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Mais de mil oficiais da Força Aérea de Israel assinam carta contra guerra

Recado dos militares está em sintonia com uma mudança de tom que vem crescendo em diferentes setores da sociedade israelense, sobretudo após a retomada dos ataques ao enclave

'Não há inocentes no governo', diz inscrição em hebraico durante protesto em Tel Aviv no começo de maio ( Jack Guez/AFP)

'Não há inocentes no governo', diz inscrição em hebraico durante protesto em Tel Aviv no começo de maio ( Jack Guez/AFP)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 28 de maio de 2025 às 10h39.

Cerca de 1,2 mil oficiais da Força Aérea de Israel, incluindo reservistas e militares da ativa, assinaram na terça-feira, 27, uma carta aberta endereçada ao governo e ao comando do Estado-Maior israelense, pedindo o fim da guerra na Faixa de Gaza. Em um tom crítico que ganha cada vez mais apoiadores no país, os militares argumentam que o conflito se transformou em uma guerra política, e que não serve mais aos propósitos de segurança nacional do Estado judeu.

"Continuar a guerra vai contra a vontade da esmagadora maioria da opinião pública, resultará na morte de reféns, soldados das FDI e civis inocentes, e pode até levar à prática de crimes de guerra. [...] esta é uma guerra para preparar a ocupação de Gaza e visa implementar a visão messiânica de uma pequena minoria na sociedade israelense", diz um trecho da carta antecipado pelo jornal israelense Haaretz. "Nossa existência como sociedade e como país é condicionada pela crença na justiça do nosso caminho, garantias mútuas, defesa dos valores da moral judaica e um profundo compromisso com a vida humana".

O recado dos militares está em sintonia com uma mudança de tom que vem crescendo em diferentes setores da sociedade israelense, sobretudo após a retomada e intensificação das ações militares em Gaza e dos alertas sobre a escassez de alimentos e insumos básicos emitidos por organizações que trabalham no enclave palestino. Em uma pesquisa recente realizada pelo Canal 12, o mais popular do país, 61% dos entrevistados disseram querer o fim da guerra e o retorno dos reféns, enquanto apenas 25% afirmaram estar a favor da expansão das ações militares e da ocupação do enclave — propostas defendidas pelo Gabinete de Netanyahu.

 

Críticas em Israel à guerra em Gaza não são propriamente um novidade. Pouco depois da onda inicial de apoio à ofensiva militar em resposta ao atentado terrorista do Hamas, em 7 de outubro de 2023, uma série de grupos da sociedade civil passaram a argumentar que interromper o conflito e trazer os reféns de volta para casa por meio de negociação deveria ser a prioridade, e não uma vitória militar a qualquer custo. Ainda em junho de 2024, o ex-diretor do Shin Bet e chefe da Marinha israelense, Ami Ayalon, defendeu essa visão em uma entrevista à jornalista americana Christiane Amanpour, da CNN.

— Após o 7 de outubro, nós tínhamos que ir para a guerra, porque depois do massacre e etc, era uma guerra de Defesa. Mas a posição de não discutir o dia seguinte, qual o sentido? Quando você manda seu jovens para matar, e muitos deles vão morrer, e diz que não há um objetivo político para a guerra, imediatamente o que acontece? A guerra vira o fim, não o meio. O objetivo em si — disse Ayalon. — Nós sabemos como começar uma guerra, mas esse governo não sabe e não quer acabar essa guerra.

Entre a declaração do ex-diretor da inteligência israelense e o momento atual do conflito, uma série de vozes destacadas e movimentos de setores da sociedade israelense passaram a defender o fim da guerra e a criticar frontalmente o governo, em termos mais contundentes.

Isaac Herzog (presidente de Israel)

Ainda em março, pouco depois do governo israelense anunciar que abandonaria os termos do cessar-fogo, o presidente de Israel, Isaac Herzog, criticou abertamente o governo pela decisão de retomar as ações militares em Gaza — no país, o presidente exerce funções apenas de Estado, com o primeiro-ministro liderando o governo. Durante uma palestra na Universidade de Tel Aviv, o presidente disse estar "em choque" com o fato dos reféns não serem mais uma prioridade.

— Estou bastante chocado com a forma como, de repente, a questão dos reféns deixou de estar no topo da lista de prioridades e no topo das notícias. Como pode ser isso? — disse Herzog — Devemos, durante todo esse tempo, não perder o contato, como nação e, claro, como sistema de governo, com tudo relacionado ao resgate dos reféns, até o último.

Ehud Olmert (ex-premier)

O ex-primeiro-ministro de Israel Ehud Olmert, que governou o país entre 2006 e 2009, antes do segundo e mais longo mandato de Netanyahu, afirmou em um artigo de opinião publicado no Haaretz nesta terça que o país está cometendo crimes de guerra em Gaza. Embora tenha rejeitado as acusações de genocídio e crimes de guerra anteriormente, o ex-líder político explicou ter mudado de opinião em semanas recentes.

"O que estamos fazendo em Gaza agora é uma guerra de devastação: matança indiscriminada, ilimitada, cruel e criminosa de civis", escreveu Olmert no texto opinativo em inglês, intitulado "Enough Is Enough" ("Já Chega", em tradução livre). "Não estamos fazendo isso por perda de controle em algum setor específico, nem por algum ímpeto desproporcional de alguns soldados em alguma unidade. Em vez disso, é o resultado de uma política governamental — ditada de forma consciente, perversa, maliciosa e irresponsável. Sim, Israel está cometendo crimes de guerra."

A publicação do artigo do ex-premier ocorreu no mesmo dia em que o Ministério da Saúde de Gaza, um órgão da administração do Hamas, afirmou que o número de palestinos mortos desde o começo da guerra passou de 54 mil.

"A posição de figuras importantes do governo é pública e clara. Sim, temos negado aos habitantes de Gaza alimentos, remédios e necessidades básicas de vida como parte de uma política explícita. Netanyahu, tipicamente, tenta obscurecer o tipo de ordens que vem dando, a fim de se esquivar da responsabilidade legal e criminal no devido tempo", escreveu. "Mas alguns de seus lacaios estão dizendo isso abertamente, em público, até com orgulho: Sim, vamos matar Gaza de fome. Como todos os habitantes de Gaza são do Hamas, não há limitação moral ou operacional em exterminá-los a todos, mais de dois milhões de pessoas."

Yair Golan (ex-deputado)

 

O ex-major-general das Forças Armadas israelenses e líder do partido de oposição Os Democratas, Yair Golan, provocou reações coléricas entre figuras do governo — e também da oposição — ao dizer, na semana passada, que um país "não mata bebês por hobby" ao criticar a continuidade da guerra em uma entrevista a uma rádio pública.

— Israel está a caminho de se tornar um Estado pária entre as nações, como a antiga África do Sul, se não voltar a se comportar como um país são — disse o líder da sigla de esquerda. — Um país são não trava guerra contra civis, não mata bebês por hobby e não estabelece metas que envolvam a expulsão de populações.

Tanto Netanyahuy quanto o ex-premier e opositor Yair Lapid, dois dos principais líderes com representação na Knesset, condenaram a fala de Golan, entre acusações de antissemitismo e incitação contra o Exército.

Na terça-feira, Golan foi recebido entre aplausos e gritos de "traidor" durante um discurso em uma conferência no sul de Israel. Em resposta, Golan à multidão, ele afirmou que "instigadores" levaram ao assassinato de Yitzak Rabin e, 1995, comparando aos críticos.

— Vou dizer quem está traindo o Estado de Israel: aquele que, em meio a uma guerra, mantém laços com o Catar, é o traidor — continuou Golan, segundo frase registrada pelo Times of Israel. —Aquele que por três décadas alimentou o ódio... Se vocês tivessem um pouquinho de coragem, me ouviriam. Vocês não vão me fazer odiá-los, porque sou um homem corajoso.

Opinião pública

 

Uma série de pesquisas de opinião e movimentos populares vem demonstrando que grande parte da sociedade israelense está insatisfeita com os rumos da ofensiva militar. Em uma pesquisa realizada na semana passada pelo Canal 12, 55% dos entrevistados disseram crer que Netanyahu está mais interessado em permanecer no poder do que libertar os reféns. Ainda, 53% disseram crer que o premier pensava mais em vencer a guerra do que em resgatar os compatriotas em cativeiro.

Além disso, 62% disseram não ter se convencido com a coletiva de imprensa do premier, em que ele disse que os militares estavam prontos para colocar em curso o plano do presidente americano, Donald Trump, para realocar a população palestina para fora de Gaza.

A insatisfação já se converteu em ações dentro do país e na comunidade de expatriados. Na terça-feira, manifestações foram convocadas em ao menos 13 cidades europeias, incluindo Bruxelas, Paris, Berlim e Londres, pedindo que aliados de Israel parassem de fornecer armas ao país, enquanto não houvesse um acordo para o fim do conflito em Gaza.

Em uma manifestação na Knesset, dez mães da organização Pais de Soldados em Combate, que protestavam por um acordo de reféns e pelo fim do sacrifício de soldados em território palestino, foram forçadas a sair da sede do Legislativo israelense. Grupos de familiares de reféns capturados em Gaza também realizam protestos frequentes em ruas das principais cidades do país.

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