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Morre Robert Mugabe, o herói que virou déspota no Zimbábue

Mugabe, que esteve durante 37 à frente do país, passou de herói da independência a tirano que provocou o colapso econômico de seu país

Robert Mugabe: ex-presidente tinha 95 anos (Tafadzwa Ufumeli/Anadolu Agency/Getty Images)

Robert Mugabe: ex-presidente tinha 95 anos (Tafadzwa Ufumeli/Anadolu Agency/Getty Images)

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AFP

Publicado em 6 de setembro de 2019 às 07h57.

Última atualização em 6 de setembro de 2019 às 07h58.

São Paulo — Durante seus 37 anos à frente do Zimbábue, até sua queda em 2017, Robert Mugabe passou de herói da independência e amigo do Ocidente a tirano que provocou o colapso econômico de seu país.

O ex-presidente, que faleceu aos 95 anos nesta sexta-feira (6), renunciou em novembro 2017, sob pressão do exército.

"Foi um dirigente formidável, mas o poder terminou o degenerando a ponto de ter deixado o Zimbábue de joelhos", resumiu Shadrack Gutto, professor da Universidade da África do Sul.

Quando assumiu o comando do país em 1980, que deixara de ser a Rodésia, uma colônia britânica que era governada pela minoria branca, seu discurso sobre a reconciliação e a unidade rendeu vários elogios no cenário internacional.

"Ontem vocês eram meus inimigos, hoje são meus amigos", disse o ex-comandante de guerrilha.

Mugabe ofereceu ministérios importantes a brancos e inclusive autorizou que o líder da minoria, Ian Smith, permanecesse no país.

O revolucionário Mugabe, repleto de diplomas, era visto como um governante modelo. Em 10 anos, o país avançou a passos de gigante: construção de escolas, de centros médicos e de novas casas para a maioria negra. Mas o brilho inicial não demorou a desvanecer.

Pária

Em 1982 enviou o exército à província de Matabeleland (sudoeste), terra dos Ndebele. A repressão, brutal, provocou quase 20.000 mortes.

Na década de 2000, os abusos contra a oposição, fraudes eleitorais e especialmente sua violenta reforma agrária transformaram Mugabe em um pária internacional.

Destinada em grande medida a aplacar os irritados veteranos de guerra que ameaçaram desestabilizar seu governo, a política de reforma agrária destruiu o setor agrícola crucial, provocou a fuga dos investidores estrangeiros e contribuiu para afundar o país na miséria.

"Mugabe não era humano (...) Alguém poderia admirar suas habilidades e seu intelecto, mas ele era uma pessoa horrível e pouco confiável", declarou o ex-ministro britânico das Relações Exteriores Peter Carrington à biógrafa do ex-presidente, Heidi Holland.

Nas últimas décadas de seu mandato, Mugabe assumiu o papel de antagonista do Ocidente.

Com uma retórica virulenta, ele responsabilizou em seus discursos as sanções ocidentais pela aguda crise econômica de seu país, embora as medidas afetassem ele e seus colaboradores e não toda a economia.

"Se as pessoas dizem que você é um ditador (...) você sabe que elas estão dizendo isso simplesmente para manchar e prejudicar seu status, então você não deve prestar muita atenção", afirmou em 2013 em um documentário.

O tema da sucessão foi um tabu por várias décadas, mas depois que Mugabe completou 90 anos a elite no poder iniciou uma luta implacável.

Grace, sua segunda esposa, uma ex-secretária 41 anos mais nova que Mugabe e que aspirava sucedê-lo, mas que foi suspensa pelo partido Zanu-PF, afirmava que o marido acordava antes do amanhecer para fazer exercícios.

Mas nos últimos anos Mugabe sofreu algumas quedas em público. Em uma ocasião pronunciou o discurso errado para a sessão inicial do Parlamento.

Um católico marxista

Mugabe, nascido em 21 de fevereiro de 1924 em uma família católica na missão de Kutama, ao noroeste de Harare, foi descrito como um menino solitário e estudioso, que sempre estava com um livro na mão, mesmo quando cuidava do gado.

Depois que seu pai abandonou a família quando ele tinha 10 anos, permaneceu concentrado nos estudos e obteve a formação de professor.

Inicialmente se identificou com o marxismo e durante o período de estudante na Universidade de Fort Hare, na África do Sul, conviveu com muitos dos futuros líderes sul-africanos.

Depois de dar aulas em Gana, onde foi muito influenciado pelo presidente e fundador do país, Kwame Nkrumah, decidiu retornar à Rodésia, onde foi detido em 1964 por suas atividades políticas. Passou 10 anos na prisão.

Seu filho de quatro anos, de seu primeiro casamento com a ganesa Sally Hayfron, morreu quando estava na prisão. O líder da Rodésia, Ian Smith, impediu que ele comparecesse ao funeral.

Após décadas no poder, a oposição a Mugabe começou a ganhar força.

"Sua verdadeira obsessão nunca foi a riqueza pessoal, e sim o poder", declarou o biógrafo Martin Meredith.

"Ano após ano Mugabe permaneceu no comando por meio da violência e da repressão, atacando os opositores políticos, transgredindo os tribunais, pisoteando nos direitos de propriedade, suprimindo a imprensa independente e manipulando as eleições", explicou.

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