Manifestação contra a violência entre budistas e muçulmanos em Mianmar (Soe Than Win/AFP)
Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2013 às 22h14.
Bangcoc - O governo de Mianmar avançou com as reformas em 2013 e quase esvaziou de presos políticos os presídios, mas os combates contra as guerrilhas étnicas e o conflito entre budistas e muçulmanos ameaçam embaçar o processo democrático.
O presidente birmanês, Thein Sein, prometeu durante sua primeira visita ao Reino Unido, em julho, que libertaria todos os prisioneiros políticos antes do final de ano.
A questão para saber se o governante cumpre sua promessa está em determinar quantos dissidentes cumprem penas, porque as autoridades decretaram várias anistias e não as esclareceram, e os dados de ONGs e outros grupos são difíceis de contrastar sem a colaboração oficial.
No entanto, os números que a Associação de Assistência aos Presos Políticos (AAPP) maneja este ano se distanciam muito dos mais de 2.200 que denunciou com a repressão da Revolução Açafrão, de 2007.
Este grupo apresentou em maio uma relação de 183 réus verificados e dias depois foram anistiados 21; 73, em julho; 56, em outubro; e 69, em novembro, quantidade que supera a todos os inscritos na lista.
Além disso, a imprensa estatal antecipou no dia 24 de novembro a libertação de mais 200 detentos em dezembro, citando fontes do Comitê para o Registro dos Presos Políticos.
As reformas políticas, econômicas e sociais prosseguiram este ano ao mesmo tempo em que a comunidade internacional suspendeu sanções e aumentou a cooperação com uma nação asiática que deixou de estar governada por juntas militares em 2011.
Alguns das mudanças na nova Mianmar podem ser vistas na rua: o maior investimento, o aumento do turismo, os caixas automáticos, os cartões de crédito internacionais, a massificação dos telefones celulares e, principalmente, a paulatina perda do medo dos cidadãos a expressar suas opiniões em público.
Os birmaneses estrearam uma lei que ampara o direito às assembleias públicas e várias que abrem o mercado nacional ao exterior, e o Parlamento tramita outras em educação, propriedade, segurança, justiça e transporte.
A vencedora do Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, deixou de ser a inimiga número um do regime, que a castigou com mais de 15 anos de prisão domiciliar, e se transformou na chefe da oposição parlamentar e viaja constantemente ao exterior para receber prêmios e fortalecer relações sem medo que não lhe permitam retornar.
Suu Kyi preside ainda o Comitê Misto de Revisão da Constituição, embora só sete dos 109 membros da comissão sejam de seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (LND).
A Carta Magna, aprovada na última etapa dos regimes militares, quando Thein Sein era primeiro-ministro, mantém entre outras coisas criticadas pelos democratas cotas no Parlamento para o exército e fecha as portas da chefia do Estado a Suu Kyi por seu casamento com um estrangeiro, o professor britânico Michael Aris, que morreu em 1999 de um câncer.
Os birmaneses realizarão eleições legislativas em 2015 e precisam de uma Constituição em sintonia com a nova situação.
Thein Sein anunciou este ano que não tentará a reeleição e deixará o cargo aspirado por Suu Kyi, como confirmou durante a visita que fez à Austrália no final de novembro.
Todo este progresso, comparado com a situação anterior, se vê ameaçado pelas guerrilhas étnicas e o conflito entre budistas e muçulmanos, que causou 250 mortes e deixou 120 mil pessoas em campos de refugiados.
A ONU pediu a cessação "imediata" das hostilidades entre os exércitos birmanês e da minoria kachin no norte do país, que deixou 100 mil deslocados desde que se retomou a luta armada, em 2011, após romper-se um cessar-fogo que durava 17 anos.
Uma maior autonomia é a reivindicação principal de quase todas as minorias étnicas birmanesas, formadas pelos chin, kachin, karen, kayah, mon, rajine e shan, e que representam mais de 30% dos 60 milhões de habitantes do país.
O conflito entre a majoritária comunidade budista e a muçulmana é outro foco desestabilizador e tem suas raízes na época colonial britânica e as ditaduras militares.
"Uma considerável quantidade de ira e frustração contidos durante anos de autoritarismo são reconduzidos agora contra os muçulmanos por forças políticas populistas que se disfarçam como religiosos respeitáveis e autoridades morais", segundo o centro de pesquisa International Crisis Group em relatório do último dia 1º de outubro.
Vítimas especiais deste conflito são os 800 rohingyas que vivem em Mianmar, etnia que a ONU considera uma das minorias apátridas mais perseguidas do mundo.