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Mandela, professor de companheiros e pai de seus captores

Apesar das dificuldades durante sua prisão, o ex-líder sul-africano não direcionou suas frustrações contra seus captores imediatos, chegando até a ajudá-los


	Mandela solta gargalhada durante seu aniversário, em 2007: "Robben Island foi sem dúvida o mais duro, o posto avançado da mão de ferro do sistema penal sul-africano", escreveu ele
 (Alexander Joe/AFP)

Mandela solta gargalhada durante seu aniversário, em 2007: "Robben Island foi sem dúvida o mais duro, o posto avançado da mão de ferro do sistema penal sul-africano", escreveu ele (Alexander Joe/AFP)

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Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2013 às 21h31.

Robben Island - A prisão mais temida da época do apartheid da África do Sul, a Robben Island, permanece intimamente ligada a Nelson Mandela, o preso mais famoso que passou décadas de trabalho duro educando seus camaradas e encantando até os seus carcereiros mais duros.

Agora museu e atração turística popular, a ilha rochosa, localizada nas águas infestadas de tubarões ao largo da Cidade do Cabo, manteve ativistas negros em isolamento durante três décadas, até o presidente F.W. de Klerk começar a desmantelar governo da minoria branca em 1990.

Mandela, que morreu nesta quinta-feira aos 95 anos, foi enviado primeiro para a Ilha Robben por um breve período em 1962 por delitos políticos menores, e retornou dois anos mais tarde após ter sido condenado à prisão perpétua por sabotagem e conspiração contra o regime.

Começou a cumprir sua sentença aos 46 anos, e foi condenado juntamente com outros membros do Congresso Nacional Africano a anos de trabalho forçado, quebrando pedra em uma pedreira de calcário.

Acorrentado em fileiras de quatro, os presos trabalhavam de oito a 10 horas por dia, cinco dias por semana. O brilho forte do sol sobre as rochas brancas e a poeira causaram danos permanentes aos olhos de Mandela.

Apesar das dificuldades, Mandela não direcionou suas frustrações contra seus captores imediatos.


"Ele foi sempre cordial, educado e prestativo", disse recentemente à Reuters Christo Brand, carcereiro que acompanhou Mandela desde 1978 até sua libertação, em 1990.

"Ele se tornou um pai para mim. Se eu precisasse de alguma ajuda e assistência com algo, ele estava sempre lá para ajudar", disse Brand, que agora ajuda no museu de Robben Island.

Em sua autobiografia, "Long Walk to Freedom", grande parte escrita secretamente em sua cela na ilha, Mandela relembra a solidão e o isolamento sentida por detentos.

"Robben Island foi sem dúvida o mais duro, o posto avançado da mão de ferro do sistema penal sul-africano", escreveu ele.

OUTRO PAÍS Localizada a 10 quilômetros de distância da glamorosa Cidade do Cabo, a ilhota parece ser próxima à costa.

Mas quando se faz a viagem de barco de 30 minutos através das águas geladas do Atlântico Sul, a distância parece aumentar.

"Ir para Robben Island foi como viajar para outro país", escreveu Mandela. "Seu isolamento fez da ilha não apenas uma outra prisão, mas um mundo próprio, muito distante do mundo de onde vínhamos." A estrada do porto Murray, onde os presos eram encurralados após desembarcarem, leva a um edifício de pedra cinza cercado por barreiras cobertas com arame farpado.


"Eu podia andar toda a extensão da minha cela em três passos. Quando eu deitava, podia sentir a parede com os pés e minha cabeça roçava o concreto do outro lado", escreveu Mandela, que foi pugilista amador.

O número da prisão de Mandela, 466/64, ficou famoso pela campanha global para arrecadar dinheiro para combater o HIV/ Aids e para a sua apreciada fundação Children's Foundation.

FORMAÇÃO DE ADVOGADO As condições durante seus 18 anos na ilha oscilaram, ecoando o clima político mais amplo no continente, bem como o capricho de funcionários que supervisionam a prisão. Um regime muito rigoroso foi implementado após o primeiro-ministro Hendrik Verwoerd ter sido assassinado em setembro de 1966.

Mas Mandela usou sua experiência como advogado para impedir muitas das tentativas dos guardas de assediar os presos, e insistiu no direito dos presidiários de estudar para obter um diploma universitário. Ele também fez questão de tentar dialogar com os guardas da prisão, na grande maioria brancos que falavam a língua africâner.

Além da vontade de ferro e dos princípios, o charme e a generosidade fácil de Mandela ajudaram a flexibilizar as regras estritas da prisão e as ações disciplinadoras.


Ocasionalmente, os presos eram autorizados a cozinhar ensopados de mariscos, mexilhões e lagostins nos intervalos para almoço, enquanto colhiam algas para exportação para o Japão.

Eles também foram capazes de realizar rituais de circuncisão, uma parte importante do costume tribal que marca iniciação à idade adulta.

"Os detentos pareciam estar comandando a prisão, não as autoridades", disse Mandela.

Atualmente cerca de 200 pessoas, incluindo ex-presos políticos e funcionários do museu, vivem na ilha, que foi declarada Patrimônio Mundial pela Unesco em 1999.

Para ajudar a completar a sua transformação de um lugar ameaçador , a ilha agora abriga casamentos no Dia dos Namorados, atraindo casais de todo o mundo que querem trocar votos na histórica Igreja Garrison, a principal da aldeia.

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