CARTAZES EM ROMA: desde 1994, quando foi introduzido o voto majoritário nas eleições italianas, toda coalizão de governo sempre foi derrotada nas urnas / Alessandro Bianchi/ Reuters
Da Redação
Publicado em 3 de março de 2018 às 08h16.
Última atualização em 3 de março de 2018 às 10h20.
Roma — A descrença nos políticos é o sentimento dominante que acompanha os eleitores italianos às urnas neste domingo. Até o Movimento 5 Estrelas (M5S), do comediante Beppe Grillo, fundado em 2009 com o intuito de se aproveitar desse sentimento, acabou “contaminado”: desde o ano passado, o partido governa Roma, e muitos moradores o culpam pelo caos que tomou conta da cidade coberta de neve nos últimos dias.
“Não acredito em ninguém”, afirma Enzo Mencatelli, de 71 anos, dono de uma loja de louças e metais para casas. “Os políticos são todos iguais. Prometem e quando vão para o governo não estão nem aí.” Mesmo assim, o comerciante sempre votou na direita, e gosta de Silvio Berlusconi, que foi primeiro-ministro quatro vezes.
Dessa vez, Berlusconi não pode ser candidato, por ter sido condenado por fraude fiscal na gestão de sua empresa, Mediaset. Mencatelli pretendia votar em Matteo Salvini, o líder da Liga. Oriunda da Liga do Norte, um movimento separatista, a Liga, criada em dezembro, procura ser mais palatável para o eleitorado nacional do que a sua precursora separatista.
“Precisamos de alguém que rompa um pouco com essa coisa que aí está”, justifica o comerciante. “Roma, por exemplo, tornou-se uma coisa obscena: você viu o caos criado pela neve, os trens bloqueados. Aqui não funciona mais nada.” Ele conta que ficou até contente quando Virginia Raggi, do M5S, foi eleita prefeita de Roma. “Pensei: ‘Ela deve entender alguma coisa’. Mas não aconteceu nada.”
Gabrielle, de 31 anos, que prefere não publicar seu sobrenome, está abrindo um restaurante na região central de Roma. Ele conta que sempre votou no M5S, mas não gostou do desempenho deles na cidade. Agora, ia votar em Giorgia Meloni, líder do partido nacionalista Irmãos da Itália (FdI). “A alternativa, o PD, já vi o trabalho que fizeram e não gostei”, explica Gabrielle. “Não acho que tenham um programa bom para a Itália. É certo que Meloni está com Berlusconi, que é algo que me desagrada”, afirma ele. “Mas seu grupo é formado por figuras organizadas, profissionais e competentes.”
O Força Itália, de Berlusconi, a Liga, o FdI e outro partido nacionalista menor, o Nós pela Itália-UDC, compõem uma aliança de direita que, segundo as pesquisas, é a que tem mais chances de formar governo. De acordo com a média das pesquisas, elaborada pelo Instituto de Estudos da Opinião Pública (Ispo), de Milão, a aliança soma 37% dos votos; o M5S, 28%, e o Partido Democrático (PD), do atual primeiro-ministro Paolo Gentiloni, 27%.
Mas não são todos os que têm essa visão negativa da gestão do M5S em Roma. Maurizio Natalini, um motorista de Uber de 65 anos, lembra que, quando a esquerda e a direita governaram Roma, a cidade era dominada pela chamada Máfia Capital, que controlava todos os serviços municipais: ”Recebiam e não faziam o trabalho. Os caminhões não recolhiam o lixo, as praças não eram cuidadas, Roma era um colapso, um desastre”.
Para Natalini, o M5S “não é nem de direita nem de esquerda, mas um programa muito bom”. Ele cita como exemplo a proposta de conceder um benefício de 780 euros para as famílias mais pobres, que beneficiaria 9 milhões de pessoas. E que os parlamentares do movimento ficam com apenas 2.500 euros do salário de 11 mil. O restante, destinam às pequenas empresas. “Coisa que nenhum partido fez”, diz ele. “Já vi de tudo, mas nunca tinha visto isso. Não nos interessam ideologias. Mas que os impostos que pagamos sejam usados de maneira adequada. Ponto final”.
Entre 2014 e 2016, o então primeiro-ministro Matteo Renzi, do PD, conduziu um programa impressionante de reformas trabalhista, previdenciária, tributária, política e educacional. No primeiro ano, teve apoio da centro-direita. Depois Berlusconi rompeu por causa de um desacordo sobre a eleição do presidente Sergio Mattarella. Berlusconi havia fechado acordo com o ex-primeiro-ministro comunista Massimo D’Alema.
Renzi apostou todo o seu capital político num referendo sobre uma reforma constitucional, que facilitaria a modificação de leis, concentrando os poderes na Câmara dos Deputados e dando ao Senado um papel mais regional. Sua impopularidade pesou para que o “não” vencesse e ele renunciasse, como havia prometido se fosse derrotado.
Renzi foi sucedido por Gentiloni, e agora os dois disputam a posição de primeiro-ministro, caso o PD consiga liderar a formação de uma coalizão. Gentiloni é mais popular e tem o apoio de líderes importantes da centro-esquerda, como D’Alema, um dos muitos que foram alijados do poder no PD por Renzi.
“Reformas não são populares”, observa o economista Vicenzo Galasso, da Universidade Bocconi, de Milão. Ele lembra o caso do ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder, também de centro-esquerda, que realizou reformas importantes na virada do século, e não se reelegeu em 2005. “Do ponto de vista político, as reformas não se pagam.”
Além disso, lembra Galasso a EXAME, desde 1994, quando foi introduzido o voto majoritário nas eleições italianas, toda coalizão de governo sempre foi derrotada nas urnas.
Apesar disso, Serafina, de 32 anos, que cursa pós-doutorado em história da arte, ia votar em Renzi, o mesmo candidato que escolheu nas eleições de 2013. “Eu gosto do governo, não necessariamente do partido”, explica ela. “Gosto de alguns ministros, como Carlo Calenda (do Desenvolvimento Econômico).” Serafina, que pediu para não publicar seu sobrenome, preocupa-se com a tendência à direita e ao nacionalismo.
“Não é uma novidade”, observa ela. “Sempre estamos em momentos desse tipo. Mas não é normal. Precisamos condenar fortemente. Alcança sobretudo jovens, que não têm modelos nos quais se inspirar. O fascismo parece a única coisa que dá uma direção. É preocupante também que não haja modelos melhores.