até o último minuto, embora já fosse dada como certa nos últimos dias, em meio ao tour da parlamentar pela Ásia.
Em comunicado, Pelosi afirmou que a visita "honra o compromisso inabalável da América em apoiar a vibrante democracia de Taiwan".
"Nossas discussões com a liderança de Taiwan se concentrarão em reafirmar nosso apoio ao nosso parceiro e na promoção de nossos interesses compartilhados, incluindo o avanço de uma região do Indo-Pacífico livre e aberta", disse o comunicado da presidente da Câmara.
Em mensagem indireta à China, Pelosi disse também que "a solidariedade" dos EUA para com os habitantes de Taiwan é "mais importante do que nunca, pois o mundo enfrenta uma escolha entre autocracia e democracia”.
O governo do presidente americano, Joe Biden, disse anteriormente que a decisão de ir a Taiwan seria "exclusivamente" da presidente da Câmara, e que sua viagem não se deu por ordem da Casa Branca.
"Membros do Congresso tomam suas próprias decisões", disse nesta semana a secretária de imprensa de Biden, Karin Jean-Pierre.
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O governo chinês afirmou que a visita "infringe seriamente a soberania e integridade territorial da China" e terá "impacto severo" nas relações dos EUA com a China.
O governo chinês deu seguidas declarações contra a viagem nos últimos dias, e o caso também foi pauta de uma rara ligação direta entre o presidente chinês, Xi Jinping, e o americano Joe Biden. Pequim disse que a ida de Pelosi a Taiwan poderia ter "consequências" e pediu aos EUA que não "brinque com fogo".
Taiwan é uma porção separada da China continental desde 1949, quando o governo do Partido Comunista Chinês chegou ao poder e parte dos opositores se refugiou na ilha. A China não considera Taiwan um território independente da porção continental e o status da ilha (que não é um país reconhecido) é controverso.
Os EUA também não reconhecem a independência de Taiwan e hoje embasam sua diplomacia no conceito de "China única", reconhecendo a China continental. Ainda assim, prestam historicamente assistência técnica e militar a Taiwan e defendem que a ilha deve ter autonomia para estabelecer um governo próprio, o que gera uma linha tênue na relação com Pequim.
Havia preocupação antes do desembarque de Pelosi, em meio a tropas chinesas posicionadas próximas a Taiwan. O desembarque da parlamentar sem maiores transtornos foi visto como sinal positivo e as bolsas nos EUA, na Europa e no Brasil operavam em alta logo após a chegada de Pelosi nesta terça-feira.
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Pequim considera a visita de um oficial do alto escalão americano uma afronta à soberania chinesa. A crítica da China vem do fato de que uma visita como a de Pelosi pode sinalizar apoio dos EUA à independência de Taiwan, em vez da política de "China única".
A última vez que um oficial estadunidense de escalão equivalente ao de Pelosi havia visitado Taiwan foi nos anos 1990, quando as relações entre China e EUA eram muito mais amenas.
Em 1997, uma visita foi feita pelo então presidente da Câmara, o republicano Newt Gingrich.
Agora, a ida de Pelosi acontece em um cenário muito diferente, com a China tendo se tornado uma potência mundial e em disputa aberta com os EUA.
Taiwan é uma ilha com cerca de 24 milhões de habitantes, a menos de 200 quilômetros da China continental.
O território se considera independente desde 1949, ano em que o Partido Comunista Chinês de Mao Tse-Tung venceu na prática uma guerra civil que perdurava desde 1927 e chegou ao poder na China continental.
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Apesar de os EUA não reconhecerem Taiwan como um país, a autonomia da ilha é um dos assuntos prioritários em Washington desde a Guerra Fria.
Atualmente, os EUA dizem defender o "status quo", isto é, que Taiwan continue com governo autônomo frente à China, mas não defendem a independência do país.
No auge da Guerra Fria, Taiwan e os EUA haviam assinado em 1954 um acordo de defesa mútua, mas o acordo seria encerrado em 1979, quando os EUA passaram a reconhecer o governo comunista na China continental.
A partir daí, os americanos oferecem somente apoio técnico a Taiwan, mas não têm compromisso de defesa. Os EUA evitam mencionar atualmente que defenderão Taiwan no caso de um ataque chinês.
A divisão a respeito do tema se torna ainda mais relevante à medida em que crescem as disputas dos EUA com a China. O novo cenário global faz com que Taiwan seja, na prática, um dos elementos em debate na guerra comercial e política entre as duas potências.
Aos 82 anos, Pelosi é membro do Partido Democrata, o mesmo do presidente Biden, e se tornou nos últimos anos um dos símbolos do alto escalão da legenda.
A parlamentar é atualmente presidente do equivalente à Câmara dos Deputados dos Estados Unidos (no termo em inglês, house speaker).
Ela ocupa o cargo mais importante da Câmara desde 2019, e já foi presidente da Casa também em um mandato anterior, entre 2007 e 2011. Na ocasião, se tornou a primeira mulher a presidir a Câmara dos EUA.
Nascida Nancy Patricia D'Alesandro Pelosi, a atual presidente da Câmara é parlamentar desde 1987, sendo representante de distritos da Califórnia, na costa oeste dos EUA e estado historicamente com votos mais progressistas.
Pelosi tem historicamente posições duras contra a China, o que está na raiz de seu desejo de viajar a Taiwan. Além disso, nos bastidores da política interna americana, também discute-se que a viagem pode ser uma forma de sinalizar para eleitores mais conservadores e anti-China que a bancada democrata no Congresso, liderada por Pelosi, será dura em suas posições e "independente" de Biden quando necessário.
Os democratas enfrentam em novembro deste ano novas eleições de meio de mandato, e pesquisas até agora apontam que o partido do governo pode perder para os republicanos a pequena maioria que possuem hoje na Câmara e no Senado.
*A reportagem poderá ser atualizada com novos desdobramentos.
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