Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, ao lado do bilionário Elon Musk (Brandon Bell/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 27 de dezembro de 2024 às 20h41.
Donald Trump sequer fez seu retorno triunfal à Casa Branca e fissuras já estão surgindo entre seus aliados. De um lado, estão o bilionário Elon Musk e sua turma do Vale do Silício. Do outro, o movimento MAGA ("Make America Great Again"), a ala mais radical do trumpismo. No centro da disputa está uma pauta-chave na campanha que garantiu a vitória do magnata na eleição — a imigração —, mais especificamente a concessão de vistos H1-B, que permite que empresas tragam profissionais estrangeiros qualificados para os EUA.
As permissões são amplamente utilizadas no Vale do Silício, e Musk — que veio da África do Sul para os Estados Unidos e se estabeleceu com um H1-B — é um defensor fervoroso. Aliados do republicano, porém, afirmam que as empresas deveriam priorizar trabalhadores americanos.
A controvérsia teve início na quarta-feira, quando Musk publicou no X, rede social da qual é dono, que as empresas de tecnologia dos Estados Unidos precisam "dobrar" a quantidade de engenheiros. O bilionário defendeu, então, o incentivo da imigração pela via legal, comparando o país com um time esportivo.
“Se você quer que sua EQUIPE ganhe o campeonato, precisa recrutar os melhores talentos onde quer que eles estejam. Isso permite que toda a EQUIPE vença”, escreveu Musk. “Estou me referindo a trazer, por meio de imigração legal, os ~0,1% melhores talentos da engenharia como sendo essenciais para que os Estados Unidos continuem vencendo. Pensar nos Estados Unidos como uma equipe esportiva profissional que vem vencendo há muito tempo e quer continuar vencendo é a construção mental correta.”
A declaração recebeu o apoio de Vivek Ramaswamy, nomeado por Trump para comandar um departamento inédito de Eficiência Governamental ao lado de Musk. Filho de imigrantes da Índia, o também bilionário foi além e criticou a "cultura americana" por venerar "a mediocridade". Segundo ele, sem uma mudança de atitude dos EUA, "a China nos dará o troco".
“Nossa cultura americana venera a mediocridade em detrimento da excelência há muito tempo (pelo menos desde os anos 90 e provavelmente há mais tempo). Isso não começa na faculdade, começa na juventude”, escreveu na quinta-feira. “Uma cultura que celebra a rainha do baile em detrimento do campeão da olimpíada de matemática, ou o atleta em detrimento do orador da turma, não produzirá os melhores engenheiros.”
Por outro lado, o ceticismo em relação aos benefícios da imigração é uma marca registrada do movimento MAGA, e os comentários dos bilionários irritaram suas figuras mais expoentes, que os acusaram de ignorar as conquistas dos EUA em termos de inovação tecnológica.
A ex-embaixadora da ONU e rival da Trump nas primárias deste ano, Nikki Haley, respondeu à publicação de Ramaswamy pedindo ao novo governo que priorize os trabalhadores americanos.
“Não há nada de errado com os trabalhadores americanos ou com a cultura americana. Tudo o que você precisa fazer é olhar para a fronteira e ver quantos querem o que nós temos. Deveríamos estar investindo e priorizando os americanos, não os trabalhadores estrangeiros”, escreveu.
Para alguns aliados leais de Trump, o Vale do Silício já se meteu demais na política do MAGA.
“Demos as boas-vindas aos irmãos da tecnologia quando eles vieram correndo em nossa direção para evitar que o professor da 3ª série escolhesse o sexo de seus filhos e o óbvio declínio econômico de Biden/Harris”, disse Matt Gaetz, ex-congressista indicado por Trump para dirigir o Departamento de Justiça, mas forçado a se retirar após um escândalo sexual. “Não pedimos a eles que criassem uma política de imigração.”
O visto H-1B permite que 65 mil trabalhadores altamente qualificados imigrem para os EUA todos os anos e concede outros 20 mil vistos a estudantes que tenham obtido um diploma avançado no país, como foi o caso de Musk. Para muitos economistas, o programa permite que empresas americanas mantenham a sua competividade e ampliem seus negócios, sendo muito comum no setor de tecnologia, que têm uma alta demanda por profissionais especializados.
No seu primeiro mandato, Trump criticou o visto H-1B alegando ser um método para empresas trazerem trabalhadores estrangeiros para o país “com o propósito explícito de substituir os trabalhadores americanos com salários mais baixos”. Em 2020, ele restringiu o acesso aos vistos em várias ocasiões como parte dos esforços para restringir a imigração e, ao mesmo tempo, responder aos impactos econômicos da pandemia da Covid-19.
Na campanha deste ano, porém, ele mudou o discurso. Em entrevista a um podcast em junho, Trump disse que planejar oferecer residência permanente a estrangeiros que se graduassem nos EUA.
— O que eu quero fazer e o que farei é: se você se formar em uma faculdade, acho que deveria receber automaticamente, como parte do seu diploma, um green card para poder ficar neste país — disse Trump no podcast ‘All In’.
Ainda não se sabe se o racha poderá ser revertido ou se é um presságio de mais conflitos, indicando que o caos do primeiro mandato possa voltar.
“Estou ansiosa pelo divórcio inevitável entre o presidente Trump e a Big Tech”, disse a teórica da conspiração de extrema direita Laura Loomer, uma figura MAGA com tanta influência que teve um assento no avião de Trump durante a campanha. “Temos que proteger o presidente Trump dos tecnocratas”.
Posteriormente, Loomer reclamou de censura após ter sido destituída de seus assinantes pagantes no X, propriedade de Musk desde 2022.
“Censura total da minha conta simplesmente porque eu denunciei os vistos H1B”, ela postou. “Esse é um comportamento antiamericano dos oligarcas da tecnologia. O que aconteceu com a liberdade de expressão?”
O confronto de Musk com membros da base de Trump marca outro capítulo da crescente influência do bilionário na órbita do presidente eleito. Depois que Musk liderou a oposição a um projeto de lei bipartidário de financiamento do governo, que acabou sendo descartado quando Trump se manifestou contra, os democratas começaram chamá-lo de “Presidente Musk”, sugerindo que o dono do X estava ditando as metas de Trump.
Em um encontro com conservadores no Arizona no domingo, Trump rebateu os ataques dos democratas.
— Não, ele não está assumindo a presidência. Gosto de ter pessoas inteligentes — disse ele. — Eles estão em uma nova fase. 'Rússia, Rússia, Rússia', 'Ucrânia, Ucrânia, Ucrânia', todas são diferentes farsas. A nova é 'O presidente Trump cedeu a presidência para Elon Musk'. Não, não, isso não está acontecendo.