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Marinheiros famintos arrestados veem mais perigo que piratas

Presos em um limbo jurídico, agências querem exigir de empresas um seguro para pagar a repatriação de marinheiros quando eles ficarem abandonados

Ramez Haddad, capitão do cargueiro JSM, em frente ao navio ancorado depois que um tribunal da Grécia proibiu que ele partisse após um acidente mortal no porto de Kiato, na Grécia (Kostas Tsironis/Bloomberg)

Ramez Haddad, capitão do cargueiro JSM, em frente ao navio ancorado depois que um tribunal da Grécia proibiu que ele partisse após um acidente mortal no porto de Kiato, na Grécia (Kostas Tsironis/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 15 de janeiro de 2014 às 17h11.

Nova York - Hassan Sabrah não comia fazia quatro dias.

Foi aí que o engenheiro-chefe do navio cargueiro JSM, com bandeira da Moldávia, teve um ataque nervoso, segundo entrevistas com marinheiros, a administradora do porto e residentes locais. Ele pegou uma pedra e atingiu o capitão na nuca. Antes que o cozinheiro do navio pudesse afastar Sabrah, o sangue do capitão já estava por toda parte.

O ataque ocorreu em 2 de agosto, quando já fazia cinco meses que o JSM, com seus 67 metros de comprimento, estava arrestado no porto grego de Kiato. Um tribunal grego tinha recusado a permissão para o navio deixar o lugar depois de um acidente mortal no porto. O proprietário da afretadora não foi encontrado, segundo o capitão do navio, e não havia dinheiro para salários ou suprimentos. O navio não tinha eletricidade. Os banheiros não funcionavam. Sabrah e os outros nove membros da tripulação não sabiam nem se voltariam para casa, disseram.

Esses homens foram presos em um limbo jurídico que enlaça milhares como eles ao redor do mundo. Mais marinheiros foram abandonados por seus empregadores do que tomados como reféns por piratas somalianos, segundo a Mission to Seafarers (Missão dos Marítimos, na tradução livre), uma instituição de caridade com sede em Londres. A Organização das Nações Unidas documentou casos de 2.379 marinheiros esquecidos em 199 navios na última década, com muitos mais não reportados.

Em abril, agências internacionais deverão se reunir em Genebra para estudar a possibilidade de exigir das empresas do setor de navegação, de US$ 375 bilhões e que administra cerca de 90 por cento do comércio mundial, a definição de um seguro ou bônus para pagar a repatriação de marinheiros quando eles ficarem abandonados.

Saga do JSM

A saga do JSM mostra os perigos que os marinheiros podem enfrentar. Em 14 de fevereiro, o navio, comandado por Ramez Haddad, um sírio de 49 anos de idade que mora no Egito, chegou a Kiato proveniente de Alexandria, Egito, carregando mais de 1.000 toneladas de batatas. O clima estava fresco e ensolarado. Enquanto os operários descarregavam as batatas, Haddad disse que foi à cidade e comprou chocolate para levar para os filhos. A programação do JSM era seguir para a Turquia e a Romênia, e depois retornar ao Egito com uma carga de carbonato de sódio e madeira, segundo Haddad.


Em 20 de fevereiro, a tripulação se preparou para partir. Algo deu errado depois que um rebocador foi amarrado ao navio para ajudá-lo na manobra de saída do porto, segundo documentos judiciais e entrevistas com Haddad e autoridades de Kiato. O rebocador realizou uma manobra errada e começou a puxar o navio para águas rasas, depois virou e afundou, disse Haddad. O capitão do rebocador morreu.

Haddad foi ao tribunal no dia seguinte e o juiz o absolveu de qualquer irregularidade, disse ele. O JSM, no entanto, foi obrigado a permanecer em Kiato porque o proprietário do rebocador e a viúva de seu capitão entraram com processo na Justiça para recuperar o prejuízo por meio da venda do navio.

A princípio, Haddad não se preocupou. Ele disse que notificou o administrador do navio, Mohamad Tartousi, da Tartousi Shipping Ltd., em Constanta, Romênia, cujo trabalho era supervisionar, de terra, as operações da afretadora. Tartousi disse que informaria o proprietário do navio. O JSM tinha um bom estoque e a tripulação possuía dinheiro suficiente para suas necessidades, disse Haddad. No pior dos casos eles estariam a caminho de casa em uma semana ou pouco mais, disse ele.

As semanas se transformaram em meses. Haddad disse que conversava com Tartousi frequentemente para atualizá-lo da situação do navio e Tartousi dizia a Haddad que estava trabalhando para resolver o problema. A tripulação não tinha recebido pagamento e lhe deviam em torno de US$ 100.000, disse Haddad. Tartousi não respondeu a perguntas da Bloomberg News a respeito dos salários da tripulação.

Em abril, acabou a comida trazida do Egito para a Grécia. Quando Haddad contou a Tartousi, o administrador disse que não poderia pagar novos suprimentos porque não conseguia contato com o proprietário do navio, segundo Haddad. Tartousi não respondeu a perguntas da Bloomberg News para confirmar suas tentativas de entrar em contato com o proprietário do navio.

A tripulação passou a fazer uma refeição por dia, disse Haddad. O pouco dinheiro que traziam nos bolsos não durou muito nos mercados de Kiato. Aos domingos, eles comiam frango e batatas, e no resto da semana eles se alimentavam de feijão, às vezes misturado com um pouco de frango.


Haddad disse que pediu ajuda do capitão do porto para levar a tripulação para casa, mas que lhe disseram que a permissão tinha que vir do país de bandeira do navio, a Moldávia. Tartousi mandou dinheiro do próprio bolso todos os meses -- cerca de 20 ou 30 euros (US$ 27 a US$ 41) por dia para 10 pessoas, disse Haddad.

A tripulação passou a desligar o gerador elétrico central seis horas por dia. Depois, o mantinha 12 horas ligado, 12 horas desligado. Baixou para oito horas ligado, depois três. No final de julho, eles ficaram sem luz, disse Haddad, e não tinham lanternas. Depois que o sabão e os medicamentos acabaram, alguns dos homens tiveram infecções no ouvido, na pele e nos dentes. Sem poder recarregar os telefones, eles perderam contato com suas famílias.

“Nós estávamos cansados e ninguém aguentava nem escutar uma palavra do outro”, disse Hilal Jomaa, o primeiro oficial, de 28 anos de idade, do Líbano. “Nós não tínhamos nada e todo mundo estava nervoso”.

Haddad disse que as autoridades de Kiato o ajudaram com a petição para a Moldávia em 4 de outubro por permissão para deixar o navio e ir para casa. A resposta veio em 22 de outubro: uma pessoa tinha que ficar para guardar o navio até que ele fosse leiloado; o resto estava livre para ir, dizia carta.

Abo Zeinab, cozinheiro do navio, disse voluntariamente que ficaria com o JSM, porque sua família o havia deixado e ele não tinha motivos para voltar para casa. Ele continua em Kiato.

Em seu último dia em Kiato, 28 de outubro, os membros da tripulação empacotaram suas roupas e receberam seus papéis de liberação em uma cerimônia improvisada ao redor da mesa da cozinha do navio. Eles sentiam o vento e o sol enquanto desciam a passarela de desembarque carregando as bagagens. Eles colocaram as malas no carro que os levaria para o aeroporto, deixando o imponente navio enferrujado para trás.

Sabrah, o engenheiro-chefe, beijou a cabeça do capitão antes de eles partirem.

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