França: Emmanuel Macron visita o Brasil (LUDOVIC MARIN/AFP/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 21 de março de 2024 às 16h26.
Última atualização em 21 de março de 2024 às 16h50.
O governo da França indicou nesta quarta-feira, dia 20, que o presidente Emmanuel Macron vai pautar nas conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previstas para a viagem ao Brasil na próxima semana, as guerras em curso na Ucrânia e na Faixa de Gaza — temas sobre os quais há divergências de abordagem. O presidente francês, no entanto, não pretende discutir — nem está disposto a ceder — na sua oposição ao acordo entre os blocos Mercosul e União Europeia, de acordo com o Palácio de Eliseu.
Autoridades do Executivo francês afirmam que, a despeito das divergências, a França tem objetivo de buscar uma "agenda comum" com o Brasil, para ajudar na construção de soluções para as guerras. O governo francês afirma que, num contexto de recrudescimento na Ucrânia, se faz ainda mais necessário envolver parceiros que tenham posições divergentes.
O petista, no entanto, deu diversas declarações públicas interpretadas como simpáticas ao Kremlin, como quando disse que os dois lados eram responsáveis pela guerra e que Putin, se viesse ao Brasil, não seria preso, apesar de ter contra si um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional. Ele também evitou condenar a morte do dissidente russo Alexei Navalni, numa prisão no Ártico.
A França tem dito que seus "interesses de segurança estão ameaçados pela evolução do conflito e também pela posição agressiva da Rússia", num quadro de guerra sem alterações significativas há dois anos, após a invasão militar promovida pelos russos em fevereiro de 2022. Os franceses argumentam que a guerra é uma questão existencial para a Europa. Eles disseram que podem ver como ajudar na interlocução de o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, e Lula.
Paris está diretamente envolvida no apoio à Ucrânia, e Macron já cogitou o envio de tropas, o que provocou embates com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Já Lula inicialmente evitou tomar lado em busca de uma posição mediadora, mas chegou a dizer que Putin e Zelenski tinham responsabilidades similares pela continuidade do conflito — uma de várias de suas declarações interpretadas no Ocidente como pró-Rússia. O Brasil não aderiu a sanções econômicas e aprofundou o comércio com Moscou.
Autoridades do Eliseu dizem que também vão buscar "pontos de convergência, mesmo que tenhamos diferenças claras" com objetivo de pôr fim à crise humanitária na Faixa de Gaza, após a eclosão da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas — o estopim foi o massacre de 7 de outubro do ano passado.
Os franceses, no entanto, evitam comentar a comparação que Lula fez entre o extermínio de judeus pelos nazistas comandados por Adolf Hitler e a ofensiva militar israelense, que segundo o governo brasileiro mira em todo o povo palestino e deve ser classificada como genocídio. As palavras de Lula foram rebatidas na Europa — inclusive pelo governo francês — e abriram uma crise diplomática com Israel.
Segundo fontes da presidência francesa, Macron vai reiterar sua oposição ao acordo e entende que o assunto não deve ser objeto de discussões numa visita bilateral, porque as negociações estão em curso na Comissão Europeia. O presidente da França bloqueou politicamente a assinatura do acordo entre os blocos no fim do ano passado, e Lula pressiona agora mais uma vez pelo avanço, a despeito da rejeição francesa.
A França manifestou dificuldades políticas por causa de protestos do setor agrícola — que é contra a abertura a produtos exportados dos países sul-americanos — e pediu que todos os produtos que circulam no mercado europeu estejam sujeitos às mesmas normas e exigências internas do bloco. O presidente Lula disse no início do mês que as questões levantadas pelo Brasil estão solucionadas e que o País está pronto para assinar.
A Presidência da França diz que os dois líderes vão conversar também sobre como garantir a realização de eleições em 28 de julho, na Venezuela, data anunciada pelo regime chavista. Paris afirma que os dois países querem contribuir com a organização das eleições "livres e transparentes" e que tanto Macron quanto Lula têm cobrado o ditador Nicolás Maduro, em conversas recentes com o chavista.
"Para conseguir isto, a oposição deve, de fato, ser capaz de participar. Esta é uma mensagem forte que o próprio presidente da República [Macron] deu a Nicolás Maduro quando teve a oportunidade de falar com ele há alguns meses. Este também é um ponto que o presidente Lula transmitiu em conversas com Maduro", disse o Eliseu, que fala no desejo de ver as sanções suspensas e a normalização de relações com a Venezuela.
Macron fará uma visita ao Brasil na próxima semana. Ele passará três dias no país, de 26 a 28 de março, na companhia de Lula, e visitará quatro cidades: Belém, Itaguaí (RJ), São Paulo e Brasília (DF). A visita de Estado foi anunciada logo após a vitória de Lula, mas acabou adiada por ao menos um ano. A agenda do francês será a mais robusta de um líder estrangeiro no país, no terceiro mandato de Lula, com agenda conjunta no Pará, no Rio e no Distrito Federal.
A visita de Macron será a primeira bilateral na América Latina. Ele já visitou a Guiana Francesa, em 2017, por onde vai passar novamente antes de pisar no Brasil, e foi à Argentina para a cúpula do G-20.
A delegação ainda está em definição, mas incluirá uma série de ministros, empresários de pequenas, médias e startups, além de executivos de multinacionais. Parte delas é diretamente ligada a soluções ambientais, bioeconomia, proteção florestal e conservação de espécies. Entre os executivos confirmados, estão nomes CEOs do Carrefour, Airbus, Naval Group e Vicat. Entre as empresas inovadoras, estão Agro-Tech, Agriodor, Solaire e Net Zero.
O Palácio do Eliseu também disse que Macron vai lançar com Lula "iniciativas estruturantes" nas áreas de biodiversidade, transição ecológica e bioeconomia. Há plano de "fortes anúncios" em cooperação de setores como pesquisa, inovação e tecnologia, que envolve conhecimento de empresas francesas na proteção da Amazônia.
Integrantes do governo francês não mencionaram, mas existe um possível aporte ao Fundo Amazônia, que vem sendo estudado há pelo menos um ano. O governo Macron entende que houve um "progresso substancial" no combate ao desmatamento quando comparados os governos Lula e Jair Bolsonaro, mas que ainda há problemas no Cerrado, por exemplo.
Paris demonstrou preocupação com o pós-Lula. Conselheiros de Macron entendem que o desafio do petista é assegurar a proteção florestal para além de seu mandato, com uma política perene, e eliminar o desmatamento sem provocar a reação de um "populismo que leve à eleição de um novo Bolsonaro". Eles dizem que essa é uma "questão chave" para o País.
O governo francês diz que assume a responsabilidade não somente de evitar mais emissão de gases estufa e de não "importar desmatamento" para o mercado europeu, mas de ajudar numa transição econômica justa nos países exportadores e que possuem florestas tropicais. O objetivo é de "desenvolver toda uma agenda cooperação extremamente aprofundada com estes países para apoiá-los na transição", segundo o Eliseu.
"Isto virá através de anúncios muito fortes que estamos em processo de finalizar em termos investimento na bioeconomia, ou seja, nos setores que permitem desenvolver empregos e oportunidades econômicas no mercado interno, mas também no estrangeiro, e que sejam compatíveis com um objetivo de proteção das florestas e de desmatamento zero", disse o governo da França. "Isto resultará em discussões estratégicas sobre os mercados de carbono porque consideramos que os países florestados que são verdadeiramente ativos na proteção das suas florestas devem poder ser remunerados e que o setor privado internacional também tem um papel no financiamento do reflorestamento e recuperação de terras."
Eles vão lançar um pacote de apoio à reconstrução do Museu Nacional, no Rio, que foi destruído por um incêndio há cinco anos, o que também ocorreu com a Catedral de Notre Dame.
26/3 - Belém (PA)
27/3 - Itaguaí (RJ) e São Paulo (SP)
28/3 - Brasília (DF)