Funeral de membro da polícia federal iraquiana morto pelo Estado Islâmico no final de 2021 (ALI NAJAFI/AFP via Getty Images)/Getty Images)
Carla Aranha
Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 11h10.
Nos últimos dias, a morte do líder do Estado Islâmico, o iraquiano Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, por forças de combate americanas durante uma operação na Síria, jogou os holofotes novamente sobre o grupo. Depois de ter sido derrotado militarmente no Iraque em 2017, quando deixou suas bases em Mossul e outras cidades da região, a organização começou a se reconstruir nas sombras. Na capital Bagdá, atentados com carros-bomba e homens suicida, além de emboscadas contra postos policiais, alarmam a população, embora em menor escala do que no passado. Em outras partes do país, o principal temor é em relação a sequestros – o crime constitui uma das formas de financiamento do grupo.
“O Estado Islâmico, Al Qaeda e outros grupos similares também apelam ao narcotráfico e outras atividades ilegais para obter recursos, o que é preocupante”, analisa o cientista político britânico Jacob Eriksson, da Universidade de York, especialista em Oriente Médio, terrorismo e estratégia militar, em entrevista à EXAME. “A expansão dessas organizações, que temos observado, pode representar um crescimento de atividades ligadas ao crime organizado e de domínio de território por militantes radicais. E talvez a melhor estratégia para combater essa ameaça não seja apenas matar os líderes”, afirma Eriksson. Veja, a seguir, os principais trechos da conversa.
O Estado Islâmico está tentando se reagrupar para reconquistar território ou está mais interessado em aumentar o poder sobre atividades criminais, como narcotráfico e sequestros?
Ambas as coisas são relevantes para o Estado Islâmico. Dentro do grupo, existem militantes que aderem a uma prática mega conservadora do islamismo e acham que a reconquista de território é o objetivo final, enquanto outros têm uma visão mais pragmática, baseada na expansão econômica. Mas uma coisa não impede a outra. Para os ideólogos, atividades criminosas como contrabando e sequestro podem ser compreendidas como meios para se chegar à meta final, de converter populações ao Islã superconservador.
Grupos como o Hezbollah, no Líbano, também são acusados de praticar atividades ligados ao crime organizado, inclusive por meio do controle de campos de marijuana. Essas organizações são fundadas em boa parte deviido a uma ideologia e depois começam a atuar como entidades de crime organizado para se autofinanciar?
De fato, o Hezbollah é um agente fundamental no comércio de marijuana no vale do Bekaa, no Líbano, e é um aliado importante do regime sírio na produção e distribuição de captagon, uma droga sintética que tem se espalhado pelo Oriente Médio e Europa. Em 2020, a polícia italiana fez uma captura de um carregamento enorme de captagon em um dos portos da Itália. Inicialmente, as autoridades europeias pensaram que a carga apreendida estaria ligada ao Estado Islâmico, mas depois concluíram tinha a ver com atividades do Hezbollah.
O narcotráfico não é uma importante fonte de financiamento desses grupos, incluindo aí o Talibã?
Sim. Há relatos de que o Estado Islâmico se engajou no tráfico de drogas quando outras fontes de recursos, como a cobrança de taxas de comerciantes e moradores, se revelaram menos lucrativa. O grupo também se tornou notório pelo contrabando de obras de arte e antiguidades. Sobre o Talibã, não é muito diferente. Os campos de cultivo de papoula no Afeganistão, que dá origem ao ópio, são controlados pelo grupo. Há muito dinheiro ilícito em circulação.
Nesse contexto, é uma boa estratégia matar os líderes, como os Estados Unidos fizeram recentemente com o chefe do Estado Islâmico? Há outras formas de combater esses grupos?
Depende. Em um primeiro momento, matar o líder pode forçar o grupo a limitar suas atividades enquanto se reorganiza e potencialmente pode criar uma divisão sobre a sucessão. Mas essa estratégia pode ser menos eficiente do que o Ocidente acredita. Organizações como a Al Qaeda e o Estado Islâmico têm estruturas descentralizadas, que podem se replicar facilmente. O vácuo de poder também pode levar a um radicalismo maior. De modo geral, matar os líderes não vai ser suficiente para diminuir a força dessas organizações. Isso requer uma estratégia militar combinada com o fortalecimento do governo do país em questão e combate ao crime organizado.
O senhor não acha interessante que os países ocidentais costumam prestar mais atenção grupos considerados terroristas no Oriente Médio e bem menos na África, onde entidades como Estado Islâmico e Al Qaeda estão expandindo sua zona de influência?
Talvez isso venha do senso de responsabilidade do Ocidente pelo o que aconteceu no Iraque, que foi esmagado durante a invasão americana (em 2003), e o desejo de enquadrar o país em uma ideologia liberal de reconstrução do Estado que não funcionou. Mas a África é sem dúvida uma área de grande preocupação em relação ao crescimento do Estado Islâmico e outros grupos. Isso vem acontecendo em boa parte devido a falhas de governança e um vácuo de segurança, além de outras coisas, que já vimos no Iraque. É uma história muito parecida.
Por fim, o mundo deveria ser preocupar com o crescimento do Estado Islâmico e da Al Qaeda?
Sim. Também deveríamos aprender as lições do 11 de Setembro e não colocar as ameaças que esses grupos representam de forma desproporcional. A Al Qaeda foi considerada uma ameaça existencial e a estratégia militar de combate ao terrorismo levou a um aumento dessa ameaça e não a uma redução dela. Não devemos esquecer que as vítimas mais imediatas da Al Qaeda e do Estado Islâmico estão nos países em que essas organizações proliferaram e são essas populações que precisam mais de apoio. O foco deveria estar em promover um desenvolvimento econômico mais igualitário nesses países e capacitar melhor os governos.