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Mapa está sendo refeito e cessar-fogo no Irã não tira incerteza, diz estrategista do Deutsche Bank

Drausio Giacomelli avalia que mundo passa por transformação profunda na política e na economia neste momento

Manifestação celebra cessar-fogo em Teerã, na terça, 24 de junho (Atta Kenare/AFP)

Manifestação celebra cessar-fogo em Teerã, na terça, 24 de junho (Atta Kenare/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 25 de junho de 2025 às 08h58.

O conflito atual entre Israel, Estados Unidos e Irã trouxe até agora poucos efeitos para a economia global, mas o cenário econômico à frente segue desafiador, pois o mundo passa por um momento de fortes transformações geopolíticas e econômicas que ainda não acabou. A avaliação é de Drausio Giacomelli, estrategista-chefe do Deustche Bank no Brasil.

Giacomelli aponta que o petróleo voltou nos níveis de preço de abril e chegou aos US$ 75 por barril. "Ou seja, é um impacto relativamente pequeno sobre inflação e sobre economia americana", diz, em entrevista à EXAME.

Apesar do impacto pequeno, ele vê um cenário ainda desafiador. "Este ambiente de alta volatilidade terá um período mais prolongado. Acho difícil assumir que com essa desescalada do Irã com os Estados Unidos e Israel os choques vão desaparecer. Estamos em um ambiente de movimentação de placas tectônica. Há terremotos e aftershocks", afirma.

Além dos bombardeios no Oriente Médio, a guerra comercial iniciada pelo presidente Donald Trump ainda está em andamento, e as negociações entre os Estados Unidos e outros países seguem sendo feitas nos bastidores.

"Os conflitos geopolíticos não acabam rápido. Você está redesenhando o mapa de tarifas [de importação] e agora, com os conflito no Oriente Médio e na Ucrânia, está redefinindo o mapa geopolíítico também", afirma Giacomelli.

"Há uma mistura de economia e política talvez em uma escala sem precedentes nos Estados Unidos na história moderna, onde política, economia, defesa e interesses geopolíticos estão se sobrepondo cada vez mais", prossegue. "Há utilização de políticas monetárias e econômicas para fins de segurança ou geopolítica."

Para o estrategista, a reconfiguração atual pode ser comparada às mudanças trazidas ao final da Segunda Guerra Mundial, nos anos 1940, como a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a reunião de Bretton Woods, que levou à criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.

"As linhas estão ficando cada vez mais claras entre os que se alinham aos Estados Unidos e com o mundo democrático e os que não", afirma.

Drausio Giacomelli, estrategista chefe do Deutsche Bank no Brasil

Fuga do dólar

Giacomelli avalia que há uma mudança importante nas crises atuais em relação às anteriores. Antes, era comum que em choques na economia global, houvesse uma fuga para o dólar e títulos do Tesouro Americano. No entanto, isso tem mudado.

"Por muito tempo, o prêmio de risco na curva [de juros] americana era negativo. Era quase pagar para colocar o dinheiro ali. Nos últimos cinco anos, isso aumentou para 0,7%", diz.

O estrategista diz que essa mudança ocorre por vários fatores, mas um dos principais deles é a questão fiscal. Os Estados Unidos estão em uma trajetória de alta da dívida pública.

"A dívida está em mais de 100% do PIB. Será preciso um superávit de 1,5% do PIB para estabilizar a dívida. Isso é um custo enorme para a sociedade", diz.

Trump defende a aprovação de um novo pacote de medidas pelo Congresso que poderá elevar ainda mais os gastos públicos. O presidente diz que a arrecadação com as novas tarifas de importação, além de outras medidas, vão ajudar a conter o déficit.

Giacomelli diz que os governos precisam estar preparados para lidar com este cenário turbulento, e dar atenção à questão fiscal é uma das medidas mais importantes, pois países onde há a percepção de maior risco de desequilíbrio nas contas terão menos interesse de investidores.

"Há realocação de fluxos [de recursos] dos Estados Unidos para outros países, como a Europa e o emergentes, mas nada para países de risco" afirma.

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