Militares Rebelados: fim da coesão com Maduro, ou mais uma estratagema do regime? (foto/Reuters)
EXAME Hoje
Publicado em 8 de agosto de 2017 às 08h57.
Última atualização em 8 de agosto de 2017 às 11h03.
Mais uma ação espetacular de militares rebeldes venezuelanos volta a provocar especulações acerca de uma possível perda de apoio do governo de Nicolás Maduro por parte das Forças Armadas. Dessa vez, um grupo comandado pelo capitão Juan Caguaripano, da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), tomou armas da 41.ª Brigada de Valencia, no Estado de Carabobo, na madrugada de domingo, e gravou um vídeo exortando a uma rebelião militar. No final de junho, um detetive da polícia sobrevoara Caracas com um helicóptero e também fizera um apelo à rebeldia. São sinais de que a aliança de Maduro com os militares está por um fio?
O ataque do domingo foi seguido de enfrentamento com forças leais ao governo. Ao menos uma pessoa morreu, outra ficou ferida e sete foram presas, segundo fontes do governo. O comandante do Exército, general Jesús Suárez Chourio, ordenou o aquartelamento da força no Estado de Carabobo. Em outras áreas militares, como os arredores do importante Forte Tiuna, em Caracas, foram erguidos postos de controle da GNB nas estradas.
Caguaripano é procurado por rebelião militar e acusado de “traição à pátria” desde 2014. Moradores dos arredores do Forte Paramacay, local da rebelião, manifestaram apoio à ação, antes de serem dispersados com bombas de gás lacrimogêneo pela própria GNB.
A Guarda é um corpo das Forças Armadas, assim como o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Suas unidades de choque reprimem os protestos contra o governo. O ministro da Defesa, Vladimir Padriño López, qualificou a ação de “terrorista”.
No vídeo, o capitão Caguaripano aparece à frente de 17 militares, fardados, armados de fuzis e com os rostos descobertos. Um deles segura uma bandeira da Venezuela. O capitão batizou a ação de “Operação David Carabobo”, e diz que eles representam “o verdadeiro Exército venezuelano libertário, assim como policiais, homens e mulheres, amantes da liberdade”.
O capitão prossegue, na gravação de 2 minutos e 49 segundos: “Nos declaramos em rebeldia, hoje mais que nunca unidos com o povo da Venezuela para desconhecer a tirania assassina de Nicolás Maduro. Isso não é golpe de Estado, é uma ação cívica e militar para estabelecer a ordem constitucional. Mais ainda para salvar o país da destruição total, para deter os assassinatos de nossos jovens e familiares”.
Caguaripano diz que, “como militares institucionais”, eles reconhecem a Assembleia Nacional, de maioria oposicionista. Mas adverte aos deputados que “já passou o tempo de pactos e acordos ocultos entre tiranos e traidores”. Muitos participantes das manifestações criticaram a decisão de parte da oposição de disputar as eleições estaduais em dezembro, marcadas na semana passada pelo Conselho Nacional Eleitoral, com um ano de atraso. E também o fato de a oposição não ter formado um governo de transição depois do plebiscito do dia 16 de julho contra a eleição da Assembleia Constituinte, realizada no dia 30.
“Necessitamos de políticos honestos que passem por cima das cúpulas corruptas que traem o povo”, diz o capitão no vídeo. “Exigimos a conformação imediata de um governo de transição e eleições gerais livres, com poderes públicos independentes.”
O capitão ainda pede que se reúnam nos quartéis e comandos de polícia, e que cada unidade coloque em suas fachadas faixas alusivas ao artigo 350 da Constituição, que prevê o direito a se declarar em desobediência contra o governo quando ele viola as leis. O helicóptero do detetive de polícia Óscar Pérez, que sobrevoou Caracas no fim de junho, também exibia uma faixa com o número 350 e a palavra “liberdade”.
Em outro vídeo, o capitão Javier Nieto, que diz estar na fronteira com outro país, declara apoio à rebelião. Ele afirma que o grupo rebelde se chama Reserva Moral, e é comandado por Caguaripano e “pelo preso político Juan Carlos Nieto Quintero”, que também é capitão e foi detido em fevereiro de 2009. “Todos aspiramos a transparência para uma saída do problema que vivem nossas Forças Armadas e nosso país”, declara Javier Nieto.
Acabou a coesão?
Para a líder oposicionista María Corina Machado, o episódio evidencia “a fragilidade na coesão militar” e demonstra que nas Forças Armadas “o repúdio à ditadura é tão amplo como no resto do país”.
Entretanto, a especialista em assuntos militares Rocío San Miguel viu a notícia da rebelião com suspeição. Segundo ela, a ação teve a infiltração do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), polícia política do regime, e da Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM).
“A Sebin respondendo a um levante militar? Um oficial que se havia rebelado em 2014 aparece de novo nessa brigada? Cheira a falso positivo”, desconfia a especialista, que preside a ONG Controle Cidadão para a Segurança. Segundo ela, a ação só servirá de pretexto para uma nova “limpeza” ou “caça às bruxas” nas Forças Armadas.
De acordo com vários analistas venezuelanos ouvidos por EXAME, o governo assegurou a lealdade dos comandantes militares entregando a eles a distribuição de alimentos e outros bens de primeira necessidade. Maduro nomeou um “general do feijão preto”, um “do arroz”, um “da batata” e assim por diante. A atividade é incrivelmente lucrativa. O país importa à taxa de câmbio oficial de 10 bolívares por dólar e vende no mercado interno por outra taxa de câmbio, também oficial, de 2.780 bolívares, ou no mercado paralelo, que chegou a 19.000 bolívares nessa segunda-feira.
Entretanto, as patentes mais baixas compartilham o sofrimento da população. A oposição não tem armas nem intenção de adquiri-las, mas tem feito frequentes apelos aos militares para que se coloquem “ao lado do povo”. No cenário atual, uma eventual guerra civil na Venezuela seria na verdade travada entre duas forças militares, uma leal ao regime, e outra rebelde.