CORREA E MORENO: o novo presidente terá que dialogar mais com o Congresso / Mariana Bazo/ Reuters (Mariana Bazo/Reuters)
Isabel Seta
Publicado em 3 de abril de 2017 às 17h31.
Última atualização em 23 de junho de 2017 às 14h51.
A eleição equatoriana parece não ter fim. Depois de uma campanha polarizada e de um primeiro turno apertado, os equatorianos voltaram às urnas neste domingo 2 para decidir entre Lenín Moreno, candidato do presidente Rafael Correa, e o centro-direitista Guillermo Lasso. Com 99% das urnas apuradas, a vitória foi da situação, com 51,16% votos para Moreno. Mas a briga ainda não acabou. Nesta segunda-feira, Lasso pediu uma “impugnação” da apuração e a recontagem de todos os votos.
Apesar de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), responsável pela contagem dos votos, ainda não ter dado a palavra final, Moreno já se dirigiu à população como presidente eleito, discursou e cantou com Correa na noite de domingo. Nesta manhã, seu partido, o Aliança País informou que às 11h de amanhã, “o presidente eleito da República do Equador, Lenín Moreno” participará da cerimônia de troca da guarda no palácio presidencial. Lasso, por sua vez, disse que seu partido vai apresentar objeções numéricas ao resultado nas 24 províncias do país. “Estamos em pé de guerra e vamos defender a vontade popular”, afirmou.
A divisão do país marca o mais recente capítulo de acirramento político na América Latina. O Paraguai está em convulsão após um dos líderes da oposição ter sido assassinado horas depois da invasão que terminou em incêndio no Congresso. O presidente, Horácio Cartes, que tenta passar uma medida que permite a reeleição, pediu intermediação da Igreja Católica. Na Venezuela, a oposição organizou protestos contra a tomada do Congresso pela Justiça ligada ao presidente Nicolás Maduro. Após a pressão, Maduro voltou atrás no fim de semana. A Organização dos Estados Americanos divulgou no sábado uma nota em que pede a restauração da ordem democrática no país. Pelo Twitter, Maduro felicitou “a revolução cidadã no Equador”.
Outros países dominados por governos de esquerda, como se sabe, trocaram de comando nos últimos dois anos, como a Argentina, o Brasil e o Peru. A vitória de Moreno marca a continuação de Correa no comando.
Moreno tem 64 anos e foi vice de Correa entre 2007 e 2013. É formado em administração e foi batizado como Lenín por decisão do pai socialista. A mãe, liberal, queria que sei nome do meio fosse Voltaire – acabou sendo Boltaire por erro do cartório. Ficou paraplégico em 1998, ao ser baleado em um assalto. Seu trabalho social para deficientes físicos fez com que fosse indicado ao Nobel da Paz em 2012.
No governo, é certo que manterá o “Socialismo do Século 21”, mas também deve fazer uma gestão menos, digamos, temperamental que a de Correa. O atual presidente acumula desavenças, principalmente com os Estados Unidos, e num dos episódios mais polêmicos de seu governo concedeu asilo fundador do WikiLeaks, Julian Assange, na embaixada do país em Londres, em 2012. Lasso afirmou que, caso eleito, Assange teria 30 dias para deixar o prédio. Nesta segunda, Assange afirmou que o derrotado Lasso é quem deveria deixar o país.
Na própria festa da vitória, no domingo de noite, afirmou que “é necessário outro estilo de governo, um estilo de diálogo, o estilo da mão estendida”. O fato é que o novo presidente não pode se dar ao luxo da mão pesada do antecessor porque o Equador já não vive os benefícios do petróleo nas alturas, que sustentou um crescimento acelerado nos dez anos do governo Correa, período em que o PIB passou de 50 para 90 bilhões de dólares.
Mas a queda no preço do barril dos últimos anos levou a um comedimento do próprio Correa que desistiu, por exemplo, de forçar a mão por novas reeleições. Mais recentemente, perdeu o apoio de comunidades indígenas por acelerar investimentos em novos campos de produção – em muitas dessas comunidades, Moreno teve menos votos que o adversário. Embora o governo tenha mantido o controle do Congresso, terá que dialogar mais por conta da pulverização em um maior número de partidos. Correa, no fim das contas, ganhou a eleição, mas o estilo de governo batizado de Correísmo deve ir embora junto com ele.
“Esse esgotamento vem associado a uma transformação econômica internacional, mas o que vai mudar do projeto de fato, é difícil dizer. Com certeza terá que haver alguma reforma, porque o governo tem menos para gastar”, diz Thomaz Paoliello, professor de relações internacionais da PUC-SP.