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Mandela deixa África do Sul marcada pelas diferenças raciais

O homem que "lutou contra a dominação branca e a dominação negra" inaugurou uma nova África do Sul que aspirava ser "igualitária, não racial e não sexista"


	Nelson Mandela: o preso político mais famoso do mundo pôde realizar uma das transições políticas mais pacíficas da África
 (REUTERS/Thomas Mukoya)

Nelson Mandela: o preso político mais famoso do mundo pôde realizar uma das transições políticas mais pacíficas da África (REUTERS/Thomas Mukoya)

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Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2013 às 20h19.

Johanesburgo - Nelson Mandela deixa uma África do Sul marcada ainda pelas diferenças raciais e as desigualdades, apesar de toda uma vida de sacrifícios para conseguir uma sociedade "igualitária, não racial e não sexista".

Em 10 de maio de 1994, Mandela e o juramento para assumir o cargo de presidente, o primeiro presidente negro do país, escolhido nas primeiras eleições livres da África do Sul.

O então líder do Congresso Nacional Africano (CNA) deu esse histórico passo após uma longa luta contra o regime de segregação racial do "apartheid", imposto pela minoria branca do país, cujo combate o manteve preso por 27 anos.

O preso político mais famoso do mundo, prêmio Nobel da Paz em 1993 e símbolo da luta dos direitos humanos e da igualdade racial, pôde realizar uma das transições políticas mais pacíficas da África, onde a revanche e as vinganças partidárias foram substituídas pela reconciliação e pela convivência.

O homem que "lutou contra a dominação branca e a dominação negra", como ele mesmo disse no histórico discurso no julgamento de Rivonia de 1964, quando foi condenado à prisão perpétua, inaugurou uma nova África do Sul que aspirava ser "igualitária, não racial e não sexista".

Esses princípios seguem inspirando a política do país, mas na prática África do Sul está longe de ter superado décadas de discriminação racial, e o legado de Mandela perde força, desbotado pela passagem do tempo, as desigualdades econômicas e as mensagens populistas dos líderes atuais.

"África do Sul é uma sombra da nação que foi sob o mandato de Mandela, a nação que triunfou sobre o apartheid e iniciou a cura das feridas", escreveu a colunista Ranjeni Munusamy, do jornal sul-africano "Daily Maverick".

"Desde 1999, a reconciliação foi enfraquecida em favor do objetivo de alcançar o poder político", acrescenta Munusamy no artigo "O final da nação de Mandela", publicado em 2012.


No entanto, como comentou a Agência Efe Lucy Holborn, investigadora chefe do Instituto de Relações Raciais de Johanesburgo, "houve alguns avanços, mas ainda há muito o que fazer no desenvolvimento social e econômico".

Na opinião de Holborn, "existe uma igualdade formal, mas não há uma igualdade real no que se refere à propriedade, à renda e a riqueza".

"Os sul-africanos continuam a se identificar por raças, em parte pelas políticas de discriminação positiva, que seguem classificando os cidadãos segundo os grupos raciais que eram usados pelo apartheid: brancos, índios, negros e mestiços".

"Muita gente lembra o papel que teve Mandela, mas na população negra cresce o sentimento que deram o perdão aos brancos e, apesar disso, seguem marginalizados".

Esse sentimento aflora em algumas ocasiões, como em 29 de maio de 2012, quando centenas de sul-africanos negros se reuniram diante uma galeria de Johanesburgo que exibia um polêmico quadro que mostrava o presidente do país e líder do CNA, Jacob Zuma, com os genitais descobertos.

"Os brancos odeiam os negros" e "Não vamos ser tratados como seres inferiores" foram algumas das mensagens deixadas pelos manifestantes, incluídos dirigentes do CNA, em alusão ao autor da obra, o artista sul-africano branco Brett Murray.

Embora a Presidência de Mandela (1994-1999) "seja vista frequentemente com filtros cor de rosa", essa visão "mascara muitos dos grandes desafios a nação tem", disse à agência Efe Piers Pigou, membro da Comissão da Reconciliação e a Verdade, dirigida pelo arcebispo emérito Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz em 1984.

Pigou acredita que a época de Mandela no governo foi uma espécie de "cessar-fogo", pois só se abordaram "os mais flagrantes abusos do apartheid" mas não se desenvolveu "um verdadeiro diálogo sobre a reconciliação".


Por outro lado, o CNA, partido no poder desde que Mandela ascendeu à Presidência em 1994, domina ainda o panorama eleitoral graças a sua contribuição à democracia, apesar de ter perdido apoio nos últimos pleitos devido aos escândalos de corrupção.

Um discurso que apela cada vez mais às questões raciais e sua aposta por uma "segunda transição" no país africano fez com que ativistas como Mamphela Ramphele, que lutou junto de Mandela contra o "apartheid" e que criou recentemente o partido político "Agang" (Construir), tenham acusado o CNA de trair sua herança.

Além disso, o "herói" sul-africano deixa uma disputa entre o Estado, o Centro da Memória de Nelson Mandela, seus descendentes e o próprio CNA, que disputam a gestão da lembrança de Nelson Mandela, assim como seus direitos autorais, de propriedade intelectual e de imagem.

Trata-se de um legado do qual "todos querem ter uma parte", declarou a Efe um dos fotógrafos oficiais da família Mandela.

Por ora, "sua morte reavivará sua memória, a importância de sua tarefa e sua mensagem de reconciliação", lembrou a pesquisadora do Instituto de Relações Raciais.

E vaticinou: "depois os sul-africanos voltarão para sua vida cotidiana, e continuará o desmoronamento de seu legado".

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