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Mladic, o general servo-bósnio símbolo dos horrores da guerra

Condenado à prisão perpétua, Ratko Mladic é considerado o terceiro arquiteto da limpeza étnica em um conflito interétnico que deixou mais de 100 mil mortos

Foto de 1993 mostra Ratko Mladic (centro) chagando a Sarajevo acompanhado de outros militares sérvios (foto/Wikimedia Commons)

Foto de 1993 mostra Ratko Mladic (centro) chagando a Sarajevo acompanhado de outros militares sérvios (foto/Wikimedia Commons)

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AFP

Publicado em 22 de novembro de 2017 às 13h33.

Ratko Mladic se via como um herói do povo sérvio, mas seu nome ficará para sempre associado aos crimes da Guerra na Bósnia, do cerco de Sarajevo até o massacre de Srebrenica.

Detido em 2011, após 16 anos foragido, o militar corpulento e arrogante se tornou um idoso doente. Mas seu julgamento não mudou a forte convicção, expressa em sua primeira aparição no Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII) em Haia: "Sou o general Mladic. Defendi meu país e meu povo".

O militar, um hombre colérico e brutal para alguns, alegre e extravagante para outros, afirmou um dia que "as fronteiras sempre foram traçadas com sangue, e os Estados, delimitados pelos túmulos".

Ele é considerado o terceiro arquiteto da limpeza étnica em um conflito interétnico que deixou mais de 100 mil mortos e 2,2 milhões de deslocados entre 1992 e 1995.

De Belgrado, o presidente Slobodan Milosevic, falecido na prisão aos 64 anos, em 2006, inflamava os Bálcãs com seus discursos sobre a Grande Sérvia, enquanto falava com a comunidade internacional.

Em Pale, capital de facto dos servo-bósnios, o psiquiatra Radovan Karadzic, de 72, condenado em 2016 a 40 anos de detenção, vomitava sua propaganda fanática.

Mladic, de 74, era seu braço armado, o único do trio nascido na Bósnia, em Bozanovici, um povoado de camponeses pobres do sul.

Órfão de pai camponês morto nas mãos dos croatas ustaše pró-nazistas, integrou o Exército iugoslavo. No início da guerra, após ter combatido os croatas, mudou-se para Sarajevo, onde dirigiu o cerco de quase quatro anos que devastou a cidade.

Mais de 10 mil habitantes, entre eles 1.500 crianças, morreram ali, vítimas dos franco-atiradores e da artilharia que disparavam das colinas controladas pelas tropas de Mladic ao redor da localidade.

"Fazê-los desaparecer por completo"

Apesar de tudo, em Belgrado ainda se pode comprar camisetas com o rosto do general, e seus partidários continuam a apresentá-lo como um soldado camponês amante de sua terra, respeitoso dos códigos de honra da guerra, cujos únicos objetivos eram uma Iugoslávia unida e a proteção de "seu" povo contra os chamados "turcos" - os bósnios muçulmanos.

A descrição foi rejeitada em Haia pelo procurador Alain Tieger, que pediu prisão perpétua para Mladic.

"Sua preocupação não era que os muçulmanos pudessem criar um Estado. Sua preocupação era fazê-los desaparecer por completo", alegou.

"Sua guerra foi uma guerra covarde", escreve o jornalista britânico Tim Judah, em sua obra "The Serbs" (Os sérvios), acrescentando que, salvo alguns combates reais, ele se dedicou, sobretudo, a expulsar "centenas de milhares de pessoas desarmadas de suas casas".

Em 1995, Mladic dirigiu o massacre de Srebrenica, considerado como o pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, motivo pelo qual foi acusado de genocídio.

Roseiras e futebol

Imagens gravadas em Srebrenica mostram o general falando com civis, mulheres e idosos, depois que suas tropas conquistaram o território muçulmano em julho de 1995.

"Não tenham medo. Devagar, devagar, deixem as mulheres e as crianças irem primeiro", diz, dando tapinhas no rosto de um pequeno bósnio, com atitude paternal.

Em outra gravação, Mladic celebra a "revanche contra os 'turcos'".

Nos arredores da cidade, em apenas alguns dias, seus homens mataram mais de 8.000 homens e adolescentes bósnios que fugiam.

Depois dos Acordos de Dayton, que põem fim à guerra, Mladic permaneceu na Bósnia, a salvo em seu abrigo de Han Pijesak, uma base localizada no meio de um bosque do leste do país.

Depois, instalou-se em Belgrado, protegido pelo Exército. Lá, mesmo sendo procurado pela Justiça, não precisava se esconder. Podava roseiras, ia à padaria, jantava em restaurantes e assistia a partidas de futebol.

Com a queda de Milosevic em 2000, entrou na clandestinidade. As detenções enfraqueceram suas redes e, para a Sérvia, que sonhava com entrar na União Europeia, o general se tornou um problema.

Assim, em 26 de maio de 2011, foi preso pela Polícia na casa de um primo, no povoado de Lazarevo (norte). Depois de ser transferido para Haia, em 2012, teve início seu julgamento por crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

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